Jurisprudência TSE 060164337 de 10 de maio de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
09/04/2024
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou aprovadas, com ressalvas, as contas do Partido Verde (PV), relativas à arrecadação e à aplicação de recursos financeiros na campanha eleitoral de 2020, e, por maioria, determinou (a) a aplicação do valor de R$ 72.656,60 (setenta e dois mil seiscentos e cinquenta e seis reais e sessenta centavos), oriundo do Fundo Partidário, e de R$ 3.796.603,76 (três milhões setecentos e noventa e seis mil seiscentos e três reais e setenta e seis centavos), oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, em políticas de incentivo à participação política dos negros nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão; e (b) a aplicação da quantia de R$ 1.787.619,85 (um milhão setecentos e oitenta e sete mil seiscentos e dezenove reais e oitenta e cinco centavos), oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, em candidaturas femininas nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do voto do Relator, com ressalva de entendimento dos Ministros Nunes Marques, Isabel Gallotti e André Ramos Tavares; vencido parcialmente o Ministro Dias Toffoli, nos termos do seu voto. Acompanharam o Relator, o Ministro Nunes Marques, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares e Cármen Lúcia (Presidente em exercício). Ausente, justificadamente, o Ministro Alexandre de Moraes.Composição: Ministros(as) Cármen Lúcia (Presidente em exercício), Nunes Marques; Dias Toffoli (substituto), Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO VERDE. ELEIÇÕES 2020. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO PARA A ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. DESPESA REALIZADA APÓS A DATA DA ELEIÇÃO. APLICAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DO FEFC EM CANDIDATURA DE PESSOAS NEGRAS INSUFICIÊNCIA. NÃO APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA EM CANDIDATURAS DE GÊNERO E DE RAÇA. INCIDÊNCIA DA EC Nº 117/2022. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas do Diretório Nacional do PV, relativa à arrecadação e à aplicação de recursos financeiros na campanha eleitoral de 2020, cujo mérito se submete às disposições da Res.–TSE nº 23.607/2019. 1.1. O órgão técnico do TSE sugeriu a desaprovação das contas, e o MPE opinou pela aprovação, com ressalvas. Impropriedade 2. A Asepa solicitou a retificação dos dados registrados no SPCE referentes à data de abertura das contas bancárias, por apresentarem divergências com as informações constantes dos extratos eletrônicos, recebidos diretamente da instituição financeira. 2.1. Embora o partido tenha procedido ao envio da prestação de contas retificadora, não apresentou a mídia eletrônica contendo o extrato da prestação de contas e a nota explicativa contendo as razões da retificação, providência exigida pelos arts. 71 § 1º e 55, §§ 1º e 2º, da Res.–TSE nº 23.607/2019. 2.2. Na linha do parecer do órgão técnico e do MPE, permanece a impropriedade. Irregularidade ¿ receitas 3. Descumprimento de prazo para a entrega de relatório financeiro. 3.1. Conforme o art. 47, I, da Res.–TSE nº 23.607/2019, os partidos políticos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, a enviar, por meio do SPCE à Justiça Eleitoral, para a divulgação em página criada na internet para esse fim os dados relativos aos recursos financeiros recebidos para o financiamento de sua campanha eleitoral, em até 72 horas contadas do recebimento. 3.2. A Asepa consignou a irregularidade ao constatar que "[...] houve o encaminhamento de apenas um relatório financeiro, o qual trouxe a informação do recurso do FEFC após 16 dias do recebimento" e que "as informações referentes às outras receitas foram enviadas por meio das prestações de contas parcial, final e final retificadora, tendo, em alguns casos, descumprido o prazo estabelecido no art. 47, I, da Resolução–TSE nº 23.607/2019 em mais de um mês [...]" (id. 159049117, fl. 16). 3.3. A finalidade da norma é permitir o conhecimento tempestivo do montante de recursos (públicos e privados) recebidos e/ou disponibilizados para a aplicação em campanha, a fim de salvaguardar a transparência e o controle social das movimentações financeiras ocorridas no curso da campanha eleitoral. 3.4. A jurisprudência do TSE, aplicável às eleições de 2020 e subsequentes, firmou–se na linha de que a omissão de informações em prestações de contas parciais e relatórios financeiros configura irregularidade, sendo a extensão da falha e o comprometimento aferidos caso a caso no exame final das contas. Precedentes. 3.5. Irregularidade mantida. Irregularidade - despesas 4. Omissão de despesas com serviços advocatícios pagos com recursos do Fundo Partidário. 4.1. A unidade técnica, embora não tenha indicado o montante tido por omisso, manteve a irregularidade por entender que a despesa decorrente da prestação de serviços advocatícios no curso das campanhas eleitorais é gasto eleitoral, nos termos do art. 35, § 3º, da Res.–TSE nº 23.607/2019, e deve ser escriturado, consoante dispõe o art. 53, I, g, da citada resolução. 4.2. O partido asseverou e comprovou que a prestadora de serviços é a atual diretora nacional de assuntos jurídicos da agremiação e recebe mensalmente remuneração salarial devidamente registrada em todas as prestações de contas de exercício financeiro do partido, desde sua admissão no cargo, em 2015. 4.3. Em consulta ao repositório jurisprudencial desta Corte Superior, constata–se que a advogada vem representando o PV nos processos de prestação de contas desde, no mínimo, o exercício financeiro de 2018, de acordo com os autos das PCs nºs 0600239–82.2019, 0600957–45.2020, 0601005–33.2022 e 0600425–66.2023. 4.4. O serviço questionado possui vínculo com a campanha eleitoral e, portanto, deveria estar registrado no SPCE. Nada obstante, a despeito da ausência de registro no SPCE, a fiscalização desta Justiça Eleitoral não foi comprometida, visto que os dados relativos ao serviço prestado foram devidamente registrados nas contas de exercício financeiro do partido. 4.5. Esta Corte Superior já decidiu que "[...] as despesas omissas não estão sujeitas ao ressarcimento" quando "reconhecidamente declaradas nas contas anuais do Partido". Entretanto, a omissão "[...] enseja a falha pela notória utilização em campanha eleitoral, o que exigiria a sua apresentação na presente demanda, e não naquelas em que consideradas como gastos ordinários" (PC nº 446–38/DF, rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 19.8.2021). 4.6. Irregularidade mantida. 5. Aplicação de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha em percentual inferior ao das candidaturas de pessoas negras. 5.1. O STF, nos autos da ADPF nº 738 MC–Ref, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 5.10.2020, DJe de 29.10.2020, entendeu ser aplicável às eleições de 2020 a obrigação de os partidos políticos destinarem percentuais mínimos do Fundo Partidário e do FEFC às candidaturas de pessoas negras. Posteriormente, o douto relator esclareceu que, quanto aos recursos do FEFC, "a fiscalização da aplicação dos percentuais mínimos será realizada, apenas, no exame das prestações de contas do diretório nacional, pelo TSE" e, em relação aos recursos do FP, "a fiscalização da aplicação do percentual mínimo será realizada no exame das prestações de contas de campanha de cada órgão partidário que tenha feito a doação". 5.2. O órgão técnico observou que "não foi destinado o valor mínimo do Fundo Partidário relativo à cota de homens negros, contrariando a decisão na Medida Cautelar proferida na ADPF nº 738/DF, restando o montante de R$72.656,60 não aplicado" (id. 157584133, fl. 9). 5.3. Em relação aos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, verificou–se que o percentual mínimo exigido para candidatura de pessoas negras (homens e mulheres) não foi cumprido pela agremiação, tendo deixado de repassar o total de R$ 3.796.603,76. 5.4. Como cediço, a EC nº 117/2022 concedeu anistia aos partidos que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes de sua promulgação, nos termos dos arts 2º e 3º. 5.5. Embora os valores não aplicados nas ações afirmativas devam ser decotados do conjunto das irregularidades, não podendo ser considerados no percentual das falhas em relação total de recursos aplicados na campanha, entende o TSE que, tanto nas contas anuais quanto nas de campanha, o montante objeto da anistia da EC nº 117/2022 deve ser aplicado em candidaturas de gênero nas eleições subsequentes. Nesse sentido: ED–PC nº 0601215–26/DF, rel. Min. RAUL ARAÚJO FILHO, DJe de 28.6.2023; PC nº 0601216–11/DF, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 2.5.2023; ED–PC nº 0601363–37/DF, entre outros. 5.6. Conquanto referidos precedentes se refiram ao descumprimento da cota mínima direcionada às candidaturas femininas, é certo que o art. 3º, da EC nº 117/2022 trata da ausência de destinação dos valores mínimos "em razão de sexo e raça", a englobar, portanto, também candidaturas de pessoas negras. 5.7. Irregularidade mantida, devendo o montante não aplicado na ação afirmativa relativa às candidaturas de pessoas negras (FP: R$ 72.656,60; FEFC: 3.796.603,76) ser aplicado, em políticas de incentivo da participação política dos negros nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, nos termos da EC nº 117/2022. 6. Aplicação de recursos do FEFC em percentual inferior ao das candidaturas femininas 6.1. Conforme o art. 17, § 4º, I, da Res.–TSE nº 23.607/2019, o Diretório Nacional do partido deve aplicar recursos públicos recebidos do FEFC na ação afirmativa de gênero proporcionalmente ao percentual de candidaturas femininas, observado o patamar mínimo de 30% dos recursos recebidos. 6.2. A aplicação de recursos do FEFC em candidaturas femininas é calculada e fiscalizada em âmbito nacional. Isto é, a fiscalização da aplicação dos percentuais mínimos será realizada, apenas, no exame das prestações de contas do diretório nacional, pelo TSE. Além disso, é certo que "as transferências de recursos do Fundo Eleitoral pelo diretório nacional para os respectivos órgãos inferiores não se incluem na base de cálculo para apurar o mínimo a que o órgão nacional está obrigado a empregar no financiamento das candidaturas femininas" (PC nº 0601224–85/DF, rel. Min. CARLOS HORBACH, DJe de 4.11.2022). 6.3. Considerando que o partido recebeu a quantia de R$ 20.498.922,01 do FEFC, deveria aplicar em candidaturas femininas o valor de R$ R$ 6.908.136,72, equivalente à proporção de 33,70% Contudo, a Asepa identificou o efetivo repasse do montante de R$ 5.120.516,87, equivalente ao percentual de 24,98%. Assim, o montante não aplicado na referida ação afirmativa é de R$ 1.787.619,85. 6.4. Irregularidade mantida, devendo o saldo remanescente (R$ 1.787.619,85) ser utilizado nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado deste decisum, nos termos da EC nº 117/2022. 7. Despesa realizada após a data da eleição.7.1. A Asepa verificou que o partido efetuou o pagamento de R$ 25.000,00 em 29.11.2020, relativo a serviço de assessoria contábil, em violação ao art. 33, da Res.–TSE nº 23.607/2019, segundo o qual, partidos políticos e candidatas ou candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição. 7.2. Consta nos autos (a) proposta financeira, assinada em 16.12.2020; (b) contrato de prestação de serviços, datado em 11.12.2020 com vigência a partir de 1.10.2020; (c) nota fiscal, emitida em 15.12.2020; e (d) parecer técnico contábil (ids. 157710875, 99567038 e 157710876). 7.3. No caso, tanto a contratação do serviço quanto o pagamento foram efetivados em data posterior às eleições, a evidenciar não se tratar nem mesmo da hipótese de prorrogação da vigência de contrato firmado anteriormente ao pleito. Além disso, as datas dos documentos comprobatórios são dissonantes entre si, o que suscita dúvida acerca da regularidade do gasto. Tal circunstância contraria o art. 33 da Res.–TSE nº 23.607/2019, bem como compromete a confiabilidade e a lisura das contas de campanha. 7.4. Irregularidade mantida. 8. Conclusão: contas aprovadas com ressalvas 8.1. Na linha do parecer ministerial, conquanto a agremiação tenha descumprido o prazo para entrega dos relatórios financeiros relativos aos recursos recebidos do Fundo Partidário, o total de irregularidades nas despesas da agremiação relativas às eleições de 2020 é de R$ 25.000,00, o que representa 0,12% do total que o partido recebeu em 2020 (R$ 20.862.384,51). 8.2. A inexpressividade do percentual da irregularidade apurada e a ausência de indícios de má–fé possibilitam a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no julgamento das contas. Precedentes. 8.3. Contas aprovadas com ressalvas, com as seguintes determinações: (a) a aplicação do valor de R$ 72.656,60, oriundo do Fundo Partidário, não destinado à ação afirmativa relativa às candidaturas de pessoas negras em políticas de incentivo da participação política dos negros nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão; (b) a aplicação do valor R$ 1.787.619,85, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, não destinado à cota de gênero feminina nas eleições de 2020 seja transferido para a conta específica da ação afirmativa, a fim de que seja utilizado em candidaturas femininas nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão; (c) a aplicação do valor de R$ 3.796.603,76, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha em políticas de incentivo da participação política dos negros nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão.