Jurisprudência TSE 060162460 de 28 de agosto de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Benedito Gonçalves
Data de Julgamento
18/08/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, mantendo a decisão monocrática em que se indeferiu a petição inicial e se extinguiu o processo sem resolução do mérito, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes (Presidente). Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. USO INDEVIDO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. ATUAÇÃO ORQUESTRADA. DIFUSÃO DE CONTEÚDOS FALSOS. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS. ENTREVISTA VERÍDICA. REPERCUSSÃO. POSTAGENS CRÍTICAS. DEBATE PÚBLICO. INÉPCIA. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.1. Trata–se de agravo interno interposto contra decisão monocrática em que se indeferiu a petição inicial e se extinguiu a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) proposta para apurar ocorrência de uso indevido dos meios de comunicação, ilícito supostamente perpetrado por meio da divulgação massiva de conteúdos sabidamente inverídicos e intencionalmente descontextualizados em redes sociais para, de forma criminosa, associar o então Presidente candidato à reeleição à prática de pedofilia.2. Para a propositura da AIJE, é preciso que sejam apresentados indícios e circunstâncias que apontem para a ocorrência de condutas aptas, em tese, a configurar alguma das modalidades de abuso. Na ausência desses elementos mínimos, a petição inicial deve ser indeferida (art. 22, I, c, da LC n° 64/90).3. No juízo de admissibilidade, deve–se avaliar se a parte autora foi capaz de romper a inércia da jurisdição, o que exige, entre outros pressupostos processuais, a aptidão da petição inicial. Esse requisito está ausente, dentre outros motivos, quando não houver correlação lógica entre os fatos descritos e a imputação de práticas abusivas (art. 330, § 1º, III, do CPC).4. Na hipótese dos autos, a ação se ampara na alegação de que há um esquema coordenado para, deliberadamente, difundir informações gravemente descontextualizada de forma rápida e exponencial, por meio da utilização de perfis com grande penetração nas redes sociais, cujos responsáveis teriam aderido ao que foi denominado, na petição inicial, de "cruzada caluniosa", "blitzkrieg" (guerra–relâmpago) e "guerrilha digital petista".5. A grave imputação se faz com base em postagens de influenciadores de perfis variados (como artistas, figuras políticas, chefs de cozinha, jornalistas, filósofos, humoristas e blogueiros), aos quais se atribui atuação dolosa para, em unidade de desígnios com os investigados, produzir e divulgar calúnias.6. Contudo, a inicial foi instruída apenas com uma seleção de postagens críticas à fala do candidato investigado, proferida durante entrevista concedida no dia 14/10/2022. Os textos publicados, de caráter autoral, diferem significativamente entre si. Muitos debatem a expressão "pintou um clima" e sustentam que essa e outras expressões utilizadas são machistas e misóginas. Nem mesmo a hashtag mencionada (#bolsonaropedofilo) se repete em todas as postagens, constando em pouquíssimos dos tuítes trazidos na petição inicial.7. A existência da entrevista é fato incontroverso, sendo que os autores, inclusive, transcrevem na petição inicial o teor do que foi dito pelo candidato, classificando a fala como "uma expressão quando muito infeliz".8. É ônus da parte autora construir uma narrativa minimamente verossímil sobre as condutas dolosas e de má–fé atribuídas aos supostos envolvidos, pois a jurisdição não pode se mover a partir de meras especulações.9. Descrever os influenciadores como "pessoas bem esclarecidas, que contam com equipes diversas de apoio [e] sabem como gerar engajamento nas redes sociais" não comporta o salto lógico de tomar a crítica por eles feita ao candidato investigante como elemento que os insira em uma rede de desinformação organizada pelos investigados.10. Os agravantes admitem que as postagens se espalharam de forma orgânica e não relatam qualquer ato coordenado concreto entre os autores das postagens. Esse cenário não dá suporte à alegação de que houve uma atuação orquestrada.11. A decisão liminar proferida nos autos da RP n° 0601521–53 em 16/10/2022 não possui efeitos erga omnes. Seu comando recaiu sobre postagem específica de uma das representadas, proibindo–se aos réus naquela ação "promover novas manifestações sobre os fatos".12. O debate público sobre a fala do então Presidente da República, candidato à reeleição, em entrevista que teve amplo alcance, não foi interditado pela decisão, constando do julgamento dos embargos declaratórios opostos naquele feito que o vídeo publicado não contém "fato evidentemente falso ou gravemente descontextualizado" (ED na RP n° 0601521–53, Rel. Min. Carmen Lucia, acórdão publicado em sessão de 28/10/2022).13. Impossível acolher a tese de que os investigados, réus na representação, estariam obrigados, pela decisão liminar, a impedir que seus simpatizantes e apoiadores, no exercício da liberdade de expressão, criticassem a entrevista de Jair Messias Bolsonaro. O encadeamento proposto chega ao mesmo resultado do reconhecimento de eficácia erga omnes, que os agravantes admitem não existir na espécie.14. Ademais, a citada representação terminou extinta sem resolução do mérito, por ausência de requisitos para seu regular processamento. Ressaltou–se que a listagem de links da inicial, que não versava sobre postagens específicas, levou o juízo a erro e que, na emenda à inicial, foram indicados conteúdos de teor distinto do considerado ilícito.15. Nesta AIJE, mesmo após a emenda à inicial, remanesceu o vácuo da narrativa usada para tentar disparar a apuração de uso indevido de meios de comunicação com base em simples e aleatório apanhado de postagens.16. Não socorre aos agravantes a orientação plenária fixada pelo TSE na AIJE nº 0600814–85, com base na qual se definiu a admissão, em feitos já ajuizados, de "elementos que se destinem a demonstrar desdobramentos dos fatos originariamente narrados, a gravidade (qualitativa e quantitativa) da conduta que compõe a causa de pedir ou a responsabilidade dos investigados e de pessoas do seu entorno". A orientação pressupõe que a parte autora tenha apresentado petição inicial apta, contendo narrativa coesa e indícios mínimos, o que não ocorreu no caso em tela.17. Assim, sob qualquer ângulo de análise, não se justifica receber petição inicial que, à míngua de indícios e circunstâncias minimamente aptos a indicar a existência de uma rede de desinformação, colocaria sob escrutínio do Tribunal opiniões exaradas por pessoas públicas e canais sobre episódio, verídico, de compreensível interesse público.18. O simples processamento de demanda desta natureza é capaz de enviar indesejável mensagem à sociedade, no sentido de que as falas de candidatos não poderiam ser criticadas ou mesmo ensejar discussões sobre temas relevantes para o contínuo processo civilizatório.19. Indeferimento da petição inicial e extinção do processo sem resolução do mérito mantidos.20. Agravo interno desprovido.