Jurisprudência TSE 060158509 de 10 de junho de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sérgio Banhos
Data de Julgamento
17/03/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, não conheceu das questões de ordem de decadência e nulidade de acórdão suscitadas na sessão de julgamento; rejeitou as preliminares suscitadas e negou provimento aos recursos ordinários de José Valdevan de Jesus Santos, Evilázio Ribeiro da Cruz e Karina dos Santos Liberal; deu parcial provimento ao recurso ordinário de Rafael Meneguesso Lima, a fim de afastar a declaração de sua inelegibilidade, e julgou prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao recurso ordinário, nos termos do voto do relator. Por unanimidade, determinou, ainda, a retotalização de votos para o cargo de Deputado Federal em Sergipe, nas eleições de 2018, considerando nulos os votos atribuídos a José Valdevan de Jesus Santos e a comunicação imediata ao Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, para o cumprimento das determinações independentemente da publicação do acórdão, nos termos do voto do relator. Ausência justificada do Senhor Ministro Carlos Horbach. Composição: Ministros Edson Fachin (presidente), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos e Carlos Mário Velloso Filho.
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO FEDERAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. UTILIZAÇÃO DE VALORES NÃO DECLARADOS. RECURSOS ILÍCITOS. FONTE VEDADA. ESTRUTURAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE CONTAS DE PASSAGEM. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. RECURSO IMPROCEDENTE. CASSAÇÃO DE DEPUTADO FEDERAL. INELEGIBILIDADE. ART. 22 DA LC 64/90. RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ACÓRDÃO PARCIALMENTE MANTIDO. SÍNTESE DO CASO1. Foi ajuizada ação de investigação judicial eleitoral em face dos recorrentes, sob a imputação da prática de abuso de poder econômico, decorrente da constatação de que teriam sido realizadas 86 doações por pessoas físicas, todas no valor de R$ 1.050,00, ao candidato eleito ao cargo de deputado federal, após o primeiro turno das eleições de 2018 (nos dias 18, 19, 24, 25, 26 e 29 de outubro de 2018).2. O Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a AIJE, reconhecendo a prática de abuso do poder econômico, determinando cassação do mandato de José Valdevan de Jesus Santos, bem como a inelegibilidade do referido recorrente e de Evilázio Ribeiro da Cruz, Karina dos Santos Liberal e Rafael Meneguesso Lima. 3. Assentou-se demonstradas as práticas abusivas com gravidade suficiente para caracterizar a ocorrência do ilícito descrito no art. 22 da LC 64/90, na medida em que "atentaram severamente contra a legitimidade do pleito, pela utilização de recursos de origem não identificada e de fonte vedada na campanha eleitoral, e, ainda, pela utilização do famigerado "caixa 2".4. Evilázio Ribeiro da Cruz, José Valdevan de Jesus Santos, Rafael Meneguesso Lima e Karina dos Santos Liberal interpuseram recursos ordinários.5. A Procuradoria-Geral Eleitoral manifestou pelo não provimento dos recursos.ANÁLISE DOS RECURSOS ORDINÁRIOS QUESTÕES PRÉVIAS6. Quanto a inadequação da via eleita, a questão vertente trata da utilização de valores irregulares para saldar dívidas de campanhas e "A utilização de 'caixa dois' em campanha eleitoral configura, em tese, abuso de poder econômico" (RCED 731, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 10.12.2009). Ademais, a fixação da competência se dá in status assertionis, com "a apresentação ou relação de evidências, ainda que indiciárias, da ocorrência do ilícito, conforme se extrai da dicção do art. 22, caput, da Lei Complementar 64/1990, porquanto a colheita de provas faz-se no curso da instrução processual". (AIJE 0601864-88, rel. Min. Jorge Mussi, DJE 25.09.2019).7. As atribuições do Corregedor Regional estão definidas no art. 26, § 1º do CE c/c com o art. 8º e seguintes da Res.-TSE 7.651/65, não se tratando de julgamento por tribunal de exceção, além da competência prevista no art. 22 da LC 64/90. Portanto, a distribuição de processos aos juízes auxiliares (com competência prevista no art. 96 da LE) e ao Corregedor Regional não configura instituição de juízo de exceção, estando previamente prevista no ordenamento jurídico.8. O art. 22, V, da Lei Complementar 64/90 prescreve, como ônus das partes, as providências necessárias ao comparecimento das suas testemunhas arroladas, independentemente de intimação. Contudo, o § 4º, IV do art. 455 do CPC prevê tratamento diferenciado para a intimação das testemunhas arroladas pelos órgãos estatais em juízo, estabelecendo a intimação judicial quando as testemunhas forem arroladas pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública. Não há vedação à aplicação suplementar do CPC, nos moldes da Res.-TSE 23.478.9. Improcede a alegação dos recorrentes de juntada de documentos pelo Ministério Público após a apresentação da defesa e a alegação de violação do contraditório, já que foi oportunizado após a juntada de todos os documentos durante a instrução. 10. As interceptações telefônicas foram regularmente obtidas em ação que visa a constatação da prática de crime do art. 350 do CE e o seu compartilhamento foi autorizado pelo juízo prolator da decisão, tendo o seu ingresso na presente AIJE se dado como documento. Assim, "É regular a utilização de prova emprestada consistente em interceptação telefônica considerada, no processo em que operada, válida" (REspEl 0600014-93, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho DJE 18.3.2021, bem como no AgR-AI 262-14, rel. Min. Edson Fachin, DJE 13.9.2019).11. É descabida a alegação de malferimento ao direito individual de terceiros que não figuraram como parte no processo e tiveram seus sigilos bancários quebrados, uma vez que "o sigilo dos dados bancários não tem proteção absoluta pela Constituição Federal, sendo possível à autoridade judicial que o afaste pontualmente, desde que haja, em qualquer caso, a devida fundamentação de sua necessidade" (RO-EL 0601616-19, rel. Min. Og Fernandes, DJE 19.12.2019).12. Não merece acolhimento o pleito dos recorrentes de deferimento de diligências consistentes em expedição de ofícios para obtenção de informações, visto que as medidas são desnecessárias e, como tal, descabidas de fundamento legal, não competindo às defesas transferirem seus ônus de constituir provas para o órgão judicante, tendo em vista que o objeto dos requerimentos não constitui matéria com reserva de jurisdição.13. A eventual declaração de incapacidade da testemunha não tem cabimento na esfera eleitoral, sob pena de alargamento do objeto da ação eleitoral e perpetuação indefinida da instrução processual. Por outro lado, a legislação prevê o convencimento motivado do órgão julgador no sopesamento das provas colhidas, sendo o resultado dos depoimentos incorporado aos autos independentemente de serem favoráveis ou desfavoráveis a alguma das partes. MÉRITOABUSO DE PODER ECONÔMICO14. Não merece acolhimento o argumento de que a prova testemunhal produzida no feito apresenta contradições e não possui robustez para comprovar o abastecimento fraudulento da campanha do candidato.15. Segundo relatado por Ana Paula dos Santos e Érika Heloísa Nunes dos Santos, Karina dos Santos Liberal as contratou solicitando "um favor", na qualidade de coordenadora do comitê de campanha de José Valdevan. Enquanto a primeira relatou ter sido solicitado que comparecesse ao banco para realizar um depósito de envelope fechado para a conta indicada pela coordenadora de campanha, a segunda relatou, inicialmente, que lhe foi solicitado o seu comparecimento diretamente ao diretório para a assinatura de comprovante de depósito feito em seu nome. Ambas as depoentes afirmam que desconheciam que haviam sido feitas doações eleitorais em seu nome. 16. Os elementos de informação consistentes nos depoimentos prestados perante a Polícia Federal, ainda que não possuam força probante, eis que não foram reproduzidos em juízo, demonstram alinhamento do que foi descrito durante a instrução processual perante a Corregedoria Regional Eleitoral, comprovando a irrigação da campanha eleitoral com recursos não declarados.17. Não merece credibilidade a versão apresentada pelas defesas de que os valores tidos por ilícitos seriam decorrentes de empréstimo contraído por José Valdevan perante Rafael Maneguesso, já que não constaram da prestação de contas, bem como não atendem aos requisitos previstos no art. 18 da Res.-TSE 23.553, que somente admite contratações de empréstimos diretamente de instituições financeiras e equiparadas regulares, mas não de pessoas físicas. 18. As informações obtidas na Ação Cautelar 0601573-92.2018.6.25.0000 demonstram movimentações bancárias atípicas dos doadores Denilson dos Santos Ribeiro e Alesson Alexandre Santos entre os meses de julho e outubro de 2018, ambos servidores do Município de Arauá/SE, ocupantes de cargos comissionados. Esses valores totalizam mais de R$ 551 mil reais, tendo sido oriundos de vultuosas transferências realizadas por pessoas físicas e jurídicas concentradas em São Paulo, em sua maioria. 19. As circunstâncias do caso apontam no sentido de que as contas foram praticamente zeradas na proximidade do pleito eleitoral e os valores sacados foram utilizados para a realização de depósitos em espécie na conta de campanha, todos na exata cifra de R$ 1.050,00. Em 19.10.2018 compareceram vinte munícipes à agência do BANESE de Estância/SE no intervalo de 1h15min. No dia 25.10.2018, dezoito munícipes compareceram à mesma agência para realizar os depósitos no intervalo de 1h25min. Cabe registrar que todos esses depósitos ocorreram no dia seguinte aos saques realizados por Denilson dos Santos Ribeiro e Alesson Alexandre dos Santos. 20. Quanto à participação de Karina Liberal, extrai-se dos autos que a recorrente entrou em contato com Ana Paula dos Santos e Érika Heloísa Nunes, na qualidade de coordenadora do comitê de campanha de José Valdevan, e solicitou que ambas comparecessem a uma agência da instituição bancária para efetuarem depósitos na conta de campanha do então candidato. Érika Heloísa nem sequer teria realizado depósito, apenas fornecendo seus dados. Na mesma linha, Laís Kelly, prima de Valdevan, afirmou ter efetivado o depósito de quantia fornecida por Karina Liberal. José Carlos Chagas da Cruz, "Buda", também relatou que lhe foi solicitada a realização de depósito bancário na mesma conta de campanha e, de igual modo, que o valor lhe foi entregue por Karina Liberal já dentro do banco. 21. A participação de Evilázio Ribeiro também é demonstrada em face dos documentos obtidos pelo compartilhamento dos elementos de prova produzidos na Operação Extraneus, em que se constatou que o recorrente tratou das doações diretamente com parentes de José Valdevan, orientando-os, inclusive, como proceder caso fossem abordados pelas autoridades fiscalizadoras. 22. Na mesma operação ficou clara atuação de José Valdevan na orientação de contato direito de Evilázio com os supostos doadores, bem como o recorrente teria ciência das possíveis interceptações telefônicas em curso. José Valdevan desenvolvia suas atividades no Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário de São Paulo, tendo Denilson dos Santos Ribeiro e Alesson Alexandre Santos recebido quantias de pessoas físicas e jurídicas daquela localidade. 23. Essas quantias irrigaram a campanha do candidato, que concorria ao cargo de deputado federal pelo Estado de Sergipe e não as declarou. A movimentação de recursos foi expressiva, consistente e se referiu a mais de R$ 551 mil reais. Assim, esses elementos indiciários têm o condão de demonstrar a participação de José Valdevan como autor do fato, servindo com provas ante as peculiaridades do caso (RO 1220-86, rel. Min. Min. Luiz Fux, DJE de 27.03.2018). 24. Não merece acolhimento o argumento de aplicação do princípio da proporcionalidade. Os recorrentes utilizaram de contas de terceiros para recebimento de valores ilícitos, oriundos de fontes vedadas e, posteriormente, utilizaram de subterfúgios para dar uma aparência de licitude às doações declaradas, por meio da prática de estruturação (smurfing). Ou seja, procederam o fracionamento dos valores recebidos nas contas de passagem em quantias bem próximas ao que a legislação eleitoral desobriga seu trânsito por meio de transferências bancárias (art. 22, § 1º da Res.-TSE 23.553). 25. O candidato declarou, como gastos de campanha, a quantia de R$ 352.193,00, porém há indícios de que foram utilizados mais de R$ 551 mil reais, dos quais somente R$ 90.300,00 fizeram parte da declaração como dívida de campanha. Desse modo, as circunstâncias apontam para a utilização de mais de R$ 460 mil reais em recursos e despesas não declarados. 26. Quanto à gravidade dos fatos, trata-se de Estado com eleitorado de pouco mais de 1,5 milhões de eleitores, tendo o recorrente obtido a 8ª maior votação para o cargo de Deputado Federal, com 45.472 votos. Preencheu, assim, a 7ª cadeira de Deputado Federal (de um total de 8 cadeiras pelo referido Estado), tendo concorrido com candidatos que obtiveram 49.055, 39.380 ou 37.556 votos. Portanto, seus concorrentes poderiam, em tese, até ter obtido melhores resultados se não houvesse esse excessivo uso de recursos não declarados. 27. Cabe relembrar, conforme destacado no julgamento do REspe 501-20 (rel. Min. Admar Gonzaga, redator para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 26.6.2019), que, "para que seja formulado o juízo de procedência da AIJE, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que é imprescindível a demonstração de dois requisitos. O primeiro requisito é a gravidade das condutas reputadas ilegais, de modo que sejam capazes de abalar a normalidade e a legitimidade das eleições e gerar desequilíbrio na disputa" (REspe 11-751RN, reI. Min. Luiz Fux, j. em 25.5.2017). 28. Na hipótese de abuso do poder econômico, é necessário o emprego desproporcional e excessivo de recursos patrimoniais, públicos ou privados, em benefício eleitoral do candidato, que seja capaz de comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas (REspe 941-81, reI. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 7.3.2016). Para preencher o requisito da gravidade, todavia, é desnecessária a aferição (matemática ou numérica) da alteração do resultado das eleições pela prática do ato, como preconiza o art. 22, XVI, da LC 64/90. 29. Quanto à participação de Rafael Meneguesso Lima, não há provas consistentes para além de um juízo presuntivo, ainda que com alto grau de probabilidade. Verifico que os fatos acima descritos não permitem a comprovação da participação do recorrente na prática de abuso do poder econômico. 30. O elemento mais contundente trazido pelos investigantes seria a realização de dois depósitos na conta de Alesson, nos valores de R$ 4.000,00 e R$ 9.000,00 (realizados em 2.10.2018 e 3.10.2018). Entretanto a inferência de que o recorrente tenha participado da conduta não é direta. Observo que o terminal de Rafael Meneguesso foi interceptado, não tendo sido constatada conversa que o conectasse ao fato. Pelo contrário, o que foi consignado nas conclusões apostas pela autoridade policial foi a ausência de conversação vinculada ao fato. 31. Nessa linha, destaco a remansosa a jurisprudência deste Tribunal Superior, no sentido de que "a causa de inelegibilidade decorrente da prática de abuso do poder econômico, nos moldes do art. 22, XIV, da LC nº 64/90, requer, para a sua incidência, que o beneficiário pela conduta abusiva tenha tido participação direta ou indireta nos fatos" (REspe 458-67, rel. Min. Luiz Fux, DJE 15.2.2018). CONCLUSÃO 32. Confirmada parcialmente a condenação decidida pelo Tribunal Regional Eleitoral, fica mantida a cassação do mandato de Deputado Federal de José Valdevan de Jesus Santos, bem como a inelegibilidade de Karina dos Santos Liberal, Evilázio Ribeiro da Cruz e de José Valdevan de Jesus Santos, pelo período de 8 anos, a contar da data das Eleições de 2018. 33. Em relação à destinação dos votos, esta Corte Superior, no julgamento dos RO-ELs 0601403-89, 0601423-80 e 0601409-96, j. em 22.9.2020, entendeu, por maioria, ser inaplicável o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral aos casos em que forem verificados a fraude, a coação, o abuso de poder e os demais comportamentos proscritos pelos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, razão pela qual, confirmada a configuração da prática abusiva, devem ser considerados nulos, para todos os fins, os votos obtidos pelo candidato eleito, o que enseja a retotalização da votação proporcional da indigitada eleição proporcional. No mesmo sentido: RO-EL 0603900-65, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 26.11.2020; RO-EL 0603902-35, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 12.11.2020. Recurso ordinário de Rafael Meneguesso Lima a que se dá parcial provimento, a fim de afastar a declaração de sua inelegibilidade. Recursos ordinários de Karina dos Santos Liberal, Evilázio Ribeiro da Cruz e José Valdevan de Jesus Santos a que se nega provimento, mantendo a cassação do mandato de José Valdevan de Jesus Santos, eleito para o cargo de Deputado Federal, bem como a inelegibilidade de Karina dos Santos Liberal, Evilázio Ribeiro da Cruz e de José Valdevan de Jesus Santos, pelo período de 8 anos, a contar da data das Eleições de 2018, com determinação.