Jurisprudência TSE 060155942 de 06 de dezembro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
06/12/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a preliminar de necessidade de adequação dos julgamentos das ações civis públicas, em que condenado, e, no mérito, deu provimento ao recurso ordinário a fim de deferir o pedido de registro de candidatura de Antônio Dirceu Dalben ao cargo de Deputado Estadual, nas eleições de 2022, determinando, ainda, a comunicação imediata ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Alexandre de Moraes (Presidente). Acórdão publicado em sessão.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2022. RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. DEPUTADO ESTADUAL. DOCUMENTAÇÃO INSUFICIENTE. CERTIDÃO DE OBJETO E PÉ. FALHA SUPRIDA. CONDENAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE NÃO TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, L, DA LEI COMPLR 64/90. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI 8.429/92. REQUISITOS. DOLO, DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. AUSÊNCIA. DEMAIS CONDENAÇÕES. ALTERAÇÕES JURÍDICAS SUPERVENIENTES. DECISÕES ULTERIORES CONCESSIVAS DE TUTELA DE URGÊNCIA. SUSPENSÃO DOS EFEITOS. AFASTAMENTO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE.SÍNTESE DO CASO1. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo indeferiu o registro de candidatura do recorrente, ao cargo de deputado estadual, nas Eleições de 2022, em razão dos seguintes fundamentos:i) incidência da causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da Lei Complementar 64/90, decorrente da condenação nas Ações Civis Públicas 0015319–64, 0007542–67 e 0003661–82;ii) insuficiência de documentação com relação à Ação Civil Pública 0002099–09.ANÁLISE DO RECURSO ORDINÁRIO2. No que tange à alegação preliminar do recorrente, observa–se que é de competência da Justiça Comum o exame dos fundamentos de três decisões condenatórias proferidas em ação civil pública e objeto de consideração na decisão regional recorrida, a fim de afinal adequá–las (ou não) às recentes alterações na Lei de Improbidade Administrativa promovidas pela Lei 14.230/2021, conforme orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral – Tema 1.199, não podendo tal questão ser revista pela Justiça Eleitoral, a teor do verbete sumular 41 desta Corte Superior, segundo o qual "não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto, ou desacerto, das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário, ou dos Tribunais de Contas, que configurem causa de inelegibilidade". Nesse sentido, cito precedente, no caso, o RO–El 0600407–84, da relatoria do Min. Carlos Horbach, PSESS em 29.9.2022.3. O inconformismo com as decisões proferidas no âmbito das ações civis públicas, a fim de eventualmente afastar condenação por ato de improbidade administrativa, deve ser questionado por meio de ação própria, no órgão competente, e não no âmbito do processo de registro de candidatura.4. A finalidade do processo de registro de candidatura é verificar somente o preenchimento das condições de elegibilidade e a inexistência de causas de inelegibilidade, não cabendo a esta Justiça Especializada avaliar o acerto ou o desacerto das decisões dos órgãos competentes que possam dar lastro à incidência de inelegibilidade ou ao não preenchimento de condição de elegibilidade.Ação Civil Pública de nº 0002099–09.2022.8.26.06045. O recorrente foi condenado, mediante sentença confirmada em segunda instância, à suspensão dos direitos políticos, por três anos, pela prática de ato de improbidade administrativa, com fundamento no art. 11 da Lei 8.429/92, em virtude da cessão ilegal de objeto de contrato, com anuência da administração municipal e sem observância do procedimento licitatório.6. No recurso ordinário, foi apresentada a documentação faltante (falha antes glosada pela Corte de origem e agora suprida no recurso ordinário), por meio da qual se verifica a ausência de trânsito em julgado do processo, não tendo se iniciado o transcurso da pena de suspensão dos direitos políticos.7. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, "nos termos do art. 20, da Lei nº 8.429/1992, a suspensão dos direitos políticos somente se efetiva com o trânsito em julgado da sentença condenatória". Refiro–me ao AgR–REspEl 0600375–14, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 16.8.2021.8. No que respeita à indigitada condenação, é certo que a causa de inelegibilidade descrita no art. 1º, I, l, da Lei Complementar 64/90 não tem o trânsito em julgado como pressuposto para atrair a sua incidência, bastando a decisão condenatória por órgão colegiado, desde que presentes os demais requisitos, notadamente o dano ao erário e o enriquecimento ilícito.9. Este Tribunal Superior já se pronunciou no sentido de que "a condenação por ato de improbidade administrativa, fundada apenas no art. 11, da Lei nº 8.429/1992, não atrai a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, L, da LC nº 64/1990" (REspEl 0600539–93, rel. Min. Mauro Campbell Marques, PSESS em 11.12.2020). Por outro vértice, também já se decidiu que "é possível que a Justiça Eleitoral extraia dos fundamentos do decisum do juízo de improbidade a presença dos referidos pressupostos, ainda que a condenação se dê exclusivamente com base no art. 11, da Lei 8.429/92. Precedentes." (REspEl 0600491–82, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 18.5.2021). 10. No caso, ainda que fosse adotado o entendimento mais abrangente, quanto à possibilidade de a Justiça Eleitoral examinar a presença dos requisitos necessários para a incidência da causa de inelegibilidade descrita no art. 1º, I, l, da Lei Complementar 64/90 na hipótese em que a condenação por ato de improbidade administrativa se fundou apenas no art. 11 da Lei 8.429/92, não é possível extrair da condenação do recorrente a existência cumulativa do dano ao erário e do enriquecimento ilícito.11. Da leitura dos éditos condenatórios, não se averigua a presença de enriquecimento ilícito e de dano ao erário, conforme expressamente reconhecido pela Justiça Comum, diante da ausência de comprovação da inexecução contratual ou de que a contratação foi menos vantajosa, pois o ato ímprobo que ensejou a procedência da demanda diz respeito apenas à sub–rogação ilegal do objeto de contrato, este sim firmado com espeque em processo licitatório válido. No ponto, não houve condenação à restituição de valores ao erário, o que reforça a ausência de dano ou eventual enriquecimento ilícito.12. Consoante assinalado pelo Tribunal Regional Eleitoral, há, inclusive, dúvida sobre a presença do elemento subjetivo requerido, porquanto ausente uma descrição específica da conduta do recorrente – chefe do Poder Executivo municipal na ocasião – com relação ao ato ímprobo, mas apenas relato de que houve "anuência da administração municipal", o que não se mostra suficiente para comprovar que ele agiu de forma dolosa.13. Em face da ausência do enriquecimento ilícito e do dano ao erário e até mesmo da explicitação clara do dolo, a condenação do recorrente não é apta a atrair a causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC 64/90.Ações Civis Públicas 0015.319–64.2008.8.26.0604, 0007.542–67.2004.8.26.0604 e 000.3661–82.2004.8.26.060414. O recorrente noticiou alterações jurídicas supervenientes, que interferem no julgamento do recurso ordinário, alusivos a três decisões que suspenderam os efeitos dos acórdãos condenatórios proferidos no âmbito das ações civis públicas, não transitadas em julgado, até que a Justiça Comum proceda à adequação dos julgamentos, de acordo com as recentes alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), promovidas pela Lei 14.230/2021, conforme orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Repercussão Geral – Tema 1.199.15. Com relação à Ação Civil Pública 001.5319–64.2008.8.26.0604, foi inicialmente proferida decisão pelo relator do feito no Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial 1.682.597, determinando "a devolucao dos autos ao Tribunal de origem, com a respectiva baixa, para que, apos a publicacao do acordao a ser proferido na Repercussao Geral (Tema 1.199 do STF) e, em observancia ao art. 1.040 do CPC/2015: a) negue seguimento ao recurso, se a decisao recorrida coincidir com a orientacao exarada pelo STF; ou b) proceda ao juizo de retratacao na hipotese do acordao vergastado divergir da decisao sobre o tema posto em repercussao geral".16. O candidato apresentou, assim, a decisão oriunda do Tribunal de Justiça de São Paulo que suspende os efeitos do acórdão condenatório proferido nos autos da referida Ação Civil Pública 001.5319–64.2008.8.26.0604, "tendo em vista que o processo principal, que tramita pelo meio fisico, encontram–se [sic] na Vara de Origem, e diante da necessidade de requisicao dos autos para viabilizar o correto juizo de conformidade do v. Acordao com as teses definidas no julgamento do Tema no 1199, do STF [...] até que seja possível revisar o juízo de admissibilidade do recurso".17. No que tange à Ação Civil Pública 000.7542–67.2004.8.26.0604, foi colacionada decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Agravo em Recurso Especial Eleitoral 1.760.279, deferindo "o pedido da tutela provisória para concessão do efeito suspensivo" ao recurso interposto nos referidos autos.18. Em relação à Ação Civil Pública 000.3661–82.2004.8.26.0604, foi juntada decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial 1.702.930, que deferiu "o pedido da tutela provisória para concessão do efeito suspensivo" ao recurso interposto no citado processo.19. Em recente julgado, ainda relativo à inelegibilidade decorrente de rejeição de contas públicas, este Tribunal reafirmou que "o deferimento de tutela de urgência, em data anterior ao prazo final para diplomação dos eleitos, para suspender os efeitos do acórdão de rejeição de contas, constitui circunstância jurídica superveniente ao registro de candidatura que afasta a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Precedentes do TSE" (RO–El 0600807–44, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS em 8.11.2022). Na mesma linha: AgR–RO 0600295–95, rel. Min. Luís Roberto Barroso, PSESS em 20.11.2018; AgR–REspe 323–11, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 7.8.2017.20. Tendo sido suspensa a eficácia das outras três decisões condenatórias em ação de improbidade que fundavam o indeferimento da candidatura, não há falar em incidência da inelegibilidade de que trata o art. 1º, I, l, da Lei Complementar 64/90.21. A Procuradoria–Geral Eleitoral, impugnante do pedido de registro, opinou pelo deferimento da candidatura, assinalando que, "em decorrência das alterações fáticas e jurídicas supervenientes, demonstradas nos autos, não subsistem os impedimentos que levaram o TRE–SP a acolher a impugnação e a indeferir o registro de candidatura do recorrente. Além disso, suprida a falta de documentos, fica afastada a ausência de condição de registrabilidade que também representava óbice ao registro".CONCLUSÃORecurso ordinário eleitoral a que se dá provimento, a fim de reformar o acórdão regional, afastar a incidência da causa de inelegibilidade descrita no art. 1º, I, l, da Lei Complementar 64/90 e, em consequência, deferir o registro de candidatura do recorrente ao cargo de deputado estadual, no pleito de 2022.