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Jurisprudência TSE 060155272 de 01 de dezembro de 2023

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Benedito Gonçalves

Data de Julgamento

09/11/2023

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Relator.Acompanharam o Relator, os Ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Ementa

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2022. RECLAMAÇÃO. DESCUMPRIMENTO. DECISÃO JUDICIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER. OFERTA. TRANSPORTE PÚBLICO URBANO COLETIVO DE PASSAGEIROS. CIRCULAÇÃO NORMAL. DIA DAS ELEIÇÕES. ASTREINTES.1. No decisum monocrático, negou-se seguimento a recurso especial interposto por concessionárias do transporte público urbano de passageiros de Teresina/PI, mantendo-se, assim, aresto do TRE/PI, que, na linha do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 1.013 (Rel. Min. Luís Roberto Barroso), impôs astreintes de R$ 90.000,00 para cada empresa, por terem descumprido ordem de manutenção do serviço sem redução específica no dia do primeiro turno das Eleições 2022.PRELIMINAR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. REJEIÇÃO.2. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional. É indene de dúvida que a Corte a quo enfrentou todas as teses defensivas, assentando, em suma, que: a) a reclamação é cabível e não há vício de competência para o seu julgamento; b) o Município de Teresina/PI não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda; c) a citação necessitou ser renovada porque ocorreu após o horário limite do art. 212, caput, do CPC/2015 e, de outro lado, foi válida a notificação para cumprir a tutela de urgência, embora concluída após as 20 horas, por haver risco de dano grave, nos termos do § 1º do citado dispositivo; d) concedeu-se prazo de cinco dias para a defesa a fim de compatibilizar as disposições do CPC/2015 com o sistema do processo eleitoral, marcado por prazos mais exíguos; e) a obrigação estabelecida na tutela de urgência não era inexequível.PRELIMINAR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REJEIÇÃO.3. Rejeita-se a suposta inadequação da via eleita, pois, ainda que a decisão reclamada tenha sido proferida em processo que tramitou no sistema próprio de processos administrativos da Justiça Eleitoral (Sistema SEI), ela não possui índole administrativa. Sua finalidade foi garantir o exercício do direito de sufrágio aos eleitores que dependiam do transporte público para comparecer às urnas, um dos mais caros direitos inerentes à democracia, e estava alinhada ao que decidira o STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, âmbito no qual suas decisões são de observância vinculativa.4. Não se configurou o alegado dissídio com julgado desta Corte (AgR-Rcl 0600166-42/RN, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 31/5/2021), por ausência de similitude fática. Naquele caso, a reclamação fora ajuizada em face de decisum de Relator em sede de recurso ordinário eleitoral com a pretensão de que o Pleno desta Corte reformasse o entendimento assentado no decreto monocrático. Diante desse quadro, o TSE negou provimento àquele agravo interno, reafirmando sua jurisprudência no sentido de ser incabível o manejo de reclamação como substituto de recurso. Essas circunstâncias são completamente alheias ao que se discute nestes autos, nos quais não se cogita de suposto uso da reclamação como sucedâneo recursal.PRELIMINAR. VÍCIOS PROCESSUAIS RELATIVOS À COMPETÊNCIA. REJEIÇÃO.5. Não houve usurpação de competência do juízo da zona eleitoral de Teresina/PI para planejar e executar o transporte de eleitores. A Lei 6.091/74 e a Res.-TSE 23.669/2019 dispõem sobre o fornecimento gratuito de transporte, em dias de eleição, a eleitores residentes nas zonas rurais, sem nada disciplinar a respeito do transporte público coletivo urbano, matéria em discussão nestes autos.6. No que se refere ao julgamento monocrático da reclamação pelo Presidente da Corte a quo, é inviável se conhecer da pretensão, uma vez que referido decisum foi confirmado pelo Plenário daquele colegiado em sede de recurso de ampla devolutividade, concretizando-se, assim, o efeito substitutivo dos recursos, previsto no art. 1.008 do CPC/2015, segundo o qual "o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso". Precedentes.PRELIMINAR. ILEGALIDADES DA COMPOSIÇÃO DA LIDE. REJEIÇÃO.7. Não se conhece da pretensão recursal no que tange à suposta ilegitimidade passiva do Sindicato das Empresas de Transporte Urbanos de Passageiros de Teresina (SETUT), pois inexiste utilidade do provimento jurisdicional. A consequência do acolhimento dessa tese consistiria na exclusão da parte ilegítima. Contudo, na espécie, os próprios agravantes consignaram que "o SETUT [...] não foi condenado ao pagamento da multa imposta como sanção pelo suposto descumprimento dessa mesma decisão" (ID 158.990.887, fl. 29). Exatamente por isso, o sindicato, pessoa jurídica a quem poderia aproveitar a admissão dessa tese, não recorreu contra o acórdão a quo.8. Frise-se que a alegação foi formulada sob o enfoque de afronta ao art. 17 do CPC/2015, que trata da legitimidade para se postular em juízo, e, como não poderia ser diferente, foi analisada sob essa perspectiva. É inviável a pretensão dos agravantes de que se reconheça, ao abrigo desta tese recursal, "que o ente sindical não é legitimado para responder pelas empresas em situações como a presente", uma vez que essa matéria é absolutamente estranha ao tema contido no preceito legal dito por violado.9. Pelo mesmo fundamento, não prospera a suscitada ofensa aos arts. 114 e 115 do CPC/2015 por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário com o SINTETRO (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Rodoviários no Estado do Piauí). Uma vez que a irresignação se funda no suposto paralelismo entre o sindicato dos trabalhadores e o das empresas do respectivo setor econômico, tem-se que, não havendo utilidade em reconhecer a suposta ilegitimidade ad causam deste, também não subsiste quanto a eventual litisconsórcio com aquele.10. Melhor sorte não assiste aos agravantes quanto ao hipotético litisconsórcio passivo necessário com o Município de Teresina/PI. O decisum liminar proferido pelo STF na ADPF 1.013 destinava-se não apenas ao ente municipal, titular do serviço público, como também às concessionárias do ramo de transporte público urbano de passageiros, as quais também se inserem no conceito de poder público, conforme explicitou o Pretório Excelso ao referendar a medida cautelar. Não fosse o suficiente, não há notícia nos autos de nenhuma conduta por parte do ente federativo direcionada a impedir ou dificultar o aumento do quantitativo de ônibus no dia do pleito.PRELIMINAR. NULIDADE DA CITAÇÃO E DA NOTIFICAÇÃO. REJEIÇÃO.11. Conforme o disposto no art. 212, caput e § 1º, do CPC/2015, os atos processuais, em regra, devem ser efetuados até as 20 horas, mas, nos casos em que o seu adiamento puder causar grave dano, admite-se que sejam concluídos após esse horário.12. No caso em exame, o ato de citação foi repetido porque o primeiro deu-se após o horário limite. Com isso, substituiu-se o anterior, supostamente inválido, e, quanto a esse segundo procedimento citatório não se aduz nenhum vício. Dessa forma, forçoso reconhecer que inexiste nulidade.13. A notificação para cumprir a tutela de urgência, embora realizada de modo simultâneo à citação, foi válida, nos termos do art. 212, § 1º, do CPC/2015, porque o seu adiamento causaria grave dano, já que faltava pouco tempo para o início da votação.14. É válido registrar que, não obstante tenham sido executadas por meio de um só mandado, a notificação e a citação consistem em atos processuais distintos e autônomos entre si. Desse modo, não há falar que "metade [do ato processual] foi ¿inválido¿ e a outra foi ¿válida¿" (fl. 21), como tentam fazer crer os agravantes.15. No que se refere aos destinatários da notificação, a jurisprudência desta Corte é de que os atos de comunicação processual dirigidos a pessoas jurídicas são válidos quando praticados no endereço constante dos cadastros da empresa em órgãos públicos e, no ato da entrega do mandado, não se recusa o seu recebimento. Precedentes.16. No caso, extrai-se do aresto a quo que "as notificações para cumprimento da tutela de urgência que ordenou a prestação do serviço de transporte coletivo urbano sem redução no dia da eleição foram encaminhadas aos endereços das concessionárias reclamadas, por meio de oficial de justiça, sendo recebidas por funcionários ali presentes, não sendo possível postergar o ato em razão da urgência da medida determinada". Dessa forma, não há falar de nulidade da comunicação processual.PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO.17. Na espécie, a concessão do prazo de cinco dias para contestar não configurou nulidade, ante a ausência de demonstração de prejuízo, nos termos do art. 219 do Código Eleitoral. No apelo, não se demonstra que o lapso temporal impossibilitou ou, de algum modo, causou dano à defesa dos ora agravados. Por outro lado, consignou-se no aresto de origem que "as contestações foram ofertadas tempestivamente e enfrentaram todas as questões apresentadas na inicial da ação reclamatória".PRELIMINAR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. REJEIÇÃO.18. Não houve afronta ao princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da CF/88). A ordem do TRE/PI estava alinhada à tutela de urgência concedida na ADPF 1013, em que se determinara ao poder público que disponibilizasse o serviço com vista a concretizar o direito fundamental ao sufrágio (art. 14 da CF/88). O Plenário do STF, ao referendar a monocrática, apenas tornou expresso algo já disposto na liminar, assentando que o dever legal também se aplica às empresas de ônibus. Dessa forma, não há falar que a obrigação das concessionárias surgiu no mundo jurídico somente quando esta Corte Superior editou a Res.-TSE 23.715/2022, de 25/10/2022, que incluiu o art. 20-A da Res.-TSE 23.615/2022 para regulamentar o que decidira o STF, mesmo porque se trata de ato normativo secundário, que, por sua natureza, não se destina a inovar o ordenamento.MÉRITO. DECISÃO JUDICIAL. EXIGIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DE FAZER OU NÃO FAZER.MULTA COMINATÓRIA (ASTREINTES). PRAZO EXÍGUO. NÃO CONFIGURAÇÃO.DESCUMPRIMENTO.19. Conforme dispõem os arts. 536 e 537 do CPC/2015, nas decisões em que se reconheça exigibilidade de obrigação de fazer ou não fazer, o julgador poderá impor multa cominatória (astreintes) como forma de incentivar a parte a satisfazê-la, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.20. Na espécie, sustenta-se que o lapso temporal concedido pelo TRE/PI era demasiadamente exíguo para viabilizar que centenas de ônibus com motoristas e cobradores estivessem a postos no domingo das eleições, tendo em vista que a ordem judicial foi proferida em 1º/10/2022, dia anterior às eleições.21. Contudo, extrai-se da moldura fática a quo que o Município de Teresina/PI, por meio da sua Superintendência de Transportes e Trânsito (STRANS), semanas antes do pleito, efetuou tratativas com as empresas e com o respectivo sindicato e determinou a circulação de 75% da frota no dia em que se realizaria o primeiro turno do pleito. Após, em 29/9/2022, data em que prolatada a liminar do STF na ADPF 1013, a STRANS reajustou o percentual para 100% do quantitativo de ônibus.22. A Corte de origem também fez constar que "a prática [era] observada em pleitos anteriores, como no caso do primeiro turno ocorrido em 7.10.2018, ocasião em que 70% da frota de ônibus funcionou para garantir o deslocamento dos eleitores aos seus locais de votação, sendo que, à época, normalmente apenas 20% da frota funcionava durante finais de semana convencionais".23. O Tribunal a quo ponderou que a manutenção do serviço sem redução específica no dia das eleições não consistia em medida surpresa, tendo em vista que, mediante previsão constitucional, realizam-se eleições no Brasil a cada dois anos, no primeiro e no último domingo de outubro, não se tratando, assim, de eventos excepcionais, extraordinários e imprevisíveis.24. Apesar das tratativas entre as empresas e o Município, da previsibilidade da realização do pleito e das ordens judiciais emanadas pelo Pretório Excelso e pelo Tribunal Regional Eleitoral, os agravantes disponibilizaram somente 22,7% do total de ônibus no dia do primeiro turno das eleições de 2022 em Teresina/PI.25. É no mínimo contraditório alegar que a desobediência do comando judicial se deveu ao prazo exíguo, já que as empresas não colocaram em circulação nem sequer o percentual de 30% dos veículos que usualmente prestam os serviços em fins de semana convencionais. À toda evidência, as circunstâncias evidenciam que o desatendimento da ordem não decorreu do lapso temporal concedido, mas sim da deliberada falta de planejamento das empresas em adotar o que ordinariamente se praticava em dias de votação eleitoral.26. Frise-se que as informações constantes deste tópico – inclusive a de que o órgão público, semanas antes do pleito, se reuniu com as empresas e o sindicato para tratar dos ajustes logísticos necessários ao aumento da frota – não podem ser revistas por esta Corte Superior, pois demandaria incursão no acervo fático-probatório, providência vedada em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.27. Caracterizado o descumprimento do preceito judicial, impôs-se o adimplemento da multa cominatória.CONCLUSÃO.28. Agravo interno a que se nega provimento


Jurisprudência TSE 060155272 de 01 de dezembro de 2023