Jurisprudência TSE 060153044 de 15 de marco de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
05/03/2024
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial para: (a) julgar procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral por fraude à cota de gênero; (b) declarar a nulidade dos votos recebidos por todos os candidatos ao cargo de vereador do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) de Muriaé/MG nas Eleições 2020; (c) desconstituir o diploma dos candidatos que concorreram por aquele partido e cassar o mandato dos candidatos eleitos para o referido cargo naquele pleito; (d) cassar o DRAP da legenda, determinando¿se o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário; e (e) declarar a inelegibilidade de Grazielle da Silva Freitas Mattos e de Maria Aparecida Soares Viana para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2020; determinando, ainda, aplicação de multa no valor de 1 (um) salário mínimo a Ademar Camerino, por litigância de má¿fé, e que seja oficiada à OAB/MG para adoção das medidas cabíveis, nos termos do voto do Relator.Acompanharam o Relator, a Ministra Isabel Gallotti e os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. AIJE. FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE MANTEVE A SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DESCRITAS NO ACÓRDÃO QUE, DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO DO TSE, CONFIGURAM FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL A FIM DE JULGAR PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA AIJE, COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.I – Da possibilidade de ser declarada, de ofício, pelo julgador a ilegitimidade do partido para figurar no polo passivo da AIJE1.1. É pacífico o entendimento desta Corte de impossibilidade de pessoas jurídicas figurarem no polo passivo da AIJE, tendo em vista que não podem suportar as sanções impostas pela LC nº 64/1990, quais sejam, cassação de mandato e inelegibilidade. Precedentes.1,2. De ofício, deve ser reconhecida a ilegitimidade do partido para figurar no polo passivo da AIJE, devendo ele ser excluído da lide.II – Pedido de desistência do recurso formulado pelo recorrido, vereador eleito, e pedido de aplicação de multa por litigância de má–fé formulado pelo recorrente2.1. No caso, o recorrido, vereador eleito pelo MDB de Muriaé/MG – cujo DRAP é objeto da presente AIJE – apresentou petição, em 20.9.2023, na qual veicula "pedido de desistência do Recurso Eleitoral apresentado pelo Requerente" e "requer a extinção do presente recurso"(id. 159550291). Na oportunidade, juntou declaração supostamente assinada pelo recorrente, com a data de 14.4.2021, em que ele requer a desistência do recurso eleitoral, com base no art. 998 do CPC (id. 159550293).2.2. Instado a se manifestar acerca do pedido mencionado, o recorrente pontuou que, nos termos do art. 18 do CPC, a ninguém é dado postular em nome próprio direito alheio e que a declaração colacionada pelo recorrido é um documento inidôneo e apócrifo, endereçado ao TRE/CE, e nele não consta assinatura do advogado, cujo respectivo campo está em branco. Também ponderou que, na data do aludido documento, isto é, 14.4.2021, nem sequer tinha sido proferida sentença nestes autos, tendo sido apresentadas alegações finais pelo investigante, ora recorrente, em 6.7.2021, nada se cogitando sobre desistência, Ao fim, pleiteou fosse reconhecida a litigância de má–fé do recorrido.2.3. Verifica–se a nítida intenção do recorrido de tumultuar o processo e retardar o julgamento do presente recurso especial e, por conseguinte, uma possível decisão contra si desfavorável, a qual acarretaria, em caso de provimento do recurso especial, o seu afastamento do cargo de vereador, a evidenciar a violação aos deveres da boa–fé, da lealdade processual, bem como evidenciam a clara intenção protelatória da parte, devendo, consequentemente, ser reconhecida a litigância de má–fé, aplicando–se a multa no valor de um salário mínimo, nos termos dos arts. 80, V, e 81, caput e § 2º, do CPC, determinando–se seja oficiado à OAB/MG para adoção das medidas que entender cabíveis em relação ao advogado subscritor da petição registrada no id. 159550291.III – Pedido de desistência da ação formulado pelo autor da AIJE3.1. Posteriormente ao suposto pedido de desistência do recurso, acima tratado, veio aos autos, em 27.10.2023, petição do advogado do autor apresentando "pedido de desistência" da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, assinado pelo próprio autor–recorrente, com firma reconhecida (id. 159673784).3.2. O pedido de desistência da ação, portanto, somente foi realizado nesta instância superior, quando pendente de julgamento este apelo nobre.3.3. É inviável o conhecimento do aludido pedido de desistência da ação, visto que o marco processual para ser apresentada tal desistência da ação seria até a prolação da sentença, conforme dispõe o art. 485, § 5º, do CPC. Pedido indeferido.IV – Recurso especial4.1. Em relação à alegada violação aos arts. 489, § 1º, IV e VI, do CPC e 275 do CE, o recorrente limitou–se a afirmar não ter a Corte regional suprido as alegadas omissões e contradições, sem desenvolver argumentação acerca desse ponto, o que atrai a incidência do Enunciado nº 27 da Súmula do TSE.4.2. O recorrente sustenta também haver violação ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, sob o argumento de apenas se pretender novo enquadramento jurídico da base fática constante dos acórdãos recorridos, destacando: (a) a votação ínfima das candidatas; (b) a ausência de campanha eleitoral por parte delas; (c) a declaração de gastos irrisórios nas prestações de contas (rateio apenas do valor referente à confecção de santinhos, os quais foram encontrados na casa das candidatas, e que não foram distribuídos); (d) o recebimento de benesse para o lançamento de candidaturas femininas, inclusive oferta de valor em dinheiro; (e) o pedido de voto para outro candidato a vereador; (f) o grau de parentesco com dirigentes partidários e organizadores da chapa das eleições proporcionais em Muriaé/MG, circunstâncias que, na linha do parecer ofertado pela PRE, se amoldam ao balizamento traçado pela jurisprudência mais recente do TSE acerca da caracterização da fraude na cota de gênero.4.3. O TRE/MG manteve a sentença de improcedência da AIJE, com base nos seguintes fundamentos: (a) a baixa votação seria apenas um indício de candidaturas fictícias, (b) as candidatas receberam material impresso e que, embora o recebimento de tal material tivesse sido o único gasto de suas campanhas, o mesmo cenário ocorrera nas candidaturas masculinas, (c) não se exige prova de engajamento político, sendo irrelevante a data de filiação das candidatas, se observado o prazo legal, (d) dos depoimentos colhidos não se pode concluir que as candidatas apontadas como fictícias receberam dinheiro para permitir que seu nome fosse utilizado para preencher a cota de gênero e (e) não ficou comprovado que uma das candidatas apontadas como fictícia fez campanha em sua rede social Facebook a favor de candidato concorrente a vereador, mas apenas ao candidato majoritário.4.4. Para o TSE, "[...] a fraude à cota de gênero deve ser aferida caso a caso, a partir das circunstâncias fáticas de cada hipótese, notadamente levando–se em conta aspectos como falta de votos ou votação ínfima, inexistência de atos efetivos de campanha, prestações de contas zeradas ou notoriamente padronizadas entre as candidatas, dentre outras, de modo a transparecer o objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97" (REspEl nº 0601036–83/SE, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 6.10.2022, DJe de 24.10.2022).4.5. A Corte local anotou que, apesar de uma das candidatas ser irmã de outro candidato ao cargo de vereador pelo MDB, o qual recebeu 52 votos, ela obteve 20 votos, o que foi superior a outras candidatas do partido, as quais não foram apontadas como fictícias, afastando a fraude na aludida candidatura. Em relação à outra candidata apontada como fictícia, considerou que houve a desistência tácita de sua candidatura, em razão de o seu filho ter sido acometido por grave problema de saúde, que ficou comprovada nos autos por meio de prova testemunhal.4.6. No entanto, embora se possa afastar a fraude em relação às duas candidatas acima, relativamente a outras duas candidaturas também apontadas como fictícias persiste o problema. Extraem–se do acórdão regional a presença dos elementos que o TSE entende serem configuradores da fraude na cota de gênero, em especial, a votação pífia, pois foram obtidos 4 e 2 votos, a prestação de contas idêntica à de outras candidatas, com uma única despesa declarada, a filiação no prazo limite e o grau de parentesco com candidatos do mesmo partido disputando o mesmo cargo. Além disso, a prova testemunhal confirma ter havido pagamento em dinheiro para as referidas candidatas manterem as respectivas candidaturas, permitindo que mais dois candidatos homens concorressem naquele pleito.4.7. Na linha do parecer da PGE, do cotejo entre os fatos descritos nas premissas fáticas do acórdão recorrido e a compreensão encampada pelo TSE a respeito do tema, ressai que a soma das circunstâncias fáticas do caso concreto demonstra, de forma inequívoca, que duas candidatas foram registradas com o único intuito de cumprir a determinação quanto à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.4.8. Provimento do recurso especial para: (a) julgar procedente o pedido da AIJE e (b) declarar a nulidade dos votos recebidos por todos os candidatos ao cargo de vereador do MDB de Muriaé/MG nas Eleições 2020; (c) desconstituir o diploma dos candidatos que concorreram por esta grei e cassar o mandato dos candidatos eleitos para o referido cargo naquele pleito; (d) cassar o DRAP da legenda, determinando–se o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário; e (e) declarar a inelegibilidade das duas candidatas fictícias para as eleições a se realizarem nos 8 anos subsequentes ao pleito de 2020, nos termos do inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/1990. Aplicação de multa ao recorrido no valor de um salário mínimo, nos termos do art. 80, V, e 81, caput e § 2º, do CPC, e determinação de que seja oficiado à OAB/MG para, caso entenda pertinente, adotar as medidas cabíveis em relação ao advogado subscritor da petição registrada no id. 159550291.