Jurisprudência TSE 060140996 de 04 de dezembro de 2020
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Edson Fachin
Data de Julgamento
22/09/2020
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares e não conheceu dos agravos internos, nos termos do voto do Relator. No mérito, por unanimidade, deu provimento parcial ao recurso de Juliana Rodrigues de Oliveira, para anular a decisão proferida da AIME e extingui-la, sem resolução do mérito; e negou provimento aos recursos ordinários interpostos por Manuel Marcos Carvalho de Mesquita, Thaisson de Souza Maciel, Diego Rodrigues de Oliveira e Wagner de Oliveira da Silva, nos termos do voto do Relator. Por maioria, o Tribunal, não conheceu do recurso interposto por André Roberto Rogério Vale dos Santos e Railson Correira da Costa, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator) e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto. Determinou, por fim, a execução imediata das sanções, independentemente da publicação do acórdão, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto. Falaram: pelo recorrente Manuel Marcos Carvalho de Mesquita, o Dr. Flávio Eduardo Wanderley Britto; pelos recorrentes Juliana Rodrigues de Oliveira e Diego Rodrigues de Oliveira, o Dr. Kaio Marcellus de Oliveira Pereira; pelo recorrente Thaisson de Souza Maciel, o Dr. Anderson da Silva Ribeiro; pelo recorrente André Roberto Rogério Vale dos Santos, o Dr. Lucas Vieira Carvalho; pelo recorrente Railson Correia da Costa, o Dr. Marcus Firmino Santiago da Silva e a Dra. Soraia da Rosa Mendes; e pelo recorrido Sebastião Bocalom Rodrigues, o Dr. Luiz Fernando Casagrande Pereira (apenas em relação aos ROs 0601409-96 e 0601423-80).Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.
Ementa
ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. AGRAVOS INTERNOS. DEPUTADO FEDERAL E DEPUTADO ESTADUAL. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. JULGAMENTO CONJUNTO.PRELIMINARES. VIOLAÇÃO DO ART. 96–B DA LEI Nº 9.504/97. LITISPENDÊNCIA. AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ILICITUDE NA FORMA DE OBTENÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. APROVEITAMENTO DE PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO. NULIDADE DE DEPOIMENTO TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEVIDA AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA DEMANDA. INTERRUPÇÃO INDEVIDA DO PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS. PRELIMINARES AFASTADAS, À EXCEÇÃO DO RECONHECIMENTO DE LITISPENDÊNCIA.MÉRITO. DESVIO DE RECURSOS PROVENIENTES DO FUNDO PARTIDÁRIO E DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS. USO DE CONTABILIDADE PARALELA. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. EXISTÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO.ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CASSAÇÃO DE MANDATO EM AÇÃO AUTÔNOMA PELA PRÁTICA DE ILÍCITO. ANULAÇÃO TOTAL DA VOTAÇÃO. POSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO PARCIAL, PELO PARTIDO. PRESERVAÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA. APLICAÇÃO DO MARCO JURÍDICO REGENTE DO PLEITO EM QUESTÃO.DOS AGRAVOS INTERNOS1. Nos termos do art. 19 da Res.–TSE nº 23.478/2016, as decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra decisão definitiva do mérito. Precedentes.2. A natureza jurídica não terminativa da decisão que reconhece a legitimidade recursal de terceiros prejudicados enseja a sua irrecorribilidade instantânea, razão pela qual os agravos internos não comportam conhecimento.DAS PRELIMINARES1. A presença cumulativa de identidade fática e diversidade de sujeitos ativos não esgota, terminantemente, a possibilidade de reunião de processos eleitorais, haja vista que a norma especial de atração (art. 96–B da Lei n. 9.605/97) coexiste com o marco geral da conexão, previsto no art. 55, § 1º, do CPC. Na jurisdição eleitoral, sempre que exista conexão, a reunião dos processos é medida que se impõe.2. A litispendência entre feitos eleitorais pode ser reconhecida quando há identidade entre a relação jurídica–base das demandas, o que deve ser apurado a partir do contexto fático–jurídico do caso concreto. Precedentes.3. Verifica–se, entre a AIJE nº 0601409–96.2018 e a AIME nº 0601423–80.2018, uma absoluta congruência quanto aos elementos distintivos da ação, em ordem a indicar situação de litispendência total. As petições iniciais constituem, praticamente, cópias exatas revelando a sobreposição de demandas idênticas.4. Em se tratando de AIJE, a falta de individualização da conduta de um certo agente na narrativa exordial torna dispensável a sua inclusão no polo passivo da causa. Precedentes.5. A visão da denúncia anônima como causa exclusiva da instauração do inquérito policial não encontra respaldo na realidade dos autos. Ademais, em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a deflagração de persecução penal a partir de denúncia apócrifa assevera–se possível, desde que seguida de diligências tendentes à averiguação da consistência dos fatos noticiados previamente. Precedentes.6. Os dados bancários protegidos por sigilo não embalaram nem alicerçaram as investigações policiais, tampouco compuseram o acervo probatório efetivamente aproveitado pela Corte regional para a construção do aresto condenatório.7. No campo das questões probatórias, o exame da ilicitude por derivação é, por essência, um exame relacional, dependente do desenvolvimento de uma análise de correlação entre um certo conjunto de provas e uma prova paradigma, que deve ser reconhecida como matriz das primeiras. Existe, portanto, a necessidade de apontamento de elementos múltiplos que, como exige o art. 157, § 1º, do CPP, estabeleçam entre si um liame causal.8. Não se identifica, nos autos, nenhum elemento comprobatório direto ou exclusivamente produzido em função da prisão da deputada implicada. As informações descobertas possuem, todas, fontes hígidas e autônomas, pelo que se afasta a alegação de derivação.9. No contexto das ações que seguem o procedimento do art. 22 da LC 64/90, a autoridade judicial encontra–se autorizada a ouvir terceiros não arrolados que possam auxiliar na decisão da ação. Nos termos da lei, tal faculdade independe de prévia autorização das partes, bastando, para que se assegure o contraditório e a ampla defesa, a possibilidade de contradita, na forma do art. 457, § 1º, do Código de Processo Civil.10. Na esteira do art. 370, parágrafo único do CPC, é dado ao juiz, como destinatário das provas, indeferir a produção de provas que se revelem inúteis ou desimportantes, sem que isso importe no cerceamento do direito de defesa. Precedentes.11. Os extratos bancários apresentados à Polícia Federal não ocasionaram a abertura do inquérito policial e, tampouco, fundamentaram a condenação. Como consequência, o desvendamento das circunstâncias em que foram obtidos não cobra relevância especial no contexto do processo vertente.12. A inexistência de previsão de abertura de prazo para manifestação no rito do art. 22, I, da LC 64/90 atua como uma espécie de silêncio eloquente que desaconselha – em princípio – desnecessários enfreamentos na marcha processual, com espeque em assegurar a máxima efetividade da atividade jurisdicional.13. No caso, a desnecessidade de desvio do procedimento é evidenciada pela existência de uma etapa participativa, posterior à juntada de documentos pelo Ministério Público. A possibilidade de apontamentos na fase de alegações finais assegura a observância de um contraditório que, por força de lei, tem reconhecida natureza diferida.14. Da leitura do arrazoado ministerial, nota–se que a indicação de atuação dos candidatos em parceria com o grupo do governo não é perspectivada como ilícito autônomo, servindo apenas como argumento de reforço. Inexistência de traços indicativos de alteração do pedido ou da causa de pedir.15. O efeito interruptivo a que alude o art. 275, § 5º do Código Eleitoral deve alcançar o prazo para alegações finais, a fim de que essas possam contemplar todos os aspectos relevantes para a formação da convicção judicial, inclusive aqueles porventura constantes da decisão que examina os embargos de declaração. Sob uma ótica garantidora do contraditório e da ampla defesa, a última manifestação prévia à solução do mérito deve ser efetivada sem que existam questões de forma ou de fundo pendentes.DO MÉRITO.1. Depreende–se dos autos a existência de graves violações a regras da contabilidade eleitoral, em especial quanto à aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas pelos candidatos investigados.2. Esses candidatos realizaram campanhas totalmente – ou quase totalmente – financiadas com recursos de origem pública.3. Se o privilégio assinalado não implica, per se, afronta direta a dispositivos expressos do arcabouço normativo, por outro lado devem ser consideradas as suas respectivas implicações de fundo. O mau uso de verbas do erário acentua o grau de reprovabilidade das condutas, notadamente porque, no caso, o propósito equalizador da política de prestação positiva resulta subvertido.4. Na espécie, a gravidade das circunstâncias é intensificada, também, pela constatação de que as campanhas dos concorrentes envolvidos canalizaram quase todo o dinheiro aplicado pelo diretório partidário estadual, ainda que a agremiação tivesse apresentado outros quinze candidatos.5. Conquanto a lógica de concentração das aplicações financeiras possa ser vista como legítima, à luz da autonomia partidária, a prerrogativa de tomada de decisão pro domo incrementa o grau de reprovabilidade atribuído aos eventos. Isso porque, um dos implicados, na qualidade de candidato e presidente do partido, apresenta–se, simultaneamente, como decisor e beneficiário das destinações comentadas, ao tempo em que sua parceira de campanha recebe valores extraordinários por associação, em um evidente exercício de mutualismo prejudicial aos demais concorrentes.6. Tendo em consideração que o objetivo do financiamento público das campanhas eleitorais é desativar a capacidade de influência do poder financeiro, compensando as diferenças fáticas entre os distintos postulantes, segue–se que a negação da expectativa de repartição substancial e o aproveitamento da condição de liderança para a absorção desproporcional de subsídios, embora não afrontem regra expressa, intensificam a reprovabilidade de práticas que se demonstrem desviantes. A recusa de processos eleitorais desequilibrados envolve, sob a perspectiva da igualdade de oportunidades, especial atenção quanto a agentes que possam se beneficiar de vantagens financeiras proporcionadas pelo governo ou, ainda, pela cúpula dos partidos políticos.7. Para mais, pesa sobre os comportamentos glosados o intento de amplificação da vantagem naturalmente auferida com o recebimento exclusivo de verbas públicas para finalidades espúrias. A busca de preeminência ilícita por competidores já muito privilegiados ofende com especial contundência o espírito do direito, na medida em que afeta, com terminante eficácia, a paridade de armas entre os concorrentes. O desequilíbrio do certame, nessas hipóteses, é alvo de um ataque com efeito duplicado.8. Conforme os autos, os candidatos aplicaram quase todas as receitas de campanha na contratação de uma única empresa (ML Serviços).9. Para além do destinatário único, os recursos tinham, igualmente, um objeto singular, a saber o fornecimento de materiais publicitários impressos. Foi repassado à empresa mencionada um total de R$ 1.222.799,77 (um milhão, duzentos e vinte e dois mil, setecentos e noventa e nove reais e setenta e sete centavos), valor correspondente a 84,23% do que os investigados arrecadaram juntos.10. Conquanto a aguda inclinação pelo investimento em propaganda volante seja, também em si, consentânea com o direito posto, seu patente anacronismo e, em adição, sua baixa eficácia relativa frente às formas publicitárias modernas lançam sérias suspeitas quanto à veracidade das declarações contábeis apresentadas à Justiça Eleitoral.11. Também assim, causa espécie que os candidatos negligenciem, de tal forma, outros mecanismos assaz relevantes para a conquista da opinião pública, como o aluguel de sede de comitês e de veículos, gastos com combustíveis, contratação massiva de cabos eleitorais, produção de publicidade audiovisual etc.12. A super inversão em material gráfico, conquanto lícita, em princípio, indica, quando considerada a realidade das campanhas eleitorais, a baixa confiabilidade das contas apresentadas, quanto mais porque esses indícios se somam a outros presentes nos autos, que denotam a ostensiva inidoneidade da empresa selecionada como fornecedora.13. As provas demonstram que a ML Serviços: i) não atuava no mercado gráfico, tendo sido constituída para operar, primordialmente, na seara da construção civil; ii) possuía um proprietário de fachada, sendo, na verdade, gerida por um aliado histórico dos candidatos cassados; iii) no ano do pleito, praticamente não teve outros clientes além dos candidatos do PRB/AC; iv) não prestou, diretamente, os serviços contratados; v) emitiu notas fiscais frias, que posteriormente compuseram a prestação de contas dos investigados; vi) repassou mais de R$ 1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil reais) para a conta pessoal de seu dirigente de fato ou de pessoas a ele muito próximas, no decurso da eleição.14. A jurisprudência desta Corte legitima o uso de provas indiciárias para fins de condenação em ações eleitorais, recusando apenas a imposição de sanções baseadas em meras ilações, isto é, em presunções que não guardem mínima conexão os elementos estampados nos autos. Precedentes.15. Especificamente no campo da captação ou gasto ilícito de recursos (art. 30–A da Lei nº 9.504/97), há forte convicção jurisprudencial na linha de que a articulação de indícios resulta fundamental para o deslinde dos casos concretos, nomeadamente em razão do fato de que as práticas em tela tendem ao soterramento de provas diretas. Precedentes.16. A despeito da aludida margem autorizativa, a condenação não se ancora, exclusivamente, em provas indicativas. A desobediência do marco contábil e o abuso de poder econômico ressaem, adicionalmente, de um corpo probatório direto, que elimina dúvidas quanto à presença de: i) uso de contabilidade paralela (caixa dois); ii) falsificação de dados constantes da prestação de contas; e iii) desvio de verbas oriundas de recursos públicos.17. Outrossim, depoimentos testemunhais confirmados em Juízo, coerentes e ricos em detalhes, deixam indene de dúvidas a compra de votos.18. O caso dos autos tangencia a temática da responsabilidade por ato de terceiros, uma vez que os eventos apurados não ocorreram à revelia dos candidatos cassados. Depreendem–se do acervo probatório elementos indicativos de sua participação, pelo que tampouco há que se falar em responsabilização objetiva.19. A trilha do dinheiro situa os candidatos cassados no arco do domínio dos fatos. Havendo indícios de que o esquema de compra de fotos foi propiciado por grande saque de dinheiro em espécie realizado pelo administrador da ML Serviços às vésperas do pleito, toma–se por assentada a participação mediata dos concorrentes que abasteceram a conta bancária de sua empresa, por intermédio da transferência de receitas de campanha a título de serviços que não foram efetivamente entregues.20. Na espécie, ressai apurado um conjunto de práticas violadoras de diversas normas eleitorais, em especial aquelas previstas nos arts. 30–A e 41–A da Lei 9.504/97, e 22, caput, da LC nº 64/90. De igual modo, as circunstâncias particulares, consideradas em conjunto, são suficientemente graves, em ordem a autorizar a incidência das sanções legais a todos os sujeitos implicados.DO DESTINO DOS VOTOS DIRECIONADOS A CANDIDATOS CASSADOS EM ELEIÇÕES PROPORCIONAIS EM MOMENTO POSTERIOR À VOTAÇÃO1. A despeito da identificação de uma tendência pela aplicação do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, existem nesta Corte precedentes solucionados sob o pálio do art. 222 do mesmo diploma.2. Em adição, a aprovação do art. 198, inciso II, b e §5º da Resolução nº 23.611/2019 pode ser interpretada como sinal indicativo de uma possível mudança de percepção quanto ao destino dos votos amealhados por vereadores ou deputados cassados por parte da composição atual deste Tribunal.3. Dentro desse panorama, interessa que o tema dos efeitos da anulação de votos em pleitos proporcionais seja problematizado, com o fim de traçar uma linha de entendimento clara e segura, na esteira do que preconiza o art. 926 do Código de Processo Civil.4. A matéria diz com o tratamento jurídico dos votos obtidos por candidatos cassados postumamente em pleitos proporcionais, os quais podem, a depender da perspectiva adotada, ser completamente anulados (culminando com o refazimento dos cálculos dos quocientes eleitoral e partidário) ou, alternativamente, ser aproveitados pelo partido ou coligação pelo qual concorreram, hipótese em que os cargos vacantes seriam ocupados pelos primeiros suplentes das respectivas listas.5. As regras plasmadas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral são especiais em relação ao cânone do art. 175, § 4º, tendo em vista que disciplinam, especificamente, situações de extinção anômala ocasionadas pela incidência de faltas eleitorais de primeira grandeza. Os dois primeiros artigos, nessa toada, cobram aplicação peculiar e, portanto, prevalente no âmbito do direito eleitoral sancionador, ao tempo em que a norma residual (art. 175) prepondera em seu campo específico, relacionado com a análise da habilitação jurídica dos indivíduos que almejam cargos de representação eletiva.6. Também assim, o apartamento dos espectros de incidência é denunciado a partir de um exame topológico, o qual revela que, na quadra do Código, o art. 175 situa–se em apartado geral, direcionado à "Apuração das urnas" (Capítulo II), enquanto os arts. 222 e 237 encontram morada em um segmento particularmente voltado à regulação dos efeitos das "Nulidades da Votação" (Capítulo IV).7. Em conjugação com os critérios mencionados, vem a lanço a relevância da interpretação sistemática no processo de decodificação do sentido das normas eleitorais. Por esse critério, cabe ao intérprete recordar que o ordenamento eleitoral é mais do que um mero agregado de normas, consubstanciando, pelo contrário, uma estrutura coerente, dentro da qual as regras componentes devem, sempre que possível, ser compreendidas como elementos que convivem em harmônica conexão.8. Assim sendo, na solução de celeumas envolventes de regras eleitorais, cumpre privilegiar leituras que permitam interpretar duas ou mais normas supostamente em conflito de maneira tal que a incompatibilidade desapareça.9. Ao lado desses argumentos, cabe observar que o § 4º do art. 175 do Código Eleitoral autoriza o aproveitamento do apoio eleitoral pelo partido do candidato excluído com esteio na ideia de que o simples descumprimento de requisito essencial para o exercício do direito à candidatura não enseja dúvidas nem suspeitas sobre a retidão da vontade externada pelo eleitorado.10. Em contrapartida, a intervenção de práticas comprometedoras da liberdade de sufrágio ou da igualdade na disputa introduz, nessa equação, um sério elemento de incerteza que, na prática, impede que as autoridades judiciais possam presumir a existência de uma reta congruência entre a expressão matemática das urnas e a autêntica vontade do corpo político.11. A fraude, a coação, o abuso de poder e os demais comportamentos proscritos pelos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral constituem, em essência, circunstâncias que comprometem, em um nível micro, o elemento volitivo da escolha política e, em um nível macro, a validade jurídica do conjunto de manifestações apuradas em um certo sentido. Como decorrência, soa incongruente conceber a existência de votos que, inequivocamente viciados por uma determinada mirada, ressaiam imaculados e juridicamente válidos quando vistos por outro ângulo.12. Embora a saída autorizada pelo art. 175, § 4º favoreça a lógica do aproveitamento do voto, na medida em que a manifestação cívica resulta prestigiada, minimamente, pela validação da componente partidária da escolha, interferências ilícitas nos trilhos do certame afetam a sua normalidade e, consequentemente, impossibilitam a descoberta da autêntica opinião dos votantes.13. As decisões judiciais que reconhecem práticas comprometedoras da legitimidade eleitoral têm como efeito a quebra do paradigma da intangibilidade da vontade popular. A Constituição Federal assegura a prevalência da decisão majoritária apenas na quadra de mandatos obtidos sem abuso. Depreende–se da Carta constitucional que a legitimidade é um valor que se sobrepõe ao princípio da maioria. Precedentes.14. Nesse panorama, em casos como o que se apresenta, a anulação do apoio obtido se revela aconselhável, como reflexo do princípio da proibição do falseamento da vontade popular.15. Em vista do que antecede, em eleições regidas pelo sistema proporcional, a cassação de mandato ou diploma em ação autônoma decorrente de ilícitos deve ensejar a anulação da votação recebida, tanto para o candidato como para o respectivo partido, ficando afastada a aplicação da solução de utilidade parcial plasmada no art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral.16. Sem embargo, em respeito ao princípio da segurança jurídica o entendimento em questão é de ser aplicado tão-apenas a partir das eleições de 2020, uma vez que o diploma regente do pleito em tela restringe a possibilidade de anulação total dos votos à hipótese de cassação em ação autônoma cuja decisão tenha sido publicada antes das eleições (art. 219, IV da Res.-TSE nº 23.554/2017).DA SÍNTESE DO JULGAMENTO1. Agravos internos não conhecidos.2. Recursos ordinários interpostos por Manuel Marcos de Mesquita, Thaisson de Souza Maciel, Diego Rodrigues e Wagner Silva desprovidos.3. Recurso ordinário interposto por Juliana Rodrigues de Oliveira parcialmente provido, para o fim especial de anular a condenação referente aos autos da AIME nº 0601423–80.2018, em função do reconhecimento de litispendência.4. Recurso ordinário interposto por André dos Santos e Railson da Costa provido.5. Determinada a execução imediata do acórdão.