Jurisprudência TSE 060133615 de 21 de marco de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
15/12/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, referendou a medida liminar anteriormente concedida, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
REFERENDO. LIMINAR DEFERIDA. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO E VICE–PREFEITO REELEITOS. CONDENAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO ATRELADO A ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CASSAÇÃO DOS MANDATOS. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. EFEITO SUSPENSIVO. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO. PERICULUM IN MORA.SÍNTESE DO CASO1. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, por apertada maioria, deu parcial provimento ao recurso eleitoral para, reformando a sentença de improcedência da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo 0600001–46.2021.6.16.0351, reconhecer a ocorrência de abuso do poder político atrelado a abuso do poder econômico, com fulcro no § 10 do art. 14 da Constituição da República, e determinar a cassação dos mandatos do prefeito e do vice–prefeito do Município de Ibirité/MG, com a realização de novas eleições no referido município.2. A tutela cautelar foi proposta com fundamento no art. 300 do Código de Processo Civil, a fim de atribuir efeito suspensivo ao recurso especial eleitoral interposto nos autos 0600001–46.2021.6.13.0351, e, em aditamento, ao respectivo agravo em recurso especial, que já tramita no âmbito desta Corte Superior.EXAME DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA3. Evidencia–se o periculum in mora, pois houve ordem de afastamento dos mandatários, com a comunicação ao Juízo da 288ª Zona Eleitoral do Estado de Minas Gerais. Ademais, embora os autores já estejam afastados dos cargos, a demora na tramitação do recurso especial e do agravo em recurso especial não pode a eles ser imputada, de sorte que não há falar em periculum in mora reverso decorrente da pretensão.4. No que se refere ao fumus boni iuris, verifica–se – em exame inicial típico das medidas de urgência – que são relevantes as alegadas ofensas aos arts. 22 da Lei Complementar 64/90 e 73, § 10, da Lei 9.504/97, sem prejuízo de exame mais aprofundado por ocasião do julgamento do agravo em recurso especial.5. Em relação à primeira das duas condutas que deram lastro à procedência parcial da ação de impugnação de mandato eletivo – o envio de Projeto de Lei Complementar à Câmara de Vereadores, em 27.10.2020, e a sua retirada de pauta, pelo Executivo, em 23.11.2020, ou seja, logo após o pleito –, o Tribunal de origem assentou que não houve efetivo emprego de recursos públicos, circunstância fática que, em um primeiro exame – típico das medidas de urgência –, afasta a caracterização do abuso do poder econômico, ilícito marcado "pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa" (AIJE 0601779–05, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 11.3.2021). Assim, se é incontroverso que não houve emprego de recursos, não há falar em abuso do poder econômico.6. Quanto à segunda conduta que embasou a procedência parcial da ação de impugnação de mandato eletivo – a distribuição, no âmbito do Programa Habitar, de benefício social em forma de repasse de recursos financeiros a, pelo menos, 641 pessoas –, em um juízo prévio, afigura–se plausível a alegada ofensa ao art. 73, § 10, da Lei 9.504/97, pois a maioria na Corte de origem se lastreou na ausência de autorização legal, e não na persistência do estado de calamidade pública, muito embora seja certo que não cabe apreciar condutas vedadas em sede de ação de impugnação de mandato eletivo. Portanto, não podem ser avaliadas como circunstâncias decisivas para a caracterização do ilícito a inexistência de autorização legal específica para ação e a não comprovação da calamidade legal, visto que esses requisitos são inerentes à conduta vedada pelo referido dispositivo legal, a qual não pode ser apurada isoladamente em sede de ação de impugnação de mandato eletivo.7. De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral, os principais elementos que levaram à caracterização do ilícito em relação ao Programa Habitar foram: i) o valor da execução do programa, da ordem de R$ 585.284,40; ii) a concentração de recursos nos meses anteriores ao pleito; e iii) o benefício a 641 indivíduos ou núcleos familiares. A esse respeito, cumpre observar que:a) é incontroverso que as ações do programa de habitação decorreram de estado de emergência declarado pelo Governo do Estado de Minas Gerais, por meio do Decreto 33, de 25 de janeiro de 2020, cuja abrangência alcançou o Município de Ibirité/MG e que durou até junho de 2020, apenas um mês antes do início do efetivo repasse dos recursos. Tal circunstância indica, a princípio, que a ação assistencial não teve necessariamente como desiderato influir no pleito de 2020, cujo primeiro turno, nos termos da Emenda Constitucional 107/2020, ocorreu apenas em 15 de novembro daquele ano;b) embora a maioria na origem destaque o atraso na liberação de recursos, em descompasso com a data da situação emergencial, não se pode presumir, a partir desse único dado, que o programa assistencial estaria atrelado ao pleito, ou se a falha teria decorrido de alguma vicissitude administrativa. Desse modo, ainda que preliminarmente, afigura–se duvidoso o fundamento do aresto regional de que a liberação de recursos teve como propósito comprometer a legitimidade e a normalidade do pleito;c) o fundamento da sentença e da corrente minoritária no Tribunal de origem, no sentido de que a ampla diferença de votos deveria ser sopesada no exame da gravidade – considerando que o programa habitacional beneficiou apenas 641 famílias –, afigura–se relevante, pois os requerentes obtiveram 47.105 votos, número muito superior ao do segundo colocado, que obteve 35.142 votos, contexto em que não aparenta ser compatível com a reserva legal proporcional a cassação dos diplomas e a declaração de inelegibilidade em razão do suposto benefício eleitoral a 641 indivíduos ou famílias, muito menos quando não foi indicado elemento explícito da vinculação eleitoral do programa assistencial. Com efeito, a expressiva diferença de votos, da ordem de 11.963, serve para reforçar a possível desproporcionalidade de cassar diplomas e declarar a inelegibilidade ante o suposto ilícito eleitoral que teria beneficiado 641 famílias.8. A jurisprudência deste Tribunal Superior é iterativa no sentido de que, "com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda conduta vedada e nem todo abuso do poder político acarretam a automática cassação de registro ou de diploma, competindo à Justiça Eleitoral exercer um juízo de proporcionalidade entre a conduta praticada e a sanção a ser imposta" (REspe 336–45, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 16.4.2015). Ademais, vale registrar que, "embora o resultado das eleições – sob o enfoque da diferença de votos obtidos entre os colocados – traceje, com inegável preponderância técnica, critério de potencialidade (não mais aferível por força do art. 22, XVI, da LC nº 64/90), seu descarte na vala comum dos dados inservíveis revelaria equívoco por constituir lídimo reforço na constatação da gravidade das circunstâncias verificadas no caso concreto" (REspe 576–11, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 16.4.2019).9. Pedido de liminar deferido, a fim de suspender os efeitos dos acórdãos proferidos na AIME 0600001–46.2021.6.16.0351, determinando a recondução dos autores aos cargos de prefeito e vice–prefeito do Município de Ibirité/MG, até o julgamento do agravo em recurso especial pelo Tribunal Superior Eleitoral.CONCLUSÃODecisão liminar referendada.