Jurisprudência TSE 060123177 de 02 de fevereiro de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Benedito Gonçalves
Data de Julgamento
15/12/2022
Decisão
(Julgamento conjunto: PC's nº 0601912-47 e nº 0601231-77):O Tribunal, por unanimidade, aprovou com ressalvas as contas de Luiz Inácio Lula da Silva, relativas à campanha eleitoral de 2018 e determinou o recolhimento ao erário do valor de R$ 288.794,72 (referente a verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha aplicadas de modo irregular e falha na arrecadação), devidamente atualizado, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Raul Araújo, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (Presidente). Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL DE 2018. CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).1. Trata–se de prestação de contas referente aos recursos financeiros movimentados na campanha eleitoral de 2018 por Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad, candidatos aos cargos de presidente e vice–presidente da República pelo Partido dos Trabalhadores (PT).JULGAMENTO. BALIZAS FÁTICAS. CAMPANHA PRESIDENCIAL. DUAS CANDIDATURAS QUE SE SUCEDERAM. EXAME CONTÁBIL. REALIZAÇÃO CONJUNTA.2. A campanha da Coligação O Povo Feliz de Novo, para as eleições presidenciais de 2018, teve início com a chapa formada por Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad e prosseguiu até 1º/9/2018, quando esta Corte indeferiu o registro do titular, sendo então sucedida pela chapa composta por Fernando Haddad e Manuela d'Ávila em 11/9/2018, ultimando–se em 28/10/2018, data do segundo turno do pleito.3. Essa circunstância exige que o exame contábil das prestações de contas de ambas as chapas – a originária e a substituta – seja realizado de modo conjunto diante da existência de despesas iniciadas pela primeira e continuadas pela segunda, em uma natural sucessão de campanhas que, ao fim e ao cabo, representavam uma mesma coligação, para o mesmo cargo, em um mesmo pleito.BALIZA JURÍDICA. ART. 63 DA RES.–TSE 23.553/2017. NOTA FISCAL E/OU CONTRATO DESCRITIVO. PROVA MATERIAL. EXIGÊNCIA EXCEPCIONAL.4. O art. 63, caput, da Res.–TSE 23.553/2017 – aplicável às contas de campanha de 2018 – estabelece que a prova dos gastos "deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço". Já o § 1º prevê que, além da nota fiscal, a Justiça Eleitoral "pode admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos", a exemplo do contrato, do comprovante de entrega do material ou do serviço prestado, do demonstrativo bancário de pagamento e da Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social.MÉRITO. IRREGULARIDADES E IMPROPRIEDADES.5. Irregularidades nas receitas afastadas: (a) recursos recebidos por meio de financiamento coletivo de campanha de pessoas estrangeiras, que possuem número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), residem no Brasil e realizaram as transferências entre instituições bancárias nacionais (R$ 3.200,00; item 3.1 do voto); (b) despesa a título de taxa de administração à entidade de financiamento coletivo comprovada por vasta documentação juntada aos autos. Eventual pagamento a menor ou prejuízo da empresa deve ser buscado nas vias ordinárias, não tendo liame direto com a Justiça Eleitoral. Ademais, esta Corte já concluiu que suposta omissão quanto à juntada de notas fiscais de serviços não implica concluir de modo automático e por si só que houve doações estimáveis de pessoas jurídicas (R$ 13.250,77; item 3.5 do voto).6. Irregularidades nas receitas mantidas: (a) recebimento, via financiamento coletivo de campanha, de doações de permissionários de serviço público. Falha que, por si só, não acarreta a rejeição das contas, pois não se comprovou que o candidato tinha prévia ciência das restrições dos doadores. Contudo, deve haver recolhimento ao erário do valor, conforme se decidiu na PC 0601227–40, Rel. designando Min. Alexandre de Moraes, DJE de 11/10/2022 (R$ 3.980,00; item 3.1 do voto); (b) recursos recebidos por meio de financiamento coletivo de campanha, cujos doadores informaram incorretamente seus dados pessoais. Ainda que não haja prova do prévio conhecimento do candidato acerca do equívoco das informações, esse erro não permitiu identificar os verdadeiros doadores, impondo–se o recolhimento do valor aos cofres públicos (R$ 2.460,00; item 3.2 do voto); (c) doações, via financiamento coletivo, efetuadas por meio de boletos bancários, em valores superiores ao que permitido pelo art. 22, §§ 1º e 2º, da Res.–TSE 23.553/2017 (R$ 9.870,00; item 3.3 do voto); (d) depósito em dinheiro na conta de campanha do candidato em tese realizado por fornecedor a título de estorno, sem se comprovar interrupção contratual que justificasse a devolução do montante originalmente pago (R$ 15.000,00; item 3.4 do voto).7. Irregularidades nas despesas afastadas: (a) omissão de registro de doação estimável a outro prestador de contas que não impossibilitou o exame da despesa, pois o beneficiário a declarou em seu ajuste contábil e emitiu o respectivo recibo, havendo, ainda, nos presentes autos, nota fiscal detalhada do gasto (R$ 16.000,00; item 5.1 do voto); (b) despesa com fretamento de aeronave acompanha de contratos contendo informações sobre data, horário e trajeto dos voos, inferindo–se, em complemento, de diversas notícias jornalísticas, exata correspondência de atos de campanha nos diversos destinos (R$ 161.300,00; item 5.6 do voto); (c) pagamento de taxa de administração da plataforma de financiamento coletivo, cuja cobrança possui esteio em cláusula contratual (R$ 54.246,62; item 5.9 do voto); (d) gastos contendo objetos contratuais descritivos, em que parte do valor original da contratação, firmada por Lula, foi paga por sua campanha e exatamente a quantia faltante foi adimplida por Fernando Haddad, a denotar que os fornecedores prestaram serviços às duas candidaturas que se entrelaçaram no primeiro turno das Eleições 2018 (R$ 5.276.000,00; item 5.10.4.1 do voto); (e) contratações que foram firmadas pela campanha do candidato Lula, a respeito das quais a chapa originária pagou a(s) primeira(s) parcela(s) da quantia inicialmente pactuada e a chapa sucessora de Fernando Haddad realizou novo contrato com o mesmo fornecedor abarcando o montante remanescente e um valor adicional a fim de satisfazer as inevitáveis demandas extraordinárias que surgiram com a substituição da candidatura (R$ 7.480.139,50; item 5.10.4.2 do voto); (f) despesas contratadas e pagas integralmente pela campanha de Lula, que puderam ser usufruídas pelo substituto Fernando Haddad, por envolverem aluguel de equipamentos, locação de veículo, elaboração de propostas de campanha; monitoramento de clipping, entre outros (R$ 473.146,00; item 5.10.4.3 do voto); (g) avenças individuais firmadas tanto pelo candidato originário (Lula) quanto pelo sucessor (Haddad) contendo objetos distintos. Gastos que se justificam, tendo em vista mera contratação adicional de equipamentos eletrônicos e de serviço de motorista com o objetivo de suprir demanda surgida no curso da campanha (R$ 53.000,00; item 5.10.4.4.1 do voto); (h) contratos individuais ajustados tanto por Lula quanto por Haddad com objetos idênticos. Trata–se de serviços envolvendo produção de material gráfico, estratégia de mídia e planejamento de comunicação que são personalíssimos e, uma vez realizados pelo primeiro candidato, não puderam ser aproveitados pelo segundo por serem intransferíveis (R$ 72.660,00; item 5.10.4.4.2 do voto); (i) despesas que possuem contratos descritivos, sendo possível atestar o vínculo com a campanha à luz do disposto no art. 63 da Res.–TSE 23.553/2017 (R$ 1.097.660,00; item 5.11 do voto).8. Irregularidades nas despesas mantidas: (a) omissão de notas fiscais detectadas por meio de circularização, descabendo impor recolhimento ao erário por não ser possível concluir, de modo automático, que houve doações estimáveis de pessoas jurídicas (R$ 210.525,00; item 5.2 do voto); (b) pagamento de nota fiscal cancelada sem qualquer justificativa (R$ 8.000,00; item 5.3 do voto); (c) débito na conta de campanha desacompanhado de documento fiscal e/ou contrato, inexistindo, ainda, no extrato encaminhado pela instituição bancária, a identificação do beneficiário (R$ 2.500,00; item 5.4 do voto); (d) operação realizada por meio de débito autorizado, na qual não consta o nome da contraparte (R$ 4.500,00; item 5.5 do voto); (e) ausência de documentação comprobatória do vínculo com a campanha de beneficiários de passagens aéreas e hospedagens (R$ 57.859,92; item 5.7 do voto); (f) gastos com transportes de mercadorias, a respeito dos quais há nos autos apenas comprovantes de transferências eletrônicas, inexistindo contrato e/ou nota fiscal que evidenciem a contratação dos serviços (R$ 157.379,20; item 5.8 do voto); (g) despesa cujo contrato descreve apenas "serviços de telecomunicação", o que, por si só, não permite atestar o vínculo com a campanha (R$ 16.118,60; item 5.10.3 do voto); (h) contrato com objeto genérico alusivo à "prestação de serviço de telefonia", que não atende aos requisitos do art. 63 da Res.–TSE 23.553/2017 (R$ 5.000,00; item 5.10.3 do voto); (i) pagamento a maior em cotejo com a previsão contratual (R$ 6.127,00; item 5.10.4.5 do voto).9. Impropriedades: (a) a ausência de instrumento contratual prévio relativo ao financiamento coletivo de campanha não impediu o exame, por esta Justiça Especializada, das doações de pessoas físicas (item 2.1 do voto); (b) ausência de informações de gastos eleitorais na prestação de contas parcial (item 4.1 do voto); (c) transações realizadas por débito automático, cuja identificação foi efetuada pelo setor técnico de modo manual (item 4.2 do voto).CONCLUSÃO. FALHAS QUE PERFAZEM 2,52% DO TOTAL DE RECURSOS MOVIMENTADOS. REDUZIDO VALOR NOMINAL. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À TRANSPARÊNCIA E À LISURA DAS CONTAS. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.10. No caso, as irregularidades nas receitas e despesas perfazem R$ 499.319,72 (equivalente a 2,52% do total de recursos movimentados na campanha), dos quais R$ 288.794,72 devem ser ressarcidos ao erário.11. Consoante a jurisprudência desta Corte, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em processo de contas condiciona–se a três requisitos: (a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; (b) percentual irrelevante de valores irregulares no que concerne ao total da campanha; (c) ausência de má–fé da parte.12. Na espécie, considerando que as falhas constatadas não comprometeram a transparência e a lisura da movimentação financeira do candidato, somando apenas 2,52% do total de recursos movimentados na campanha e com reduzido valor nominal, é possível a aprovação das contas com ressalvas à luz dos referidos postulados.13. Registre–se, por simetria, que, na PC 0600225–98/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 31/8/2022, esta Corte aprovou com ressalvas contas das Eleições 2018 envolvendo percentual e montante similares (5,99%; R$ 289.352,53). Na mesma linha: PC 0601233–47/DF, Rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 23/5/2022 (3,40%; R$ 211.643,20) e PC 0601227–40/DF, Rel. designando Min. Alexandre de Moraes, DJE de 11/10/2022 (1,44%; R$ 348.887,83).14. Contas relativas à campanha eleitoral de 2018 aprovadas com ressalvas (art. 77, II, da Res.–TSE 23.553/2017), determinando–se o recolhimento ao erário de R$ 288.794,72, devidamente atualizado.