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Jurisprudência TSE 060121232 de 07 de novembro de 2022

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Benedito Gonçalves

Data de Julgamento

29/09/2022

Decisão

O Tribunal, por maioria, referendou a decisão que deferiu o requerimento liminar, para conceder a tutela inibitória antecipada e impor determinações, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Raul Araújo, Carlos Horbach e Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro. Votaram com o Relator os Ministros: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (Presidente). Declarou suspeição o Ministro Sérgio Banhos.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Carlos Horbach e Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro.

Ementa

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. REFERENDO DE DECISÃO LIMINAR. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. ABUSO DE PODER POLÍTICO. LIVE SEMANAL. ATUAL PRESIDENTE DA REPÚBLICA. FINALIDADE DE DIVULGAÇÃO DE ATOS DE GOVERNO. UTILIZAÇÃO DE BENS E RECURSOS PÚBLICOS. DESVIRTUAMENTO. PROMOÇÃO DE CANDIDATURAS. INTENSIFICAÇÃO NOS DIAS FINAIS DA CAMPANHA. QUEBRA DE ISONOMIA. PLAUSIBILIDADE. URGÊNCIA. REQUERIMENTO LIMINAR DEFERIDO. DECISÃO REFERENDADA.1. Trata–se de ação de investigação judicial eleitoral – AIJE – destinada a apurar a ocorrência de abuso de poder político, ilícito supostamente perpetrado em decorrência do desvio de finalidade, em proveito de candidaturas, de lives tradicionalmente realizadas por Jair Bolsonaro nas dependências dos Palácios da Alvorada e do Planalto, bens públicos destinados ao uso do Presidente da República.2. A AIJE não se presta apenas à punição de condutas abusivas, quando já consumado o dano ao processo eleitoral. Assume também função preventiva, sendo cabível a concessão de tutela inibitória para prevenir ou mitigar danos à legitimidade do pleito.3. Nesse sentido, prevê o art. 22, I, b, da LC 64/90 que, ao receber a petição inicial, cabe ao Corregedor determinar "que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julgada procedente".4. O exercício dessa competência deve se pautar pela mínima intervenção, atuando de forma pontual para conter a propagação e amplificação de efeitos potencialmente danosos. A fim de que essa finalidade preventiva possa ser atingida, a análise da gravidade, para a concessão da tutela inibitória, orienta–se pela preservação do equilíbrio da disputa ainda em curso.5. Esse exame não se confunde com aquele realizado no julgamento de mérito e não antecipa a conclusão final, que deverá avaliar in concreto os efeitos das condutas praticadas, a fim de estabelecer se são graves o suficiente para conduzir à cassação de registro ou diploma e à inelegibilidade.6. No caso, alega–se que é notório que o Presidente da República realiza, desde o início de seu mandato, lives semanais, gravadas nas dependências do Palácio do Planalto ou da Alvorada, destinadas a divulgar atos de seu governo. Contudo, conforme link de transmissão indicado pelo autor, em 21/09/2022, o primeiro investigado anunciou que buscaria realizar lives diárias, dedicando "pelo menos metade do tempo para as Eleições pelo Brasil".7. De pronto, cabe refutar a alegação de violação à privacidade e à inviolabilidade de domicílio, formulada pelos investigados em manifestação prévia. O caso não versa sobre atos da vida privada do Presidente da República ou da intimidade de seu convívio familiar no Palácio da Alvorada, mas sobre a destinação do bem público para a prática de ato de propaganda explícita, com pedido de votos para si e terceiros, veiculados por canais oficiais do candidato registrados no TSE, alcançando mais de 300.000 (trezentas mil) visualizações.8. O feito provoca necessária reflexão sobre a aplicação das normas eleitorais no ambiente digital. Na atualidade, a internet ganhou enorme relevância como meio de divulgar projetos eleitorais. Nesse cenário, mostra–se legítima a utilização de lives para atrair eleitores e potencializar o alcance da propaganda, estratégia que leva para o mundo virtual os tradicionais comícios, com ganhos de audiência e redução de custos de deslocamento.9. Não está em questão, assim, a licitude de lives de cunho eleitoral. O que se discute é tão somente o uso de bens e serviços públicos, em especial a residência oficial do Chefe do Executivo, para realizar esses atos de propaganda.10. Sob esse enfoque, cabe lembrar que o art. 73, I, da Lei 9.504/97 veda que "bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União" sejam usados "em benefício de candidato". Foram previstas duas exceções destinadas compatibilizar a rotina dos Chefes do Executivo com sua agenda de candidatos à reeleição (art. 73, §2º, Lei 9.504/97).11. A primeira delas diz respeito ao transporte oficial pelo Presidente da República. Nesse caso, a lei permite que o candidato à reeleição e sua comitiva desloquem–se utilizando veículos e aeronaves públicos disponibilizados ao Chefe do Executivo. Porém, há exigência de ressarcimento das despesas, o que fica a cargo do partido político ou coligação que lançou a candidatura.12. A segunda exceção versa sobre a residência oficial dos governantes, cuja utilização foi autorizada, tomando–se o cuidado sempre relevante de evitar que candidatos à reeleição projetem sua imagem para o eleitorado valendo–se de bens a que outros candidatos não têm acesso.13. Desse modo, o mandatário que ocupa tais imóveis deve cumprir três exigências: a) somente poderá realizar contatos, encontros e reuniões, ou seja, praticar atos em que se dirige a interlocutores diretos; b) as tratativas devem ser pertinentes à sua própria campanha; e c) por fim, veda–se por completo que tais contatos, encontros e reuniões assumam "caráter de ato público".14. Conforme se observa, não foi concedida autorização irrestrita que convertesse bens públicos de uso privativo dos Chefes do Executivo, custeados pelo Erário, em bens disponibilizados, sem reservas, à conveniência da campanha à reeleição. No caso do transporte, o partido político arca com os custos. Quanto à residência oficial, os atos de campanha que a lei autoriza são eminentemente voltados para arranjos internos, permitindo–se ao Presidente receber interlocutores, reservadamente, com o objetivo de traçar estratégias e alianças políticas.15. Em síntese, a lei não permitiu a realização de atos públicos, em que o candidato se apresenta ao eleitorado com o objetivo de divulgar propaganda.16. Por exemplo, jamais seria admissível que o governante, seja Presidente, Governador ou Prefeito, abrisse as portas de uma residência oficial para realizar comício dirigido a 30 ou 300 eleitores. Transportada a ideia para o mundo digitalizado, tampouco podem esses candidatos à reeleição usar o imóvel custeado pelo Erário para realizar live eleitoral que alcança mais de 300.000 (trezentos mil) eleitores e eleitoras.17. No caso dos autos, o vídeo, com duração de quase meia hora, foi veiculado em perfis oficiais da campanha, registrados no TSE. Ao explicar o motivo de realizar a transmissão excepcionalmente em uma quarta–feira, Jair Bolsonaro diz que, aproximando–se a "reta final" da disputa, e havendo "muita coisa em jogo", tentará realizar lives todos os dias, dedicando "pelo menos metade" do tempo para promover candidaturas de Deputados Federais e Senadores, com o objetivo de repetir o sucesso de 2018 e formar uma grande bancada.18. Na primeira parte da transmissão, o primeiro investigado repisa temas de sua pauta de campanha, como o caráter decisivo do pleito vindouro para o rumo do país; a importância de impedir a retomada do poder pela esquerda; e sua receptividade por onde passa, a confirmar que a reeleição é certa. Exalta atos de sua gestão e comenta a viagem internacional a Londres e Nova York.19. A partir de 14min17s, tem início o que o próprio candidato denomina "horário eleitoral gratuito". Nesse momento, passa a pedir votos para aliados que disputam governos estaduais e vagas no Senado e na Câmara dos Deputados, em todo o país. O critério sempre referido é a "afinidade" com o Presidente. Abre–se espaço para candidato a governador de Goiás para falar na live e em seguida Jair Bolsonaro anuncia que tem em vista um grande ato de campanha para 1º/10/2022.20. Não há dúvidas do teor eleitoral das mensagens que foram divulgadas em redes sociais da campanha. É o próprio candidato que anuncia, no início da transmissão, que está repetindo estratégia que utilizou durante as Eleições 2018.21. Quanto ao local em que foi feita a gravação, há indícios, a partir das imagens captadas, que foram realizadas nas conhecidas dependências da biblioteca do Palácio da Alvorada. Em sua manifestação, os investigados não refutaram os indícios, apenas afirmaram o caráter privado da transmissão, com amparo em julgado de 2014.22. À luz da atual compreensão do TSE – e de toda a sociedade – quanto aos impactos de atos praticados na internet, não mais se sustenta a percepção das redes sociais como ambiente privado. Em julgado paradigmático das Eleições 2018, foram elas expressamente enquadradas como "veículos ou meios de comunicação social", para os quais migraram maciçamente as campanhas a fim de se beneficiar da ampla repercussão de conteúdos no ambiente público digital.23. Também se constata que a intérprete de libras é a mesma que participou de diversas outras lives realizadas ao longo do mandato do atual Presidente. Os investigados alegam que a atuação se deu fora do horário de trabalho da servidora, ponto cuja controvérsia não é suficiente para acarretar a revogação da liminar, já que não afastada a informação sobre o local de gravação da live.24. Os elementos presentes nos autos são suficientes para concluir, em análise perfunctória, que o acesso a bens e serviços públicos, assegurado a Jair Messias Bolsonaro por força do cargo de Chefe de Governo, foi utilizado em proveito de sua campanha e de candidatos por ele apoiados. O alcance do vídeo na internet ultrapassa 316.000 (trezentas e dezesseis mil) visualizações.25. O emprego de bens e serviços públicos inacessíveis a qualquer dos demais competidores na campanha do candidato à reeleição, conduta cujos substanciais indícios foram trazidos aos autos e é tendente a ferir a isonomia do pleito.26. A toda evidência, a hipótese que o §2º do art. 73 da Lei 9.504/97 considera lícita é diversa do que se constata nos autos. A live do dia 21/09/2022 consistiu em ato ostensivo de propaganda, veiculado pela internet em diversos canais do candidato, com nítido propósito de fazer chegar ao eleitorado o pedido de voto para si e terceiros.27. A conduta amolda–se à regra geral do art. 73, I, da Lei 9.504/97 e deve ser coibida em favor do equilíbrio entre os competidores.28. Assentada a plausibilidade do direito, em razão da verossimilhança da alegação de que a live de cunho eleitoral foi feita no Palácio da Alvorada e contou com a participação de intérprete de libras que acompanha o Presidente no exercício do mandato, conclui–se também pela urgência da concessão de medida que faça cessar os impactos anti–isonômicos do desvio de finalidade em favor das candidaturas dos investigados.29. Tutela inibitória antecipada deferida, para determinar a remoção de vídeo da live de 21/09/2022 dos canais de propaganda dos investigados e impor que o Presidente, candidato à reeleição, se abstenha de realizar lives similares em dependências de bens públicos e utilizando–se de serviços a que tem acesso em função de seu cargo, sob pena de multa.30. Decisão liminar referendada.


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