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Jurisprudência TSE 060119972 de 27 de marco de 2023

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Raul Araujo Filho

Data de Julgamento

16/03/2023

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, julgou desaprovadas as contas do Diretório Nacional do Partido da República (PR), atualmente denominado Partido Liberal (PL), relativa ao pleito de 2018, impondo as seguintes determinações: a) ressarcimento do valor de R$ 13.609.200,00 ao erário, atualizado e com recursos próprios; b) suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário pelo período de 2 meses, a ser cumprida, de forma parcelada, pelo período de 4 meses; c) transferência do valor de R$ 4.908.397,12, devidamente atualizado, para a conta específica da ação afirmativa, a fim de que seja utilizado em candidaturas femininas nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente). Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Ementa

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PL – DIRETÓRIO NACIONAL. ELEIÇÕES 2018. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 13.609.200,00, VALOR EQUIVALENTE A 6,85% DOS RECURSOS ARRECADADOS NA CAMPANHA ELEITORAL. DESCUMPRIMENTO DA NORMA REFERENTE AO FINANCIAMENTO DAS CANDIDATURAS FEMININAS. DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DO FEFC A CANDIDATOS DE OUTRO PARTIDO OU COLIGAÇÃO. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. DESPESAS IDENTIFICADAS NOS EXTRATOS BANCÁRIOS NÃO LANÇADAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. FALHAS GRAVES. COMPROMETIMENTO DA TRANSPARÊNCIA, DA FISCALIZAÇÃO E DO CONTROLE SOCIAL. DESAPROVAÇÃO.1. Prestação de contas do Diretório Nacional do PR, atual PL, relativa à arrecadação e à aplicação de recursos nas eleições de 2018, regida pela Res.–TSE nº 23.553/2017.1.1. O órgão técnico do TSE e o MPE opinaram pela desaprovação das contas.1.2. Conforme o art. 63, caput e § 1º, da Res.–TSE 23.553/2017, "a comprovação dos gastos eleitorais deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço", sendo que "a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos".2. Descumprimento do prazo para entrega do relatório financeiro.2.1. "Em relação ao pleito de 2018, esta Corte Superior, com intuito de privilegiar a confiança e a segurança jurídica em face da pretérita orientação jurisprudencial, já decidiu, conforme reiterados julgados, que ¿o atraso no envio dos relatórios financeiros (e das parciais) ou sua entrega com inconsistências não necessariamente conduzirá à desaprovação das contas, porquanto terão que ser aferidos, caso a caso, a extensão da falha e o comprometimento no controle exercido pela Justiça Eleitoral, especificamente no exame final das contas.' (AgR–AI 0600055–29, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 12.12.2019)" (ED–REspe nº 0608330–75/SP, rel. Min. Sérgio Banhos, julgados em 27.4.2020, DJe de 5.5.2020).2.2. No caso, a apresentação intempestiva dos dados financeiros não acarretou prejuízo à fiscalização da movimentação financeira da campanha, de modo que, na linha da jurisprudência do TSE, a falha enseja apenas a anotação de ressalvas.3. Omissão de receitas na prestação de contas parcial.3.1. Conforme a jurisprudência firmada no âmbito desta Corte para as eleições ocorridas antes de 2020, a omissão de informações na prestação de contas parcial, desde que realizado o saneamento do vício na prestação de contas final, constitui mera impropriedade, circunstância verificada na hipótese, haja vista que o vício foi sanado. Precedentes.4. Descumprimento da norma referente ao financiamento das candidaturas de gênero.4.1. No caso, em resposta à afirmação do órgão técnico de que, em relação aos recursos do Fundo Partidário (R$ 96.994.657,07), a agremiação não atingiu o percentual mínimo de 30% que deveriam ser aplicados no fomento às candidaturas de gênero, o partido se limitou a afirmar que "[...] não contrariou a decisão proferida na ADI–STF nº 5.617 e também o disposto nos §§ 4º e 5º do art. 21 da Resolução TSE nº 23.553/2017" (ID 154821438), tendo anexado tabela – unilateralmente produzida e desprovida de assinatura – em que elenca transações que comprovariam o cumprimento da cota de gênero.4.2. Conforme entende o TSE, "[...] documentos produzidos unilateralmente pelo próprio partido são imprestáveis para o fim de se comprovar gastos com recursos públicos" (ED–PC nº 0601236–02/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgados em 2.6.2022, DJe de 17.6.2022). Nada obstante, o órgão técnico desta Corte Superior constatou "[...] três doações financeiras a candidatos do sexo masculino, no total de R$330 mil, as quais foram desconsideradas por não se relacionarem com o achado sobre o descumprimento do repasse mínimo de recursos para cota de gênero", bem como identificou doações a candidatas de partidos não coligados ao partido prestador de contas, no total de R$ 5.842.500,00 (ID 157495966, fls. 15–16).4.3. No julgamento do AgR–REspEl nº 0600782–78/GO, rel. Min. Alexandre de Moraes, ocorrido em 4.10.2022, o Plenário do TSE ratificou a compreensão segundo a qual "a doação realizada por partido político com recursos públicos para candidato filiado a outra agremiação com ele não coligada constitui irregularidade grave e caracteriza o recebimento de recursos provenientes de fonte vedada".4.4. No caso, endossa–se a conclusão do órgão técnico de que "[...] o montante de R$330 mil relativo a transferências de recursos aos candidatos do sexo masculino não pode ser considerado para o cumprimento da cota de gênero", bem como que "[...] as doações a candidatas sem vínculo com o prestador de contas, no montante de R$5.842.500,00, não podem ser computadas no cumprimento da cota de transferência de recursos do Fundo Partidário relativa ao gênero" (ID 157495966 fls. 15–18).4.5. Já consignou o TSE que "a EC nº 117/2022 não excluiu a possibilidade desta Justiça Eleitoral, no exercício de sua competência fiscalizatória, de aferir a regularidade do uso das verbas públicas relacionadas ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres e ao financiamento das candidaturas de gênero" (PC nº 0601765–55/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 7.4.2022, DJe de 6.5.2022), bem como que "os dispositivos da EC nº 117/2022 são de aplicabilidade imediata, cabendo ao Juízo Eleitoral considerá–los, de ofício ou a requerimento da parte, haja vista se tratar de fato superveniente com influência no julgamento do mérito" (ED–ED–PC nº 0600411–58/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgados em 17.6.2022, DJe de 28.6.2022). Ademais, sabe–se que "a incidência do dispositivo anistiador "[...], embora impeça a imposição de penalidades decorrentes do descumprimento da destinação mínima de recursos públicos para a cota de gênero, não afasta a configuração dessa grave irregularidade, a ser considerada em conjunto com as demais falhas apuradas" (ED–PC nº 0601213–56/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgados em 12.8.2022, DJe de 29.8.2022).4.6. A agremiação destinou à promoção de candidaturas de gênero apenas 24,93% dos recursos advindos do Fundo Partidário – tendo deixado de aplicar na referida ação afirmativa o valor de R$ 4.908.397,12 –, em contrariedade ao art. 21, §§ 4º e 5º, da Res.–TSE nº 23.553/2017.5. Distribuição de recursos do Fundo Partidário e do FEFC a candidatos de outro partido ou não coligado.5.1. É possível, em parecer complementar, a retificação, pelo órgão técnico, do valor resultante do somatório de irregularidades previamente consignadas nos exames das contas, não havendo falar em nova irregularidade.5.1.2. No caso, além das irregularidades terem sido objeto de apontamentos no primeiro exame das contas e no parecer conclusivo, foi oportunizado ao requerente prazo para se manifestar sobre as retificações quantitativas levadas a efeito pela Asepa em seu parecer complementar. Nesse contexto, constata–se o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, a denotar a plena observância ao regramento aplicável ao julgamento das contas por esta Justiça Eleitoral.5.2. A Asepa identificou que o PR (atual PL) transferiu recursos do Fundo Partidário (R$ 11.498.200,00) e do FEFC (R$ 2.111.000,00) a candidatos de legendas diversas ou não pertencentes a coligações nas quais o PR participava.5.2.1. A agremiação se limitou a argumentar que "não há vedação normativa ao recebimento de doação oriundo de partido político diverso do que o candidato está filiado" e que "a autonomia partidária prevista no art. 17 da CF" afasta a configuração dessa irregularidade (ID 154821538). Além disso, aduziu que "foi induzida a erro" por informações equivocadamente apresentadas pelos candidatos e dirigentes partidários (ID 154821538).5.2.2. "Em relação à matéria, esta CORTE SUPERIOR veda a doação de partido a candidato filiado a agremiação não coligada, pois os valores provenientes do Fundo Partidário se destinam ao incentivo de campanha própria (REspe 0601193–81/AP, Rel. Min. SÉRGIO SILVEIRA BANHOS, DJe 12.12.2019)" (PC nº 446–38/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 12.8.2021, DJe de 19.8.2021). Essa compreensão foi recentemente ratificada pelo Plenário do TSE no julgamento do AgR–REspEl nº 0600782–78/GO, rel. Min. Alexandre de Moraes, ocorrido em 4.10.2022.5.2.3. O STF, no julgamento da ADI nº 7.214/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgada em 3.10.2022, DJe de 5.10.2022 – no qual foram questionados dispositivos da Res.–TSE nº 23.607/2019 que regulamentaram a vedação ao repasse de recursos do Fundo Partidário e do FEFC por partidos políticos, candidatas ou candidatos não pertencentes à mesma coligação e/ou não coligados – assentou inexistir "nenhum malferimento à autonomia partidária [...], sobretudo porque [...] a autonomia partidária foi conferida pelos constituintes aos partidos políticos, não em benefício deles próprios, mas com a intenção de fortalecer o regime democrático e o princípio republicano", sendo certo que as regras que explicitaram a debatida proibição "[...] encontram arrimo na Constituição de 1988 e na legislação eleitoral pertinente, sobretudo tendo em conta a finalidade dos repasses de recursos do FEFC e do Fundo Partidário".5.3. Irregularidades mantidas, devendo o montante de R$ 13.609.200,00 ser devolvido ao Tesouro Nacional.6. Omissão de gastos eleitorais. Despesas identificadas nos extratos bancários, porém não declaradas na prestação de contas eleitorais.6.1. Verificou–se que, durante o período eleitoral de 2018, houve a prestação de serviços relativos à pesquisa de intenções de votos, diagnóstico de cenários político–eleitorais, levantamento de situações relacionadas à campanha eleitoral, e construção de plano de governo, a denotar o caráter eleitoral dos gastos. Tais despesas, contudo, não foram registradas nas presentes contas, tendo o partido argumentado que "[...] os referidos pagamentos foram devidamente apresentados na Prestação de Contas Anual do Partido e por não se tratarem de despesas eleitorais, as mesmas não foram lançadas no SPCE" (ID 154822438, fl. 1).6.2. Conforme entende esta Corte Superior, "[...] as despesas omissas não estão sujeitas ao ressarcimento" quando "reconhecidamente declaradas nas contas anuais do Partido, o que [...] enseja a falha pela notória utilização em campanha eleitoral, o que exigiria a sua apresentação na presente demanda, e não naquelas em que consideradas como gastos ordinários" (PC nº 446–38/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 12.8.2021, DJe de 19.8.2021). Nada obstante, devem as despesas omitidas serem consideradas para fins da repercussão no conjunto contábil, dada a sua natureza eleitoral, mormente porque, na linha da jurisprudência do TSE, "a omissão de receitas/despesas é irregularidade que compromete a confiabilidade das contas" (AgR–REspe nº 336–77/AL, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 5.3.2015, DJe de 8.4.2015). No mesmo sentido: AgR–REspEl nº 0602819–27/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19.8.2021, DJe de 15.9.2021; PCE nº 525–17/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgada em 15.10.2020, DJe de 3.11.2020; PC nº 1005–63/DF, rel. Min. Og Fernandes, julgada em 6.8.2019, DJe de 20.9.2019.7. Conclusão: contas desaprovadas.7.1. A soma das irregularidades constatadas – excluído o montante objeto da anistia da EC nº 117/2022 (R$ 4.908.397,12) – alcançou R$ 14.487.260,60. Considerando que o partido arrecadou, na campanha eleitoral de 2018, R$ 211.379.085,54, as irregularidades representam 6,85% desse montante.7.2. Conforme entende esta Corte Superior, "inexiste fórmula fixa predeterminada que estabeleça a utilização de critério meramente percentual no julgamento das contas, de modo que tanto a aprovação quanto a rejeição delas dependem, necessariamente, da análise dos elementos do caso concreto, providência que compete, exclusivamente, ao julgador, que verificará se o conjunto das irregularidades implicou, na hipótese, malferimento – ou não – à transparência, à lisura e ao indispensável zelo no uso dos recursos públicos" (PC nº 0601236–02/DF, relator designado Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 17.2.2022, DJe de 22.3.2022). Assim, é certo que "o elevado valor absoluto das irregularidades também constitui critério balizador do julgamento das contas" (PC nº 0601213–56/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 29.3.2022, DJe de 2.5.2022).7.3. No caso, além do alto valor absoluto das irregularidades (R$ 14.487.260,60) – que representam 6,85% do total arrecadado na campanha eleitoral de 2018 –, constatou–se o descumprimento do repasse do percentual mínimo de 30% dos recursos do Fundo Partidário para a cota de gênero, a omissão do registro de gastos eleitorais e a doação de recursos do Fundo Partidário e do FEFC a candidatos de partidos não coligados, falhas de natureza grave.7.4. Contas desaprovadas com as seguintes determinações: a) ressarcimento do valor de R$ 13.609.200,00 ao erário, atualizado e com recursos próprios (art. 82, §§ 1º e 2º, da Res.–TSE nº 23.553/2017); b) suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário pelo período de 2 meses, a ser cumprida, de forma parcelada, pelo período de 4 meses (art. 77, §§ 4º e 6º, da Res.–TSE nº 23.553/2017, c/c o art. 25, caput e parágrafo único, da Lei nº 9.504/1997); c) transferência do valor de R$ 4.908.397,12, devidamente atualizado, para a conta específica da ação afirmativa, a fim de que seja utilizado em candidaturas femininas nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão (EC nº 117/2022).


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