Jurisprudência TSE 060118588 de 13 de marco de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
27/02/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou aprovadas com ressalvas as contas do Diretório Nacional do Partido Trabalhista Cristão (PTC), atual AGIR, relativas às eleições de 2018, impondo¿lhe determinações, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PTC (ATUAL AGIR). INTEMPESTIVIDADE NA ENTREGA DA PRESTAÇÃO DE CONTAS FINAL DE SEGUNDO TURNO. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO PARA ENTREGA DO RELATÓRIO FINANCEIRO. OMISSÃO DE RECEITAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. IMPROPRIEDADES. DESCUMPRIMENTO DA NORMA REFERENTE AO FINANCIAMENTO DAS CANDIDATURAS DE GÊNERO. EC Nº 117/2022. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS (NOTAS FISCAIS ELETRÔNICAS DESCOBERTAS POR MEIO DE CONVÊNIO COM AS SECRETARIAS DE FAZENDA). INEXISTÊNCIA DE REGISTRO DE DOAÇÃO PARA CANDIDATURA FEMININA. IRREGULARIDADES QUE ALCANÇARAM O VALOR DE R$ 87.000,00, EQUIVALENTE A 1,24% DO MONTANTE ARRECADADO NA CAMPANHA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À FISCALIZAÇÃO. NÃO COMPROMETIMENTO DA CONFIABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.1. Prestação de contas do Diretório Nacional do PTC, atual AGIR, relativa à arrecadação e à aplicação de recursos nas eleições de 2018, regida pela Res.–TSE nº 23.553/2017.1.1. A Asepa opinou pela aprovação com ressalvas das contas, e o MPE sugeriu sua desaprovação.1.2. Conforme o art. 63, caput e § 1º, da Res.–TSE 23.553/2017, "a comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço", podendo a Justiça Eleitoral "[...] admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos [...]".2. Intempestividade na entrega da prestação de contas final de segundo turno.2.1. Na espécie, constatada a ausência das contas finais, o partido foi intimado, em 17.12.2018, para se manifestar acerca da omissão (ID 3128888), tendo apresentado as referidas contas em 8.1.2019.2.2. No julgamento da PC nº 0601214–41/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, julgada em 6.10.2022, DJe de 28.10.2022, relativa às contas eleitorais de partido político de 2018, esta Corte Superior, diante da inexistência de má–fé ou intuito de obstar a fiscalização dos recursos públicos, considerou tal falha como impropriedade, merecendo apenas a anotação de ressalvas. Tendo em vista a similaridade fática e jurídica com a presente hipótese, idêntica compreensão deve ser aqui adotada, em respeito aos princípios da segurança jurídica e da isonomia.3. Descumprimento do prazo para entrega do relatório financeiro.3.1. "Em relação ao pleito de 2018, esta Corte Superior, com intuito de privilegiar a confiança e a segurança jurídica em face da pretérita orientação jurisprudencial, já decidiu, conforme reiterados julgados, que ¿o atraso no envio dos relatórios financeiros (e das parciais) ou sua entrega com inconsistências não necessariamente conduzirá à desaprovação das contas, porquanto terão que ser aferidos, caso a caso, a extensão da falha e o comprometimento no controle exercido pela Justiça Eleitoral, especificamente no exame final das contas.' (AgR–AI 0600055–29, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 12.12.2019)" (ED–REspe nº 0608330–75/SP, rel. Min. Sérgio Banhos, julgados em 27.4.2020, DJe de 5.5.2020).3.2. No caso, a apresentação intempestiva dos dados financeiros não acarretou prejuízo à fiscalização da movimentação financeira da campanha, de modo que, na linha da jurisprudência do TSE, a falha enseja apenas a anotação de ressalvas.4. Omissão de receitas na prestação de contas parcial. Na linha da jurisprudência firmada no âmbito desta Corte para as eleições ocorridas antes de 2020, a omissão de informações na prestação de contas parcial, desde que realizado o saneamento do vício na prestação de contas final, constitui mera impropriedade, circunstância verificada na hipótese.5. Descumprimento da norma referente ao financiamento das candidaturas de gênero.5.1. No caso, a agremiação destinou 29,75% dos 30% que deveriam ser aplicados no fomento às candidaturas de gênero, sendo incontroverso que o montante não utilizado na referida ação afirmativa é de R$ 15.824,63.5.2. O partido se limita a destacar "[...] o teor do recém promulgado art. 3º da EC nº 117/2022, que expressamente impede a possibilidade de qualquer sanção quanto a este ponto", razão pela qual, "dada a anistia do Congresso Nacional, não é o caso de qualquer sanção" (ID 157572004, fls. 3–4).5.3. Conforme entende o TSE, "a incidência do dispositivo anistiador [...], embora impeça a imposição de penalidades decorrentes do descumprimento da destinação mínima de recursos públicos para a cota de gênero, não afasta a configuração dessa grave irregularidade, a ser considerada em conjunto com as demais falhas apuradas" (ED–PC nº 0601213–56/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgados em 12.8.2022, DJe de 29.8.2022).6. Omissão de gastos eleitorais. Cruzamento de informações com outras fontes. Fonte vedada.6.1. O órgão técnico identificou que não foram registradas notas fiscais eletrônicas no SPCE, oriundas de convênio entre as secretarias de fazenda estaduais e municipais e a Justiça Eleitoral, relativas a bens e serviços prestados ao partido, no valor de R$ 75.000,00, e que "a despesa no valor de R$60 mil foi identificada nos extratos da conta–corrente nº 403507–0, de Fundo Partidário, enquanto a despesa de R$15 mil não restou identificada nos extratos bancários do Partido" (ID 157834905, fl. 17).6.2. A mera circunstância de o candidato ter sido omisso quanto à juntada de notas fiscais de serviços de campanha não implica concluir, por si só, que houve doações por fonte vedada de pessoas jurídicas, sendo certo que "[...] a restituição somente está autorizada pela legislação quando efetivamente são identificados recursos de origem não identificada ou de fonte vedada, não quando a circularização indica despesas supostamente não declaradas [...]" (PC nº 0601227–40/DF, rel. designado Min. Alexandre de Moraes, julgada em 9.8.2022, DJe de 11.10.2022.6.3. Quanto à despesa de R$ 60.000,00, o partido não nega a prestação do serviço pela empresa que emitiu a nota fiscal, tendo a glosa realizada pelo órgão técnico sido fundamentada na omissão no registro das despesas nas presentes contas, cuja identificação decorreu de circularização realizada por meio de convênios com as secretarias de fazenda estaduais e municipais. Da análise da nota fiscal, verifica–se que, além de obedecer ao disposto no art. 63, caput, da Res.–TSE nº 23.553/2017, contém elementos hábeis a demonstrar o vínculo eleitoral do gasto custeado com recursos públicos. Nesse contexto, é de rigor manter–se a irregularidade, ante a violação ao art. 56, I, g, da Res.–TSE nº 23.553/2017, sem, contudo, determinar o recolhimento do valor ao erário, haja vista a impossibilidade de se presumir, de modo automático, que a omissão do registro da despesa ocorreu por se tratar de doação de pessoa jurídica, circunstância não demonstrada nos autos.6.4. Em relação à nota fiscal nº 2, no valor de R$ 15.000,00, o partido se limitou a dizer que "o pagamento não foi feito porque os serviços não foram realizados, cabendo ao prestador de serviço o cancelamento da NF–e" (ID 157572004, fl. 4). Conforme verificou a Asepa, "[...] a nota permanece ativa segundo consulta ao sistema de verificação de autenticidade de notas fiscais do Município de Salvador e não foi identificado seu cancelamento" (ID 157834905, fl. 21).6.4.1. O mero pedido de cancelamento de nota fiscal, por si só, não demonstra que o documento foi efetivamente cancelado, competindo tal providência unicamente ao prestador de contas. Ademais, a legislação tributária impõe o prazo de 24 horas para o pedido de cancelamento de nota fiscal. Precedentes.6.4.2. As circunstâncias constantes dos autos revelam a omissão de gastos, em violação ao art. 56, I, g, da Res.–TSE nº 23.553/2017, bem como atraem o entendimento desta Corte Superior no sentido de que, "[...] configurada a emissão de nota fiscal referente a serviços prestados ao candidato sem o correspondente pagamento, deve ser reconhecida a existência de doação de fonte vedada, nos termos do art. 33, I, da Res.–TSE 23.553" (PC nº 0601188–43/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, julgada em 9.12.2021, DJe de 3.2.2022).7. Ausência de registro de doação para candidatura feminina beneficiária do serviço custeado com recursos do FEFC.7.1. A unidade técnica apontou que, "[...] malgrado as despesas tenham sido formalmente comprovadas no seu aspecto transacional e fiscal, não existem elementos de materialidade suficientes para atestar a efetiva prestação dos serviços" e que "[...] a despesa analisada possui características eleitorais da campanha de 2018, mas que não foi registrada na prestação de contas em exame, constituindo omissão de gastos eleitorais, na contramão do que dispõe o art. 56, I, g, da Resolução–TSE nº 23.553/2017" (ID 157834905, fl. 24).7.2. A nota fiscal, além de obedecer ao disposto no art. 63, caput, da Res.–TSE nº 23.553/2017, contém elementos hábeis a demonstrar o vínculo eleitoral da despesa custeada com recursos públicos. No mais, o gasto consta do extrato bancário e do Relatório de Despesas Efetuadas, os quais integraram a prestação de contas final apresentada, o que evidencia o efetivo registro do gasto eleitoral nas presentes contas.7.3. Nos termos do art. 56, I, e, da Res.–TSE nº 23.553/2017, "doações efetuadas a outros partidos políticos e/ou a outros candidatos" devem ser informadas na prestação de contas apresentada pela agremiação.7.4. No caso, porém, a omissão no registro da doação estimável – por constituir falha formal de natureza contábil – não enseja o ressarcimento ao erário, tendo em vista que "[...] a medida de recomposição do erário apenas deve ser determinada quando não for possível comprovar, por documentos e informações complementares, a regularidade substancial das despesas eleitorais realizadas" (REspEl nº 0602985–69/RS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 27.5.2021, DJe de 16.8.2021).8. Conclusão: contas aprovadas com ressalvas.8.1. A soma das irregularidades – excluído o montante objeto da anistia da EC nº 117/2022 (R$ 15.824,63) – alcançou R$ 87.000,00, o que equivale a 1,24% dos recursos arrecadados na campanha (R$ 6.984.236,12).8.2. Embora consignadas falhas de natureza grave (omissão de registro de doação à candidatura feminina, insuficiência da aplicação mínima de recursos do FEFC na cota de gênero e recebimento de recursos de fonte vedada decorrente de nota fiscal emitida sem a identificação do respectivo pagamento), no presente caso, não se verificou prejuízo à fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral – cujo órgão técnico identificou tais falhas ainda por ocasião do primeiro exame das contas. Além disso, o diminuto percentual dos valores tidos por irregulares em relação ao total de recursos arrecadados é de apenas 1,24%, o que denota a ausência de comprometimento da confiabilidade das contas.8.3. Quando as irregularidades não ostentam potencial suficiente para ensejar a desaprovação das contas e inexistem elementos indicativos de má–fé, impõe–se a aprovação com ressalvas das contas. Precedentes.8.4. Determinações: (a) restituição ao Tesouro Nacional do valor de R$ 15.000,00, atualizado e com recursos próprios; e (b) aplicação do valor de R$ 15.824,63, atualizado, nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, nos termos da EC nº 117/2022.