Jurisprudência TSE 060118027 de 25 de outubro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Benedito Gonçalves
Data de Julgamento
27/09/2022
Decisão
O Tribunal, por maioria, referendou a decisão que deferiu o requerimento liminar, para conceder a tutela inibitória antecipada nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Carlos Horbach. Votaram com o Relator os Ministros: Raul Araújo, Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (Presidente). Declarou¿se suspeição o Ministro Sérgio Banhos.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Carlos Horbach e Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro.
Ementa
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. REFERENDO DE DECISÃO LIMINAR. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. DISCURSO PROFERIDO DA EMBAIXADA EM LONDRES. ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. REPRESENTAÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL. VIAGEM OFICIAL. CUSTEIO COM RECURSOS PÚBLICOS. PROLAÇÃO DE DISCURSO COM VIÉS ELEITORAL. RISCO DE USO NA PROPAGANDA ELEITORAL. QUEBRA DE ISONOMIA. PLAUSIBILIDADE. URGÊNCIA. REQUERIMENTO LIMINAR DEFERIDO. DECISÃO REFERENDADA.1. Trata–se de ação de investigação judicial eleitoral – AIJE – destinada a apurar a ocorrência de abuso de poder político e econômico, ilícitos supostamente perpetrados em decorrência do desvio de finalidade eleitoral da representação do Brasil, a cargo do Presidente Jair Messias Bolsonaro, nos eventos oficiais relacionados ao funeral da Rainha Elizabeth II (Londres, Inglaterra) e à 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas (Nova York, EUA).2. A AIJE não se presta apenas à punição de condutas abusivas, quando já consumado o dano ao processo eleitoral. Assume também função preventiva, sendo cabível a concessão de tutela inibitória para prevenir ou mitigar danos à legitimidade do pleito.3. Nesse sentido, prevê o art. 22, I, b, da LC 64/90 que, ao receber a petição inicial, cabe ao Corregedor determinar "que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julgada procedente".4. O exercício dessa competência deve se pautar pela mínima intervenção, atuando de forma pontual para conter a propagação e amplificação de efeitos potencialmente danosos. A fim de que essa finalidade preventiva possa ser atingida, a análise da gravidade, para a concessão da tutela inibitória, orienta–se pela preservação do equilíbrio da disputa ainda em curso. Esse exame não se confunde com aquele realizado no julgamento de mérito e não antecipa a conclusão final, que deverá avaliar in concreto os efeitos das condutas praticadas, a fim de estabelecer se são graves o suficiente para conduzir à cassação de registro ou diploma e à inelegibilidade.5. No caso, os autores apontam risco iminente de que os discursos proferidos pelo primeiro investigado na Embaixada de Londres (18/09/2022) e na abertura da 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas (20/09/2022), que teriam revelado conteúdo eleitoral, sejam indevidamente explorados para produzir material de campanha em ocasiões somente acessíveis ao atual Chefe de Estado, ferindo a isonomia entre as candidaturas à Presidência.6. A matéria relativa ao discurso proferido da sacada da Embaixada Brasileira em Londres já foi examinada na decisão liminar em que se proibiu a utilização das imagens para fins de propaganda, exarada na AIJE 0601154–29, cujos termos ratifico.7. A petição inicial contém transcrição integral do discurso de Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, e se fez acompanhar do vídeo respectivo. A análise do material evidencia que a opção do primeiro investigado foi por aproximar sua fala, como Chefe de Estado, de temas reiteradamente repisados em sua campanha eleitoral.8. O discurso, sob pretexto de propor uma reflexão à comunidade internacional, rapidamente é direcionado para que cada governante avalie o que está acontecendo "no plano interno", por ser o que "dá a medida da autoridade com que agimos no plano internacional". Nessa toada, a menção inicial de um suposto "divisor de águas" somente tem seu sentido evidenciado na sequência, em que passam a ser abordadas, preponderantemente, realizações do atual governo, de Jair Bolsonaro.9. A referência à disputa eleitoral é sugestionada pela narrativa de que um "Brasil do passado", cenário de "corrupção sistêmica", "onde a esquerda presidiu o Brasil" e no qual a Petrobras se endividou "por má gestão", teria sido superado. O Presidente chega a afirmar, em indireta inequivocamente destinada a seu principal adversário no atual pleito, que "o responsável por isso foi condenado em três instâncias por unanimidade".10. Ao longo da exposição, os temas versados são preponderantemente realizações de seu governo, em leitura sempre elogiosa que tem como marco inicial o ano de 2019, em que se iniciou seu mandato. Mesmo quando abordada a questão da paz mundial, a ênfase é no acolhimento a refugiados venezuelanos, que, nos dizeres do Chefe do Estado, fogem de um cenário de violência e fome que conta "com apoio de dois ex–presidentes de esquerda do Brasil".11. A parte final é dedicada às "pautas dos costumes", notório campo de disputa política no Brasil que, no entanto, é anunciada pelo Chefe de Estado como consenso em torno da "defesa da família, do direito à vida desde a concepção, à legítima defesa e ao repúdio à ideologia de gênero". Nesse ponto, atribui à atual Primeira–Dama ter dado "novo significado ao trabalho de voluntariado desde 2019".12. No encerramento, Jair Bolsonaro trata das comemorações do Bicentenário da Independência, persistindo na associação entre a comemoração cívica e sua liderança pessoal, como único elemento apto a motivar o comparecimento das pessoas à celebração. Em seus dizeres, "milhões de brasileiros foram às ruas, convocados pelo seu presidente, trajando as cores da nossa bandeira". Conclui, repetindo bordão de sua campanha, que "foi a maior demonstração cívica da história do nosso País, um povo que acredita em Deus, Pátria, família e liberdade".13. Não se encontra no âmbito da competência da Justiça Eleitoral orientar escolhas de temas pelo Chefe de Estado em ocasião de tanta relevância para o País, como é a abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Tampouco cabe discorrer sobre a possível contraposição de fatos aos dados apresentados. O campo próprio para a análise política das escolhas de temas e palavras utilizadas no citado discurso é a arena pública, espaço no qual elogios e críticas poderão se contrapor, não havendo dúvidas de que a fala já se encontra sujeita ao escrutínio da população brasileira e da comunidade internacional.14. O que deve ser analisado nestes autos é, precisamente, o risco à isonomia entre os candidatos em caso de utilização do discurso na propaganda eleitoraldos investigados. Isso porque, na hipótese, não estamos diante de um fato isolado, mas de um modus operandi evidenciado em uma sucessão de episódios. Há um contexto em que se tem identificado, até o momento, um esforço do candidato à reeleição em explorar, em sua propaganda eleitoral, situações propiciadas por sua condição de Chefe de Estado.15. Os elementos presentes nos autos são suficientes para concluir, em análise perfunctória, pelo risco de dano, caso a fala perante a Assembleia Geral das Nações Unidas seja deslocada de contexto. Ao adentrar a propaganda, o material, que reproduz motes reiteradamente repisados pelo investigado na condição de candidato, é passível de incutir no eleitorado a falsa percepção de que assiste a uma demonstração de apoio internacional à candidatura, quando, na verdade, o investigado está representando o Brasil no exercício de prerrogativa reconhecida ao País desde o ano de 1949.16. Na hipótese, assentada a plausibilidade do direito, conclui–se também pela urgência da concessão de medida destinada a evitar que a inserção do discurso no contexto eleitoral acarrete impactos anti–isonômicos.17. Tutela inibitória antecipada deferida, para determinar aos investigados que se abstenham de utilizar, em sua propaganda eleitoral divulgada por qualquer meio, imagens captadas de forma pública ou particular que reproduzam o discurso proferido por Jair Messias Bolsonaro na 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas (Nova York, EUA), com adoção de imediatas providências, sob pena de multa.18. Decisão liminar referendada.