Jurisprudência TSE 060116394 de 27 de outubro de 2020
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
29/09/2020
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial eleitoral, nos termos do voto do Relator. Por maioria, acompanhou o voto do Relator quanto à incidência da Súmula Vinculante nº 13 à espécie, com ressalvas de entendimento do Ministro Edson Fachin, que manteve a fundamentação adotada pelo Tribunal Regional, no sentido da aplicação da citada Súmula, nos termos do voto do Relator. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.
Ementa
ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATA. DEPUTADO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO. PRESTADOR DE SERVIÇO. PERÍODO EXÍGUO. VALOR EXPRESSIVO. RECURSOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS DESPESAS COM RECURSOS PÚBLICOS. RAZOABILIDADE. ECONOMICIDADE. MORALIDADE. IMPESSOALIDADE. TRANSPARÊNCIA. INOBSERVÂNCIA. VERBETES SUMULARES 24 E 27 DO TSE. INCIDÊNCIA. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE. SÍNTESE DO CASO 1. Trata–se de recurso especial interposto em face de acórdão de Tribunal Regional Eleitoral que desaprovou as contas de campanha da recorrente referentes às Eleições de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado estadual, determinando a devolução da quantia de R$ 30.000,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 82, § 1º, da Res.–TSE 23.553, atinente a recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), utilizados indevidamente na contratação de namorada/noiva do filho da candidata, para prestação de serviço na campanha. 2. De acordo com a Corte de origem, a contratação em evidência, para a função de coordenadora de campanha, se deu pelo prazo de apenas dez dias e pela quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade na utilização de recursos públicos, revelando–se gasto de valor expressivo e desproporcional. ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL 3. Incide na espécie o verbete sumular 27 do TSE, na medida em que a recorrente não demonstrou de que forma o acórdão regional teria violado os arts. 37, VII, e 40, I, da Res.–TSE 23.553 e 26 da Lei 9.504/97, pois tais preceitos normativos – referentes ao rol de gastos eleitorais e às formas admitidas de pagamento de despesas de natureza financeira – não dizem respeito ao fundamento adotado pelo Tribunal de origem para a desaprovação das contas, qual seja, a inobservância de princípios norteadores da realização de despesas com recursos públicos. 4. A hipótese dos autos versa sobre a aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, os quais, por ostentarem caráter público, devem ter a sua utilização fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, conforme já se decidiu no julgamento de contas anuais de partidos e a respeito de verba do Fundo Partidário. Nesse sentido: PC 247–55, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 1º.3.2018, e ED–PC 267–46, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 22.9.2017. 5. Firmou–se nesta Corte Superior a compreensão de que a observância do princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas, assim como se assentou que é possível considerar irregular a despesa que tenha caráter antieconômico. Nesse sentido, confiram–se os seguintes precedentes alusivos ao emprego de verbas do Fundo Partidário por partidos políticos: PC 305–87, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 12.8.2019; PC 290–21, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 21.6.2019; e PC 268–60, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 6.6.2019. 6. Inexiste óbice a que, na análise das prestações de contas, a Justiça Eleitoral exerça o controle da observância dos princípios norteadores da realização de despesas com recursos públicos, sejam eles provenientes do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. 7. Quanto aos argumentos recursais de que a análise da prestação de contas deveria se limitar à escrituração contábil e de que eventual indício da irregularidade versada nos autos deveria ser apurado em procedimento autônomo, cumpre observar que a aplicação antieconômica de recursos públicos pode ser objeto de controle da Justiça Eleitoral no processo de prestação de contas, o que igualmente ocorre quanto aos gastos efetuados com inobservância aos princípios da transparência, da moralidade e da razoabilidade. 8. Na espécie, a Corte de origem, soberana no exame do conjunto fático–probatório dos autos, afirmou a irregularidade da despesa realizada, pelos seguintes fundamentos: a) a prestadora das contas contratou a namorada/noiva de seu filho para prestar serviços como coordenadora–geral de campanha, pelo período de apenas dez dias e pela expressiva quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), com a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; b) a referida contratação, realizada mediante pagamento com recursos públicos, embora não seja objeto de restrição legal expressa, configurou a sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos e afrontou os princípios da moralidade e da impessoalidade, assim como revelou gasto expressivo e exageradamente desproporcional, de modo a comprometer a higidez das contas; c) a alegação de que a pessoa contratada para prestar serviço na campanha teria se casado com o filho da candidata após a prestação dos serviços não afasta a irregularidade, pois, embora a relação de namoro ou noivado não configure parentesco, a contratação de pessoas nessas circunstâncias não se conforma ao significado nem ao alcance dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da isonomia; d) a prestadora das contas confirmou ser sua nora a pessoa contratada como coordenadora–geral de campanha; e) a candidata não comprovou devidamente os gastos realizados com a aludida contratação. 9. Para alterar as conclusões às quais chegou o Tribunal de origem, a fim de acolher as alegações recursais, seria necessário o revolvimento do acervo fático–probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial eleitoral, nos termos do verbete sumular 24 do TSE. 10. Embora não haja vedação expressa à contratação de futuros parentes (ou até mesmo de parentes) para prestação de serviços de campanha, é necessário que haja razoabilidade em tal prática e que sejam observados os preceitos éticos e morais que devem nortear a conduta dos candidatos e dos partidos políticos, notadamente quanto ao uso de recursos públicos, evitando–se o favorecimento pessoal de qualquer natureza e o prejuízo à economicidade que pode decorrer de tais contratações. Nesse sentido, destaca–se que é dever do candidato ou do partido político garantir o bom uso dos recursos públicos, buscando obter o melhor resultado pelo menor custo possível, em atenção ao princípio da economicidade. 11. A contratação de parente do candidato – ou mesmo de pessoa que mantenha relação de noivado ou namoro com o candidato ou com parente do candidato – para a prestação de serviço na campanha enseja atenção da Justiça Eleitoral, dada a possibilidade de conflito de interesses e de desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos, com vistas a, eventualmente, favorecer financeiramente a pessoa contratada. Assim, tal contratação, caso seja realizada, deve observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como deve evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com valores de mercado. Cumpre à Justiça Eleitoral atuar com maior rigor em tais situações. 12. No caso sob exame, é induvidosa a falta de transparência na contratação da coordenadora–geral de campanha, pois, conforme consignado no acórdão regional, a prestadora das contas não comprovou devidamente os gastos realizados com a contratação por exíguo intervalo de tempo e por quantia expressiva de recursos públicos, de modo a comprometer a higidez das contas. 13. A ausência de comprovação de despesas de campanha é, em regra, motivo suficiente para ensejar a desaprovação das contas. Nesse sentido: AgR–AI 0606203–67, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 7.5.2020, AgR–PC 218–97, da rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 28.4.2020, PC 1008–18, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 29.8.2019, e AgR–AI 174–43, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 22.3.2018. 14. A Corte de origem agiu com acerto ao assentar que a contratação, no caso dos autos, ocorreu em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade na aplicação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Ademais, os fundamentos do acórdão recorrido realçam também o caráter antieconômico da despesa efetuada com recursos públicos do FEFC, na medida em que a candidata pagou a uma única pessoa contratada, por serviços supostamente prestados no período de apenas dez dias, a quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), revelando–se tal gasto "exageradamente desproporcional" e "efetivamente expressivo", nas palavras do Tribunal de origem. 15. Na espécie, não é possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que a irregularidade constatada corresponde a quantia expressiva, em valor absoluto e em termos percentuais, em relação ao total de recursos arrecadados. Nesse sentido: AgR–AI 181–42, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018. CONCLUSÃO Recurso especial eleitoral a que se nega provimento.