Jurisprudência TSE 060115429 de 07 de novembro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Benedito Gonçalves
Data de Julgamento
22/09/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, referendou a decisão que deferiu parcialmente o requerimento liminar, para conceder a tutela inibitória antecipada e determinar: a) a intimação dos investigados para que se abstenham de utilizar em sua propaganda eleitoral imagens, captadas por qualquer meio, relativas ao discurso proferido por Jair Messias Bolsonaro da sacada da Embaixada Brasileira em Londres, no dia 18/09/2022, sob pena de multa de R$20.000,00 (vinte mil reais) por peça de propaganda ou postagem feita por qualquer meio; b) a intimação da empresa Twitter para que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, remova a postagem albergada no link: https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1571456870346551296, devendo diligenciar pela preservação do conteúdo até decisão final neste processo, sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais); c) a intimação da empresa Google para que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, remova a postagem albergada no link:https://www.youtube.com/watch?v=vCFXYbCzUI0, devendo diligenciar pela preservação do conteúdo até decisão final neste processo, sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais), nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros Raul Araújo, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. REFERENDO DE DECISÃO LIMINAR. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. FUNERAL DA RAINHA ELIZABETH II. ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. REPRESENTAÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL. VIAGEM OFICIAL. CUSTEIO COM RECURSOS PÚBLICOS. PROLAÇÃO DE DISCURSO ELEITORAL DA SACADA DA EMBAIXADA BRASILEIRA. QUEBRA DE ISONOMIA. PLAUSIBILIDADE. URGÊNCIA. REQUERIMENTO LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDO. DECISÃO REFERENDADA.1. Trata–se de ação de investigação judicial eleitoral – AIJE – destinada a apurar a ocorrência de abuso de poder político e econômico, ilícitos supostamente em vias de serem perpetrados em decorrência do desvio de finalidade eleitoral da representação do Brasil, a cargo do Presidente Jair Messias Bolsonaro, nos eventos oficiais relacionados ao funeral da Rainha Elizabeth II (Londres, Inglaterra) e à 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas (Nova York, EUA).2. A AIJE não se presta apenas à punição de condutas abusivas, quando já consumado o dano ao processo eleitoral. Assume também função preventiva, sendo cabível a concessão de tutela inibitória para prevenir ou mitigar danos à legitimidade do pleito.3. Nesse sentido, prevê o art. 22, I, b, da LC nº 64/90 que, ao receber a petição inicial, cabe ao Corregedor determinar "que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julgada procedente".4. O exercício dessa competência deve se pautar pela mínima intervenção, atuando de forma pontual para conter a propagação e amplificação de efeitos potencialmente danosos. A fim de que essa finalidade preventiva possa ser atingida, a análise da gravidade, para a concessão da tutela inibitória, orienta–se pela preservação do equilíbrio da disputa ainda em curso. Esse exame não se confunde com aquele realizado no julgamento de mérito e não antecipa a conclusão final, que deverá avaliar in concreto os efeitos das condutas praticadas, a fim de estabelecer se são graves o suficiente para conduzir à cassação de registro ou diploma e à inelegibilidade.5. No caso, a petição inicial aponta o risco de que a participação de Jair Bolsonaro nos eventos como Chefe de Estado seja desvirtuada e explorada para fins eleitorais, especialmente pela produção de material de propaganda destinado a indicar sua aceitação no cenário internacional.6. A petição inicial foi instruída com vídeo no qual Jair Bolsonaro discursa, da sacada da Embaixada Brasileira em Londres, para um grupo de simpatizantes. Após ligeiras condolências à família real, o investigado passa a proferir discurso de caráter eminentemente eleitoral. Isso é feito com notória exploração do papel de Chefe de Estado, uma vez que, ao defender suas pautas de campanha – com temas como drogas, aborto e gênero –, Bolsonaro afirma que é o "País" que se recusa a debater essas questões, quando, sabidamente, são elas campo de disputa política.7. São ainda utilizados motes eleitorais – tal qual a invocação do cenário na "América do Sul" para exaltar seu governo e alertar que se avizinha o momento de "decidir o futuro da nossa nação" – que, em decisão liminar na AIJE 0601002–78, já foram declarados incompatíveis com a finalidade do cargo hoje ocupado.8. Performando típica atuação de candidato, o investigado chega a afirmar que é impossível que não seja eleito no 1º turno. Nesse momento, o público presente passa a entoar o coro "Primeiro turno! Primeiro turno!". O candidato ainda atribui sua chegada ao poder a uma "missão de Deus" e promete continuidade, "se essa for a vontade de Deus", em clara alusão à reeleição.9. Os elementos presentes nos autos são suficientes para concluir, em análise perfunctória, que o acesso à Embaixada, por força do cargo de Chefe de Estado, foi utilizado em proveito da campanha. A repercussão do vídeo na internet, com mais de 49.000 (quarenta e nove mil) visualizações, demonstra que o alcance do ato não se restringiu ao pequeno grupo presente ao local10. A conduta, ao propiciar contato direto com eleitores e favorecer a produção de material de campanha, é tendente a ferir a isonomia, pois explora a atuação do Chefe de Estado, em ocasião inacessível a qualquer dos demais competidores, para projetar a imagem do candidato.11. Na hipótese, assentada a plausibilidade do direito, conclui–se também pela urgência da concessão de medida que faça cessar os impactos anti–isonômicos do aproveitamento das imagens do discurso na Embaixada Brasileira em favor das candidaturas dos investigados.12. Por outro lado, uma vez que, até o momento, não há imputação ou indícios de interferência dos investigados na organização dos eventos, não há ensejo para proibir o uso de imagens da participação oficial do Chefe de Estado captadas pela imprensa, por se tratar de material acessível por todos os candidatos, inclusive para fins de eventual crítica.13. É próprio ao instituto da reeleição que os candidatos organizem agenda eleitoral em paralelo com a oficial. Por isso, não se restringe, em análise inicial, a possibilidade de que a equipe de campanha produza material durante a viagem em curso, desde que adstrito à agenda eleitoral regular do investigado. Ressalte–se que isso não significa uma chancela automática a toda e qualquer conduta que venha a ser praticada sob essa justificativa, uma vez que eventuais desvios sempre se sujeitam à análise in concreto.14. Tutela inibitória antecipada parcialmente deferida, para determinar a remoção de vídeo do discurso proferido por Jair Messias Bolsonaro da sacada da Embaixada Brasileira em Londres no dia 18/09/2022, bem como para proibir a utilização das imagens respectivas, sob pena de multa.15. A extensão da liminar poderá ser revista, a qualquer tempo, caso apresentados novos fatos que demandem intervenção judicial imediata.16. Decisão liminar referendada.