Jurisprudência TSE 060103298 de 15 de marco de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
28/02/2023
Decisão
O Tribunal, por maioria, deu provimento ao agravo, a fim de conhecer do recurso especial e negar¿lhe provimento, nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Ministro Raul Araújo que votou pelo provimento do agravo e parcial provimento do recurso especial, apenas para afastar a sanção de devolução dos valores públicos recebidos pelas candidatas. Votaram com o Relator os Ministros Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO. PROVIMENTO. EXAME, DESDE LOGO, DO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER MEDIANTE FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. LANÇAMENTO. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. ELEIÇÃO PROPORCIONAL. VEREADOR. ACÓRDÃO REGIONAL. CASSAÇÃO. CHAPA PROPORCIONAL. DIPLOMA. REGISTRO. DECLARAÇÃO. INELEGIBILIDADE. CANDIDATAS. PARTICIPAÇÃO. ANUÊNCIA. ATO ILÍCITO. CONJUNTO FÁTICO–PROBATÓRIO. CARÁTER ROBUSTO. RECONHECIMENTO. VERBETE SUMULAR 24 DO TSE. INCIDÊNCIA. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. FUNDO PARTIDÁRIO. RECURSOS. UTILIZAÇÃO IRREGULAR. DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. DETERMINAÇÃO.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de agravo em recurso especial interposto em face de decisão do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, que negou seguimento a recurso especial manejado em desfavor de acórdão que, por maioria, reformou parcialmente a sentença e julgou procedente o pedido formalizado em ação de investigação judicial eleitoral proposta pela Coligação O Trabalho não Pode Parar, a fim de cassar toda a chapa proporcional lançada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Município de Quixadá/CE nas Eleições de 2020, por entender configurado abuso de poder mediante fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, em razão do lançamento de duas candidatas fictícias ao cargo de vereador, cassando os diplomas outorgados às candidaturas eleitas e aos suplentes da agremiação e impondo a sanção de inelegibilidade às duas postulantes que participaram da conduta ilícita e com ela anuíram, com determinação de devolução ao Tesouro Nacional dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário utilizados de forma irregular pelas candidaturas investigadas, com base nos arts. 17, § 9º, e 19, § 9º, da Res.–TSE 23.607.ANÁLISE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL2. O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral negou seguimento ao recurso especial pelos seguintes fundamentos:a) ausência de demonstração objetiva das alegadas violações a dispositivos legais;b) incidência do verbete sumular 24 deste Tribunal Superior, pois a pretensão recursal demanda o reexame de matéria probatória;c) não demonstração de divergência jurisprudencial, tendo em vista que não foi realizado o cotejo analítico entre julgados, nem demonstrada a existência de semelhança fática entre os casos confrontados, em inobservância ao disposto no § 1º do art. 1.029 do Código de Processo Civil e ao verbete sumular 28 do TSE.3. Os agravantes impugnaram os fundamentos da decisão agravada, razão pela qual se dá provimento ao agravo, passando ao exame do recurso especial.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL4. Deve ser rejeitada a alegação recursal de que, a despeito da oposição de embargos de declaração, o Tribunal de origem não teria enfrentado a maioria dos pontos suscitados, pois os recorrentes não indicam violação ao art. 275 do Código Eleitoral ou ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, tampouco deduzem pedido em relação à suposta ausência de manifestação da Corte de origem a respeito das matérias suscitadas nos aclaratórios.5. O Tribunal Regional Eleitoral, ainda que de forma sucinta, apreciou as questões suscitadas nos embargos de declaração, o que demonstra a inexistência de omissão e de afronta ao art. 275 do Código Eleitoral, bem como evidencia a ausência de nulidade do acórdão recorrido. Nesse sentido: "Não se verifica violação ao art. 275 do Código Eleitoral quando são analisadas as questões apresentadas, ainda que de forma sucinta" (AgR–REspe 25.982, rel. Min. Caputo Bastos, DJ de 20.11.2006). Na mesma linha: "Inexiste ofensa ao art. 489 do Código de Processo Civil quando o acórdão embargado, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide" (ED–AgR–REspEl 0600185–44, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 27.10.2021).6. Os recorrentes apontam violação aos arts. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar 64/90 e 10, § 3º, da Lei 9.504/97, sob o argumento de que o conjunto probatório dos autos seria frágil para fundamentar a conclusão do Tribunal de origem de que houve fraude ao sistema de cota de gênero, por meio do lançamento de candidaturas femininas fictícias, assim como aduzem que os fatos apurados nos autos não se adequariam aos dispositivos legais referidos, tendo em vista que não teria havido demonstração de uma soma de circunstâncias fáticas que denotassem o objetivo de burlar a isonomia entre homens e mulheres, assim como não haveria prova de conluio fraudulento.7. Conforme se depreende do voto condutor do acórdão regional, a conclusão a que chegou o Tribunal de origem pela caracterização da fraude à cota de gênero teve como lastro as seguintes circunstâncias:a) a candidata Maria Clara Alves Bezerra: i) obteve apenas 7 votos; ii) realizou campanha em favor de seu filho Rony Jason, candidato a vereador pelo Patriotas – o qual a chamou de "minha melhor cabo eleitoral" em uma postagem de rede social –, e do postulante a prefeito Ricardo Silveira, o qual foi eleito; iii) acostou aos autos única mídia de propaganda eleitoral gratuita a ela referente, cujo conteúdo evidencia o seu apoio a candidato a prefeito e a ausência de pedido de voto para si, e, demais disso, foi produzida apenas em 7.12.2020, ou seja, após o pleito de 2020, não tendo sido apresentada prova complementar que demonstrasse a sua utilização nas eleições; iv) juntou apenas imagem do que seria um santinho de propaganda, sem demonstrar eventual atuação em campanha presencial;b) a candidata Janaíra Camurça Rabelo: i) teve votação zerada; ii) realizou campanha eleitoral para o candidato a vereador pelo PTB, Marcos Barroso – de seu vínculo familiar e afetivo –, e para o postulante a prefeito Ricardo Silveira, o qual foi eleito; iii) apresentou fotografia de grande quantidade de santinhos, ainda não distribuídos, sem indicar a data da imagem e sem demonstrar a distribuição do referido material impresso, e juntou adesivo de propaganda igualmente sem evidenciar a sua utilização; e iv) acostou aos autos única mídia de propaganda eleitoral gratuita a ela referente, a qual foi produzida apenas em 7.12.2020, ou seja, após o pleito de 2020, e não foi apresentada prova complementar que demonstrasse a sua utilização no pleito;c) em relação a ambas as candidatas: i) há prova de que Maria Clara Alves Bezerra e Janaíra Camurça Rabelo permaneceram ativas durante todo o período de campanha, porém, a serviço exclusivamente de familiares candidatos ao cargo de vereador, do gênero masculino, e de postulante a prefeito; ii) não há provas de desistência tácita pelas mencionadas candidatas;d) Maria Clara Alves Bezerra obteve recursos no valor total de R$ 684,50, composto por valores estimáveis advindos do FEFC (R$ 434,50) e por verba própria (R$ 250,00), e as suas despesas se resumem a publicidade por meio de adesivos (R$ 105,00) e materiais impressos (R$ 579,50). Janaíra Camurça Rabelo obteve recursos estimáveis, provenientes do FEFC, na quantia total de R$ 134,50, e as suas despesas limitam–se a publicidade por adesivos (R$ 105,00) e materiais impressos (R$ 29,50).8. O Tribunal Regional Eleitoral, mediante premissas fático–probatórias insuscetíveis de alteração em recurso especial eleitoral, por incidência do verbete sumular 24 do TSE, concluiu que "inúmeras são as evidências da prática de fraude ao sistema de cotas eleitorais de gênero: i) votação nula ou inexpressiva; ii) arrecadação ínfima de receitas, com consequente gasto baixíssimo durante a campanha; iii) propaganda para campanha de terceiros, nenhum ato de campanha para si; e iv) ausência de apoio de familiares para a campanha das candidatas, disputa com parentes sem nenhuma animosidade e/ou a favor desses".9. Em que pese os recorrentes argumentem que os elementos indicados no acórdão recorrido não constituiriam prova robusta do consilium fraudis, bem como seriam poucos, inconclusos e circunstanciais, é certo que a mais atual orientação deste Tribunal Superior considera suficiente, para a caracterização do ilícito de fraude no preenchimento dos percentuais de gênero, a votação zerada ou ínfima, a não demonstração de atos efetivos de campanha, o baixo volume de receitas na prestação de contas e, sobretudo, o empenho das candidatas tidas como fictícias na campanha de candidatos do gênero masculino. Nesse sentido: AgR–AREspE 0600651–94, red. para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30.6.2022; AgR–AREspE 0600605–21, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 29.8.2022; e AgR–REspEl 0600446–51, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 15.8.2022.10. Por estar o acórdão recorrido em consonância com a orientação deste Tribunal Superior a respeito da configuração de fraude à cota de gênero, incide o verbete sumular 30 do TSE, o qual "pode ser fundamento utilizado para afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial – por afronta à lei e dissídio jurisprudencial" (AgR–AI 152–60, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 27.4.2017).11. O Tribunal Superior Eleitoral firmou a orientação de que, em relação à cota de gênero, "caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, observam–se as seguintes consequências: (i) a cassação dos candidatos vinculados ao DRAP, independentemente de prova da sua participação, ciência ou anuência; (ii) a inelegibilidade àqueles que efetivamente praticaram ou anuíram com a conduta; e (iii) a nulidade dos votos obtidos pela Coligação, com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidários, nos termos do art. 222 do Código Eleitoral" (AgR–AREspE 0600651–94, red. para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30.6.2022). No mesmo sentido: REspEl 0600239–73, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 25.8.2022, e AREspE 0600474–82, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 12.9.2022.12. Embora a determinação de devolução ao Tesouro Nacional dos recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário utilizados de forma irregular não conste, de modo expresso, entre as consequências do julgamento de procedência da ação de investigação judicial eleitoral, previstas no inciso XIV do art. 22 da Lei Complementar 64/90 e em julgados deste Tribunal Superior atinentes à hipótese de fraude à cota de gênero, a adoção de tal medida na espécie se adéqua ao previsto na parte final do mencionado dispositivo legal, que prevê a possibilidade de que o órgão julgador ordene quaisquer outras providências que a espécie comportar.13. Conforme já decidiu esta Corte Superior, "a determinação de devolução ao erário dos recursos oriundos de fundos compostos por recursos públicos não constitui penalidade, tendo como finalidade a recomposição do estado de coisas anterior (REspe 0607014–27/SP, Rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, DJE de 12.2.2020) (Súmula nº 30/TSE)" (AgR–AI 0605505–56, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 15.6.2020).14. A aprovação da prestação de contas de campanha não impede a apuração de eventuais ilícitos que porventura sejam identificados, em sede própria, pela Justiça Eleitoral ou pelos demais órgãos de controle e investigação. Precedentes.15. Nada obstante os arts. 17, § 9º, e 19, § 9º, da Res.–TSE 23.607 estejam inseridos na instrução deste Tribunal Superior que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatas ou candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições, inexiste óbice a que tais dispositivos regulamentares, que veiculam normas de direito material, sejam aplicados em ação de investigação judicial eleitoral julgada procedente em razão de fraude à cota de gênero, a fim fundamentar a determinação de devolução ao erário dos recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário que tenham sido utilizados de forma irregular pelas candidaturas femininas fictícias.CONCLUSÃOAgravo a que se dá provimento para conhecer do recurso especial eleitoral e negar–lhe provimento.