JurisHand AI Logo
|

Jurisprudência TSE 060100278 de 19 de outubro de 2022

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Benedito Gonçalves

Data de Julgamento

13/09/2022

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, referendou a decisão que deferiu parcialmente o requerimento liminar, concedendo a tutela inibitória antecipada, para: a) determinar a supressão de trechos de vídeo contendo a cobertura do Bicentenário da Independência pela TV Brasil; b) proibir a veiculação de material de propaganda eleitoral, que utilize imagens do Presidente da República capturadas durante os eventos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais); e c) vedar a produção de novos materiais que explorem as citadas imagens, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Raul Araújo, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (Presidente). Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Ementa

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. REFERENDO DE DECISÃO LIMINAR. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. USO INDEVIDO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO. BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL. DESFILE CÍVICO–MILITAR. EVENTO OFICIAL. CUSTEIO COM RECURSOS PÚBLICOS. COBERTURA TELEVISIVA. TRECHOS CONTENDO PROMOÇÃO DE CANDIDATURA À REELEIÇÃO. USO DE IMAGENS DE ATOS DE CHEFE DE ESTADO EM PROPAGANDA ELEITORAL. QUEBRA DE ISONOMIA. PLAUSIBILIDADE. URGÊNCIA. REQUERIMENTO LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDO. DECISÃO REFERENDADA.1. Trata–se de referendo de decisão liminar proferida na ação de investigação judicial eleitoral – AIJE – destinada a apurar a ocorrência de abuso de poder político e econômico e de uso indevido dos meios de comunicação, ilícitos supostamente perpetrados em decorrência do desvio de finalidade das comemorações do Bicentenário da Independência em favor do candidato à reeleição para o cargo de Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.2. A AIJE não se presta apenas à punição de condutas abusivas, quando já consumado o dano ao processo eleitoral. Assume também função preventiva, sendo cabível a concessão de tutela inibitória para prevenir ou mitigar danos à legitimidade do pleito.3. Nesse sentido, prevê o art. 22, I, b, da LC nº 64/90 que, ao receber a petição inicial, cabe ao Corregedor determinar "que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julgada procedente".4. O exercício dessa competência deve se pautar pela mínima intervenção, atuando de forma pontual para conter a propagação e amplificação de efeitos potencialmente danosos. A fim de que essa finalidade preventiva possa ser atingida, a análise da gravidade, para a concessão da tutela inibitória, orienta–se pela preservação do equilíbrio da disputa ainda em curso. Esse exame não se confunde com aquele realizado no julgamento de mérito e não antecipa a conclusão final, que deverá avaliar in concreto os efeitos das condutas praticadas, a fim de estabelecer se são graves o suficiente para conduzir à cassação de registro ou diploma e à inelegibilidade.5. No caso, a petição inicial narra que o primeiro réu, de forma deliberada e com o apoio dos demais investigados, direcionou o desfile cívico–militar realizado em 07/09/2022 na Esplanada dos Ministérios – Brasília/DF, evento oficial custeado com mais de R$3.000.00,00 (três milhões de reais) de recursos públicos, para promover a imagem e a candidatura de Bolsonaro.6. A inicial foi instruída com farta prova documental que comprova os valores envolvidos e demonstra que a associação entre a candidatura e o evento oficial foi iniciativa do próprio Presidente candidato à reeleição, que chegou a utilizar inserções de propaganda eleitoral para convocar o eleitorado a comparecer à comemoração do Bicentenário, em vinheta que confere destaque à sua presença em Brasília pela manhã e no Rio de Janeiro à tarde.7. Além disso, a íntegra da transmissão pela TV Brasil, emissora pertencente ao conglomerado de mídia governamental Empresa Brasil de Comunicação (EBC), permite constatar que parte relevante da cobertura se centrou na pessoa do Presidente.8. Em entrevista que se justificaria por sua condição de Chefe de Estado, Jair Messias Bolsonaro optou por assumir o papel de candidato em campanha pela reeleição. Ao ser indagado sobre a importância do Bicentenário, preferiu exaltar atos e projetos de seu governo, como o "Auxílio Brasil", a redução do preço da gasolina e o perdão de dívidas do FIES, associar o início de seu mandato ao ressurgimento do "patriotismo" e de valores cristãos, e comparar a situação do Brasil com vizinhos da América do Sul, dirigindo–se aos espectadores para dizer que "o que está em jogo é a nossa liberdade, é o nosso futuro" e que "o Brasil é nosso".9. Encerrado o desfile, as câmeras da emissora governamental passaram a enfocar o primeiro réu, fora da tribuna de honra e já sem a faixa presidencial, caminhando próximo à população, rumo ao palanque em que iria realizar comício. É possível ouvir que foi aclamado por parte dos presentes como "mito". Do estúdio, um dos militares convidados para comentar o evento finaliza sua fala com a mensagem "espero [...] que possamos decidir que tipo de nação queremos para o futuro".10. Em análise perfunctória, é possível concluir que os trechos destacados denotam o desvirtuamento, ao menos pontual, da participação do Presidente da República nas comemorações do Bicentenário da Independência e da cobertura televisiva, em vídeo que conta hoje com quase 400.000 (quatrocentas mil) visualizações. A continuidade da veiculação desse conteúdo é capaz de ferir a isonomia entre candidatos e candidatas da eleição presidencial, uma vez que redunda em vantagem não autorizada pela legislação eleitoral para o atual incumbente do cargo.11. A tutela buscada não pode, todavia, acarretar medida desproporcional, que afete a legítima divulgação das comemorações do Bicentenário da Independência. Desse modo, sem prejuízo de posterior ampliação do escopo da medida, caso identificadas outras passagens desvirtuadas, cabe agir cirurgicamente para inibir a divulgação dos trechos específicos.12. O uso de imagens da celebração oficial na propaganda eleitoral é tendente a ferir a isonomia, pois explora a atuação do Chefe de Estado em ocasião inacessível a qualquer dos demais competidores, para projetar a imagem do candidato e fazer crer que a presença de milhares de pessoas na Esplanada dos Ministérios, com a finalidade de comemorar a data cívica, seria fruto de mobilização eleitoral em apoio ao candidato à reeleição.13. Na hipótese, assentada a plausibilidade do direito em decorrência do indevido favorecimento à campanha do candidato à reeleição nos pontos destacados, conclui–se também pela urgência da concessão de medida que faça cessar os impactos anti–isonômicos da cobertura do Bicentenário da Independência e do aproveitamento de imagens oficiais pela campanha do primeiro e do segundo réus.14. Tutela inibitória antecipada parcialmente deferida, para determinar a supressão de trechos do vídeo contendo a cobertura do Bicentenário da Independência pela TV Brasil e proibir a utilização de imagens oficiais do evento na campanha do primeiro e do segundo réus, sob pena de multa.15. Decisão liminar referendada.


Jurisprudência TSE 060100278 de 19 de outubro de 2022