Jurisprudência TSE 060098627 de 13 de maio de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Floriano De Azevedo Marques
Data de Julgamento
03/05/2024
Decisão
Julgamento conjunto: ED na AIJE nº 060097243, ED na AIJE nº 060098627 e ED na RepEsp nº 060098457 O Tribunal, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO ESPECIAL. CONDUTAS VEDADAS A AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CANDIDATOS NÃO ELEITOS. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. MULTAS. INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO. ACÓRDÃO EMBARGADO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO. SÍNTESE DO CASO 1. Trata–se de embargos de declaração opostos em face de acórdãos do Tribunal Superior Eleitoral que, em julgamento conjunto, por unanimidade, rejeitaram as questões preliminares e, no mérito, por maioria, julgaram procedentes os pedidos formulados: i) na Representação Especial 0600984–57.2022.6.00.0000, a fim de condenar Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto pela prática de condutas vedadas a agentes públicos em campanha previstas no art. 73, I e III, da Lei 9.504/97, aplicando–lhes multas individuais nas quantias de R$ 425.640,00 e de R$ 212.820,00, respectivamente; e ii) nas Ações de Investigação Judicial Eleitoral 0600972–43.2022.6.00.0000 e 0600986–27.2022.6.00.0000 para condenar os referidos investigados pela prática de abuso do poder político e econômico nas Eleições de 2022, declarando–os inelegíveis pelo período de oito anos seguintes ao referido pleito. 2. No julgamento embargado, prevaleceu a compreensão majoritária de que ficou configurado desvio de finalidade eleitoreiro de bens, recursos e serviços públicos empregados nas cerimônias cívico–miliares de comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil, realizadas em Brasília/DF e na cidade do Rio de Janeiro/RJ no dia 7.9.2022, tendo em vista que os referidos eventos de caráter oficial foram emaranhados com eventos de caráter eleitoral, de modo a impulsionar atos de campanha dos investigados, à época candidatos aos cargos de presidente e vice–presidente da República. ANÁLISE DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Da alegação de omissão e obscuridade do acórdão embargado quanto ao exame das circunstâncias alusivas à formação de litisconsórcio passivo necessário, à decadência e à suposta violação ao devido processo legal. 3. Deve ser rejeitada a alegação de que este Tribunal Superior não teria examinado as circunstâncias alusivas à exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário, em suposta contrariedade ao art. 5º, LIV, da Constituição, pois ficou assentado nos acórdãos embargados que a União Federal e os responsáveis pelos movimentos cívicos que prestaram apoio material aos eventos questionados não são litisconsortes passivos necessários, na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior de que: i) pessoas jurídicas não têm interesse e legitimidade para figurar no polo passivo de ações de investigação judicial eleitoral, pois não são alcançadas pelas sanções previstas para a hipótese de procedência dos pedidos; e ii) é desnecessária a formação de litisconsórcio passivo entre o candidato beneficiado e o autor da conduta ilícita em ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder. Precedentes. 4. Não prospera a alegação de obscuridade dos acórdãos embargados ao mencionarem que a ausência de identificação nominal dos responsáveis pelos movimentos cívicos que prestaram apoio material aos eventos eleitorais denota o pouco interesse dos embargantes em que eles efetivamente viessem a ser integrados ao polo passivo antes do término do prazo decadencial. Isso porque o trecho impugnado não diz respeito ao ônus de promover a integração ao feito dos litisconsortes passivos necessários, mas, sim, à boa–fé processual, pois observa que o cenário verificado na espécie "confirma que é preciso atentar para que o instituto do litisconsórcio passivo necessário não seja manejado com vistas a inviabilizar a apuração de condutas ilícitas". Da alegação de omissão e contradição do acórdão embargado a respeito da reunião das ações conexas sobre abuso do poder político e da suposta ofensa ao devido processo legal. 5. Inexiste omissão ou contradição dos acórdãos embargados sobre as alegações apresentadas na defesa e nas alegações finais a respeito da necessidade de reunião das ações conexas sobre abuso do poder político. Por essa razão, não prospera a pretensão de que, com fundamento no art. 96–B da Lei 9.504/97 e considerado o disposto no art. 55, § 1º, do Código de Processo Civil, o julgamento conjunto dos feitos seja renovado, com a inclusão da AIJE 0601002–78. 6. Como anotado expressamente nos acórdãos embargados, o afastamento da regra prevista no art. 96–B da Lei das Eleições em relação à AIJE 0601002–78.2022.6.00.0000 visou a não paralisar os feitos eleitorais que já estavam prontos para julgamento, considerando que a reunião processual não é obrigatória, reputada a diversidade de momentos processuais com as ações sob exame e a possibilidade de tumultuar o trâmite destas. Assim, tal como anotado no voto do relator originário, a pretendida unificação da tramitação das ações, na espécie, tem caráter meramente protelatório, pois não está respaldada em demonstração de nulidade processual ou de efetivo prejuízo à defesa. 7. Não há contradição dos acórdãos embargados ao levar em consideração a participação de tratores no desfile cívico–militar alusivo ao Bicentenário da Independência, pois, embora esse fato fosse objeto inicialmente apenas da AIJE 0601002–78.2022.6.00.0000 – não submetida ao julgamento conjunto –, a questão foi objeto da coleta de prova testemunhal nas ações conexas, sem que tenha havido protesto dos investigados, e passou pelo crivo do contraditório quanto aos documentos referentes ao fato, o que acarretou a preclusão da oportunidade para apontar eventual impertinência de questões. Ademais, a decisão de saneamento determinou o traslado, para os autos das demandas julgadas em conjunto, da solicitação dirigida pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo ao Ministério da Defesa para incluir os mencionados veículos no desfile cívico–militar. 8. Não prospera a alegação de que este Tribunal não teria indicado as razões pelas quais não aplicou o entendimento adotado em outros processos, referentes ao pleito de 2022, os quais trataram de propaganda eleitoral antecipada irregular e foram reunidos para julgamento conjunto. Isso porque, a despeito da reunião dos aludidos processos, a matéria não foi objeto de discussão nos acórdãos proferidos e, demais disso, os embargantes não demonstraram que tais feitos tivessem porventura particularidades semelhantes às verificadas na espécie, notadamente a de que algum dos feitos conexos eventualmente demandasse maior tempo de maturação em relação aos demais e não estivesse pronto para julgamento conjunto, como ocorre no caso da AIJE 0601002–78.2022.6.00.0000. Da alegação de omissão do acórdão embargado a respeito do cerceamento da produção de prova que decorreria do indeferimento da oitiva de três testemunhas da defesa. 9. Não assiste razão aos embargantes quanto à alegação de que o acórdão embargado seria omisso quanto ao alegado cerceamento de defesa, o qual adviria do indeferimento da oitiva de três testemunhas por eles arroladas. A suposta violação ao devido processo legal e a afirmação de que teriam sido demonstradas a pertinência e a utilidade das oitivas de autoridades elencadas no rol do art. 454 do Código de Processo Civil foram afastadas mediante decisão consistente e fundamentada, pontuando–se que os embargantes não indicaram nenhum aspecto da controvérsia que tangenciasse fato de conhecimento das referidas autoridades e capaz de particularizá–las em relação aos milhares de espectadores presentes aos eventos ou, ainda, em relação a outras autoridades e servidores já arrolados. 10. A compreensão dada pelo acórdão embargado ao art. 454 do Código de Processo Civil – de que tal dispositivo não se pode transformar em um catálogo de opções utilizado, com ou sem intenção, para retardar o trâmite da ação, à míngua de justificativa razoável e proporcional que demonstre a necessidade da oitiva da autoridade – não está em desacordo com a previsão de admissibilidade da prova testemunhal estabelecida no art. 442 do referido diploma legal, tampouco viola a sistemática constitucional, pois o indeferimento da produção de provas consideradas inúteis ou meramente protelatórias, como ocorreu no caso sob apreciação, não caracteriza cerceamento de defesa nem ofende os princípios da ampla defesa e do contraditório. Nesse sentido: AgR–REspe 59–46, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 8.8.2017. Da alegação de omissão do acórdão embargado sobre a suposta violação ao princípio da segurança jurídica em matéria eleitoral (art. 16 da Constituição da República). 11. Não há omissão dos acórdãos embargados a respeito de suposta ofensa à segurança jurídica em matéria eleitoral, deduzida sob o argumento de que este Tribunal não teria observado o disposto no art. 16 da Constituição da República por não aplicar, ao presente caso, entendimento jurisprudencial fixado em precedente alusivo ao mesmo pleito. 12. Não prospera a alegação de que teria havido mudança jurisprudencial em relação ao entendimento fixado por este Tribunal Superior na AIJE 0601212–32, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 22.2.2024, no sentido de que a liminar deferida naqueles autos foi suficiente para inibir os efeitos anti–isonômicos da conduta vedada, de modo que ela não atingiu a gravidade exigida para a configuração do abuso do poder político. Com efeito, inexiste identidade fática entre os casos, apta a atrair a adoção de solução judicial similar, pois, na espécie, o cumprimento da tutela inibitória antecipada não afastou a gravidade das condutas praticadas com desvio de finalidade eleitoreiro da estrutura estatal empregada nas comemorações do Bicentenário da Independência, o qual se consumou antes mesmo do deferimento da liminar, que apenas impediu a propagação de imagens oficiais dos eventos pela televisão pública e pela campanha dos investigados. Das alegações de obscuridade sobre se o uso da faixa presidencial contribuiria para licitude da conduta e de omissão a respeito dos fundamentos do voto vencido. 13. Não há obscuridade sobre se o uso da faixa presidencial pelo primeiro embargante contribuiria para a licitude da conduta, tampouco há omissão a respeito dos fundamentos do voto vencido, segundo os quais o evento oficial e o posterior ato de campanha seriam distintos e não teria sido utilizado nenhum símbolo que denotasse estar o primeiro embargante na condição de chefe de Estado. A respeito de tais questões, os acórdãos embargados assentaram, com suficiente clareza, que a retirada da faixa presidencial entre o palanque oficial em Brasília e o palanque eleitoral não corrobora a tese dos embargantes de que haveria separação milimétrica entre os dois eventos, mas, sim, como anotado no voto condutor, "assinala uma transição entre dois momentos de um mesmo e grandioso evento, funcionando até mesmo como catalisador das expectativas, pois sinaliza que o candidato estaria livre para falar, criticar adversários, estimular a militância e pedir votos". 14. Não deve ser conhecida, por configurar inovação de tese em embargos de declaração, a alegação de que a configuração das condutas vedada deveria observar a sistemática da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), com as implicações decorrentes da Lei 14.230/2021. O argumento de que tal matéria seria de ordem pública, apreciável de ofício, por supostamente dizer respeito à materialidade dos tipos legais que sustentam a condenação dos investigados, não autoriza o conhecimento da alegação, pois a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que não é cabível a inovação de tese em embargos declaratórios, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Nesse sentido: ED–AgR–AREspE 0602683–40, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJE de 21.11.2023; e REspe 709–48, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 16.10.2018. 15. Não prosperam as alegações de que a corrente vencedora no julgamento embargado não teria apontado quais servidores e bens públicos foram cedidos de forma ilegal, pois o voto condutor dos arestos e os demais votos convergentes registraram que ficou evidenciado o desvio de recursos, bens e serviços públicos em favor da campanha dos investigados, pontuando que foram gastos vultosos recursos para custear o desfile cívico–militar em Brasília/DF, assim como houve apropriação de bens simbólicos e inestimáveis, a envolver desde o uso eleitoral de imagens em propaganda eleitoral até a incalculável representatividade da data cívica intencionalmente capturada como elemento de mobilização política. Ademais, os arestos embargados registram o envolvimento de diversos órgãos governamentais na organização, na realização e na cobertura jornalística dos eventos oficiais que foram sequenciados pelos eventos eleitorais dos investigados, tais como a Secretaria Especial de Comunicação Social, o Ministério da Defesa, a Empresa Brasil de Comunicação, cuja atuação ocorreu necessariamente por intermédio de agentes, servidores e empregados públicos a serviço desses órgãos e entes estatais. 16. Não há omissão a respeito da afronta à igualdade de oportunidades entre os candidatos. Como assinalado no voto condutor dos acórdãos embargados, a tipificação das condutas vedadas aos agentes públicos em campanha se assenta em presunção legal de que as práticas descritas são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, a teor do caput do art. 73 da Lei 9.504/97. Ademais, a ofensa à isonomia entre os candidatos ficou evidenciada de forma concreta, ante a demonstração de que a realização dos eventos oficiais e eleitorais por ocasião do Bicentenário da Independência, no dia 7.9.2022, produziu vantagem eleitoral competitiva ilegítima e desproporcional em favor dos embargantes, então candidatos aos cargos de presidente e vice–presidente da República, os quais fizeram exploração eleitoral dos eventos oficiais e tiveram cobertura jornalística por emissora pública de televisão, em condições não franqueadas aos demais candidatos ao pleito presidencial. 17. A alegação de que teria havido ofensa ao exercício da liberdade de expressão está dissociada dos fundamentos do acórdão embargado, no sentido de que houve desvio de finalidade eleitoral nas comemorações do Bicentenário da Independência, as quais foram exploradas em sequenciados atos eleitorais favoráveis aos investigados. Não se trata, como alegado pelos embargantes, de atribuir ilegalidade às manifestações de apoio dos presentes aos atos em questão, mas, sim, de compreender que, ao se habilitarem para concorrer às eleições, as candidatas e os candidatos se sujeitam a ter as suas condutas rigorosamente avaliadas com base em padrões democráticos, calcados na isonomia, na normalidade eleitoral, no respeito à legitimidade dos resultados e na liberdade do voto, como realçado no voto condutor dos arestos. Da alegação de omissão a respeito da ausência de elementos robustos de participação do candidato a vice–presidente nas condutas abusivas e suposto desacerto da decretação de inelegibilidade. 18. Não há omissão ou contradição dos acórdãos embargados a respeito da responsabilidade pessoal e direta do candidato ao cargo de vice–presidente da República pelas condutas abusivas, a qual foi reconhecida com base na compreensão de que ele contribuiu para a prática dos atos abusivos e a sua posição não se resumiu à de beneficiário como componente da chapa majoritária, tendo efetiva atuação, a revelar a absoluta conivência dele com os ilícitos e a conveniência de assumir papel estrategicamente relevante, sem, todavia, disputar atenção com o titular da chapa. Da alegação de ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação da multa, em suposta dissonância com a jurisprudência do TSE. 19. Não se vislumbra nenhum vício nos acórdãos embargados acerca da aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação das multas impostas aos embargantes, pois as sanções pecuniárias foram arbitradas de acordo com as circunstâncias do caso concreto, considerando a intensa reprovabilidade das condutas e a sua ampla repercussão, assim como a capacidade econômica dos demandados e o grau de participação de cada um deles. Desse modo, tendo em vista as quatro condutas vedadas praticadas pelo primeiro investigado e a gravidade da sua atuação, a maioria deste Tribunal aplicou–lhe multa no patamar máximo, por conduta praticada, totalizando o valor de R$ 425.640,00, e, quanto ao segundo embargante, por se tratar de candidato beneficiário conivente com os ilícitos e que teve participação em episódios relevantes, considerou–se compatível a imposição da multa em 50% do patamar máximo, totalizando o montante de R$ 212.820,00. 20. Na espécie, a aplicação e a dosimetria das multas impostas aos investigados estão em consonância com a jurisprudência do TSE de que: i) a multa fixada dentro dos limites legais não ofende os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (AgR–AI 2256–67, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 26.9.2018); ii) é incabível a redução da multa aplicada acima do mínimo legal por decisão fundamentada e de acordo com as circunstâncias do caso concreto (AgR–REspe 90–71, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7.8.2019); e iii) a imposição de multa em razão da prática de conduta vedada a agentes públicos em campanha é feita a partir da análise das circunstâncias fáticas do caso concreto, sendo possível a imposição de multas em valores diferentes para agentes com distintos graus de reprovabilidade em suas condutas (AgR–REspe 1843–22, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 13.9.2019). 21. Não demonstrada a existência, nos acórdãos embargados, de algum dos vícios descritos no art. 275 do Código Eleitoral, c.c. o art. 1.022 do Código de Processo Civil, a rejeição dos embargos de declaração é medida que se impõe. CONCLUSÃO Embargos de declaração rejeitados.