Jurisprudência TSE 060087741 de 28 de novembro de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Floriano De Azevedo Marques
Data de Julgamento
06/11/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo em recurso especial, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURA FICTÍCIA. CARACTERIZAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS. ACÓRDÃO RECORRIDO. ADEQUAÇÃO. NÃO PROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO1. O Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo manteve a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação de investigação judicial eleitoral proposta em desfavor dos candidatos ao cargo de vereador registrados pelo Patriotas e em face da agremiação e do seu presidente, nas Eleições de 2020, no Município de Colatina/ES, com fundamento em suposta fraude à cota de gênero.ANÁLISE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2. O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo negou seguimento ao recurso especial com fundamento nos verbetes sumulares 24 e 30 do TSE.3. Conquanto os agravantes tenham impugnado os fundamentos da decisão agravada, o agravo não pode ser provido, em razão da inviabilidade do próprio recurso especial eleitoral.Caracterização da fraude à cota de gênero4. A partir do leading case de Jacobina/BA (AgR-AREspE 0600651-94, red. para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30.6.2022), julgado que serve de paradigma para o julgamento de ações similares alusivas ao pleito de 2020, a jurisprudência deste Tribunal tem reiteradamente assentado que "a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição" (REspEl 0600001-24, rel. Min. Carlos Horbach, julgado em 18.8.2022). Na mesma linha: REspEl 0600239-73, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 25.8.2022, e AgR-REspEl 0600446-51, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 15.8.2022.5. O Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento da ADI 6.338/DF, analisou, entre outros, o entendimento firmado por este Tribunal no REspe 193-92 acerca dos elementos indiciários da fraude à cota de gênero, assentando que "fraudar a cota de gênero – consubstanciada no lançamento fictício de candidaturas femininas, ou seja, são incluídos, na lista de candidatos dos partidos, nomes de mulheres tão somente para preencher o mínimo de 30% (trinta por cento), sem o empreendimento de atos de campanhas, arrecadação de recursos, dentre outros – materializa conduta transgressora da cidadania (CF, art. 1º, II), do pluralismo político (CF, art. 1º, V), da isonomia (CF, art. 5º, I), além de, ironicamente, subverter uma política pública criada pelos próprios membros – os eleitos, é claro – das agremiações partidárias" (ADI 6.338/DF, rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, sessão virtual, DJE de 4.4.2023).6. Extraem-se do voto condutor do aresto regional as seguintes premissas fáticas do caso concreto:a) a candidata Maria das Graças Flores não obteve nenhum voto no pleito de 2020;b) ficou evidenciado que a candidata teve ínfima movimentação financeira de campanha (recebeu doação de R$ 110,00, efetuada por candidato a prefeito);c) a candidata não realizou, a seu favor, atos de campanha eleitoral, nem mesmo em ambiente virtual;d) a postulante prestou apoio aberto e inquestionável ao candidato a vereador Wagner Neumeg, com o qual mantinha relação pretérita de amizade e para o qual realizou propaganda ostensiva;e) não há sinais de início de campanha com posterior desistência.7. Na espécie, conquanto o reconhecimento da conduta fraudulenta seja matéria preclusa, por ausência de impugnação no recurso especial, o qual se limita a discutir as consequências jurídicas a serem impostas em razão da prática ilícita, verifica-se que a candidata Maria das Graças Flores obteve votação zerada, teve ínfima movimentação financeira e não realizou atos de campanha a seu favor, nem mesmo em ambiente virtual, prestando apoio aberto a outro candidato a vereador, com o qual mantinha relação pretérita de amizade e para o qual efetuou propaganda ostensiva, não havendo sinais de início de campanha com posterior desistência, o que evidencia, na linha da jurisprudência desta Corte, a prática de fraude à cota de gênero, tal como já decidido pelas instâncias ordinárias.Parâmetros do cálculo para aferição do cumprimento da cota de gênero8. Nas razões do recurso especial, os agravantes alegam que o Patriotas requereu o registro de 21 candidaturas ao cargo de vereador (14 homens e 7 mulheres) e, subtraída a candidatura fictícia de Maria das Graças Flores, restariam 20 candidatos no total (14 homens e 6 mulheres), o que corresponderia a 30% de candidaturas do gênero feminino, evidenciando que, supostamente, não teria havido mácula ao princípio da igualdade entre homens e mulheres ou afronta ao bem jurídico tutelado, e, por conseguinte, deveria prevalecer a soberania popular e não incidiriam as consequências jurídicas do reconhecimento da fraude, consistentes em anulação dos votos e cassação dos diplomas.9. A interpretação dos dispositivos atinentes à promoção da igualdade de gênero deve ser feita de modo a conferir máxima efetividade ao princípio da igualdade, o que, na espécie, consiste em levar em conta o número de candidaturas efetivamente requeridas, sem decotar, desse total, a candidatura fictícia.10. Embora alegação similar à deduzida no recurso especial tenha sido examinada, sem formação de maioria quanto ao tema, no julgamento conjunto do AREspE 0600869-93 e do AREspE 0600004-36, ambos da relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, DJE de 22.6.2023, é improcedente a alegação de que inexistiria posição firmada pelo Colegiado sobre o tema, pois a tese defendida pelos agravantes foi recentemente apreciada e rejeitada por este Tribunal Superior em caso igualmente referente às Eleições de 2020 (AgR-REspEl 0600002-09, rel. Min. Carlos Horbach, red. para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 24.8.2023), em cujo julgamento esta Corte, por maioria, reformou o aresto regional para reconhecer a fraude à cota de gênero, prevalecendo o entendimento de que o cálculo realizado pelo TRE para aferição dos percentuais de candidaturas de cada gênero estava equivocado, pois fora subtraída, do total de candidaturas, aquela fraudulentamente registrada pela agremiação.11. A existência de previsão legal e regulamentar (§ 4º do art. 17 da Res.-TSE 23.609) e de precedentes do TSE no sentido de que o número de candidaturas efetivamente requeridas é o parâmetro a ser utilizado no cálculo dos percentuais de candidaturas para cada gênero inviabiliza o acolhimento da tese recursal de que o acórdão regional incorreria em divergência jurisprudencial ao não excluir a candidatura fictícia do total de candidaturas requeridas pelo partido.12. Não merece reparos a conclusão do Tribunal de origem de que houve mácula à política afirmativa imposta pelo art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, na medida em que foi reconhecida uma candidatura feminina fraudulenta e, tendo em conta a improcedência da tese recursal alusiva aos parâmetros a serem empregados no cálculo para aferição do cumprimento da cota em apreço, verifica-se que, das 21 candidaturas efetivamente requeridas pelo Patriotas, apenas 6 foram do gênero feminino – não computada a candidatura fraudulenta –, o que equivale a aproximadamente 28,57% e não atende ao percentual mínimo legal.Consequências do reconhecimento da fraude à cota de gênero13. Deve ser rejeitada a alegação de afronta aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e do in dubio pro sufrágio, pois as consequências jurídicas do reconhecimento da fraude impugnadas no recurso especial (anulação dos votos e cassação dos diplomas) estão em harmonia com o propósito de assegurar a máxima efetividade ao princípio da igualdade e estão de acordo com a legislação e com a jurisprudência deste Tribunal, segundo a qual a fraude à cota de gênero implica a cassação de toda a chapa beneficiada, sob pena de perpetuação da burla ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. Nesse sentido: AgR-REspEl 0600859-95, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 25.5.2022, e ED-REspEl 0600035-44, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 31.8.2023.CONCLUSÃOAgravo em recurso especial eleitoral a que se nega provimento.