Jurisprudência TSE 060085087 de 13 de setembro de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
29/08/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a questão preliminar e, no mérito, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. AIJE. VEREADOR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDUTAS VEDADAS PREVISTAS NO ART. 73, I, III E IV, DA LEI DAS ELEIÇÕES. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. PROVA ROBUSTA DA OCORRÊNCIA DOS CITADOS ILÍCITOS. ÓBICE DO VERBETE SUMULAR Nº 30 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO.1. O TRE/RN manteve a sentença que julgou procedente a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), com a consequente aplicação das sanções legais, porquanto reconheceu ter havido, nas eleições municipais de 2020, captação ilícita de sufrágio praticada pelo candidato à reeleição ao cargo de vereador, bem como as condutas vedadas do art. 73, I, III e IV, da Lei das Eleições e também abuso de poder político e econômico praticado em favor da candidatura do aludido recorrente com a colaboração dos demais investigados.2. Os recorrentes aduzem que o TRE/RN não enfrentou todos os argumentos suscitados pela defesa, a qual requerera fosse esclarecida e delimitada a fundamentação relativa aos fatos efetivamente considerados pelo voto vencedor e respectivas datas, porque o Juízo responsável pelo processamento das interceptações telefônicas, buscas e apreensões e quebra de sigilo bancário e de dados telemáticos foi o da 50ª Zona Eleitoral de Parnamirim/RN, estando os áudios originais das interceptações telefônicas acessíveis ao Ministério Público desde o ajuizamento da ação, momento a partir do qual já poderiam ter sido anexados aos presentes autos, o que, contudo, não ocorreu.3. Não há falar em omissão no aresto recorrido, visto que a Corte de origem consignou expressamente que o Juízo responsável pelo processamento das interceptações telefônicas, buscas e apreensões e da quebra de sigilo bancário e dados telemáticos foi o da 1ª Zona Eleitoral da Capital e que as provas colacionadas pelo investigante, após o ajuizamento da ação, eram válidas e, portanto, comportavam valoração, pois, à época da formalização da demanda, os áudios e documentos, originários das citadas medidas cautelares, não estavam acessíveis ao autor, motivo pelo qual afastou a preliminar que pretendia a rejeição da aludida documentação. Na ocasião, registrou, ainda, que, depois da juntada dos documentos pelo Ministério Público, foram tomadas as cautelas atinentes à necessidade da observância do contraditório e da ampla defesa.4. Quanto à prática da captação ilícita de sufrágio, o TRE/RN assentou que a Associação do Centro Social de Cultura e Lazer da Criança e do Adolescente (PROAMFA), instituição privada sem fins lucrativos, que recebeu subvenção pública, com atuação no Município de Parnamirim/RN, era utilizada como fachada para um esquema organizado de favorecimento político–eleitoral em prol do vereador e candidato à reeleição, contando com o auxílio dos demais recorrentes, os quais eram responsáveis por operacionalizar as distribuições de vários benefícios (cestas de alimentos, contendo frutas e verduras, organização de sopão), além do atendimento de pedidos de natureza das mais diversas possíveis (dinheiro, óculos, material de higiene, camisas para times esportivos, entre outros), em troca dos votos dos eleitores cooptados.5. Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997, ficou caracterizada ante a presença, nos autos, de fatos ocorridos no período eleitoral, em que comprovado, por meio de conjunto robusto de provas, incluindo o conteúdo revelador das interceptações telefônicas e também o material apreendido na busca e apreensão – como quantia em espécie, máquina de contar dinheiro, listas de eleitores, caderno adesivado com propaganda eleitoral do então candidato, com descrição detalhada das datas, dos nomes de eleitores e das benesses destinadas a cada um deles (cesta básica, valores em dinheiro, pneu de moto, óculos, fardamento, etc) – o especial fim de agir do candidato em obter o voto dos eleitores.6. De acordo com o entendimento do TSE, o abuso do poder econômico se caracteriza "[...] pelo uso desmedido de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito. Precedentes" (AIJE nº 0601771–28/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgada em 28.10.2021, DJe de 18.8.2022), enquanto o aspecto político se revela quando "[...] o agente público, valendo–se de condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros" (AgR–REspEl nº 238–54/BA, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20.5.2021, DJe de 4.6.2021).7. As circunstâncias em que se deram os fatos registrados no acórdão regional são extremamente graves, na medida em que, durante a pandemia, o vereador e candidato à reeleição, com o auxílio dos demais recorrentes, não apenas cooptou ilicitamente os votos de vários eleitores, em situação de vulnerabilidade econômica, mediante o oferecimento e a entrega, por meio da PROAMFA, dos mais variados benefícios (sopa, verduras, frutas, materiais de higiene, combustível e dinheiro em espécie, etc), como também se utilizou de bem público em desvio de finalidade para promoção pessoal e eleitoral e, ainda, da máquina administrativa para favorecer a própria candidatura, mediante a destinação de verbas originárias de emendas parlamentares dele próprio e de outros vereadores àquela associação, as quais eram utilizadas para adquirir as benesses que seriam destinadas para a cooptação dos eleitores, além de ter utilizado servidores públicos durante horário de expediente em prol de sua campanha, o que revela aptidão suficiente para interferir na normalidade e na legitimidade das eleições, ficando, portanto, demonstrado o abuso de poder político e econômico.8. Nos termos da jurisprudência desta Corte, as condutas vedadas contidas no art. 73 da Lei nº 9.504/1997 se aperfeiçoam com a mera prática dos atos descritos na norma, independentemente da finalidade eleitoral, uma vez que constituem ilícitos de natureza objetiva. Precedentes.9. Não há falar em ausência de fundamentação no acórdão recorrido quanto ao ponto, tampouco em violação ao art. 73 da Lei das Eleições.10. Negado provimento ao recurso especial.