Jurisprudência TSE 060084072 de 02 de fevereiro de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Floriano De Azevedo Marques
Data de Julgamento
14/12/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial para reformar o acórdão regional e julgar procedentes os pedidos da ação de investigação judicial eleitoral, determinando: i) a declaração de inelegibilidade de todos os recorridos; ii) a cassação do mandato de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice¿prefeito do Município de Analândia/SP nas Eleições de 2020; iii) a realização de novas Eleições no município; e determinou, ainda, a imediata execução ao julgado, a fim de que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo adote as providências necessárias à realização de novas Eleições no Município de Analândia/SP, com as imediatas comunicações à Corte de origem e ao respectivo Juízo Eleitoral sobre o teor da decisão, nos termos do voto do Relator.Acompanharam o Relator, os Ministros André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE–PREFEITO ELEITOS. ABUSO DO PODER POLÍTICO. BARREIRAS FÍSICAS E SANITÁRIAS. ENTRADAS SECUNDÁRIAS. ABSTENÇÃO. VIOLAÇÃO À LIBERDADE DE VOTO. SEGURANÇA DO PROCESSO ELEITORAL. COMPROMETIMENTO. PROVAS SUFICIENTES. GRAVIDADE. QUANTITATIVA E QUALITATIVA. CASSAÇÃO DOS MANDATOS. INELEGIBILIDADE. PROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que, por unanimidade, negou provimento a recurso eleitoral e manteve sentença de improcedência do pedido inicial formulado em ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada pelos ora recorrentes em face dos recorridos, Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme, candidatos eleitos ao pleito majoritário do Município de Analândia/SP, e de Jairo Aparecido Mascia, prefeito da localidade à época dos fatos.2. Na origem, a ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada pelos Diretório Municipal do PSDB e por Silvana Márcia Perin Campbell Penna, candidata ao cargo de prefeito no mesmo pleito, foi destinada a apurar a prática de abuso do poder político pelos recorridos, em decorrência de instalação, no dia do pleito, de barreiras físicas e sanitárias nas entradas do município, dificultando o exercício do direito de voto dos eleitores.3. No apelo especial, os recorrentes postulam a reforma do aresto regional, com a condenação de todos os recorridos às sanções de inelegibilidade, e a cassação dos mandatos eletivos de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice–prefeito do Município de Analândia/SP.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIALENTENDIMENTO DA CORTE REGIONAL4. No caso, o TRE/SP considerou a existência de provas suficientes quanto ao excesso na conduta dos recorridos, ao instalar barreiras físicas e sanitárias nas entradas do Município de Analândia no dia do pleito e ao impedir o exercício do direito de sufrágio por alguns eleitores, contudo, considerou que a conduta não foi revestida de gravidade suficiente a justificar as sanções previstas na LC 64/90.REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOSFUNDAMENTO LEGAL E JURISPRUDENCIAL5. O art. 22 da LC 64/90 determina que, provocada, a Justiça Eleitoral tem o poder–dever de investigar condutas que caracterizem desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social.6. De acordo com o inciso XIV do mesmo dispositivo legal, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.7. Consoante jurisprudência deste Tribunal, o abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas (AIJE 0600814–85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023).8. No mesmo precedente, esta Corte reafirmou entendimento de que a gravidade é elemento típico das práticas abusivas, que se desdobra em um aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e outro quantitativo (significativa repercussão em um determinado pleito), destacando, ainda, que seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa.EXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS DA PRÁTICA DE ABUSO DO PODER POLÍTICO9. No caso, considerando que o próprio Tribunal de origem concluiu pela existência de provas suficientes quanto à materialidade do abuso das condutas praticadas pelo prefeito do Município de Analândia/SP à época dos fatos, em benefício e com a anuência dos demais recorridos, eleitos aos cargos majoritários, e diante da exaustividade de fundamentos apresentados pela Corte de origem, considero despiciendo adentrar a análise da comprovação da abusividade das condutas, não havendo nenhuma dúvida quanto ao ponto.GRAVIDADE DA CONDUTA10. Observo que o TRE/SP levou em consideração apenas a potencialidade de o fato alterar o resultado do pleito, e não a gravidade das circunstâncias do ato abusivo em si, porquanto concluiu que: i) se tratou de excessos limitados às primeiras horas do dia da eleição e apenas na entrada principal da cidade; ii) não teria provas de que tenham ocorrido abusos nas demais entradas da cidade que não foram fechadas; e iii) seria praticamente impossível que, caso não ocorressem tais fatos, fosse alterado o resultado obtido.11. A mera instalação das barreiras físicas e sanitárias no dia das eleições, determinada por decreto municipal expedido pelo prefeito à época dos fatos, já caracteriza fator suficiente para demonstração da gravidade exigida para configuração do ato abusivo, pois a conduta do primeiro recorrido transbordou o uso das prerrogativas do seu cargo público, com desvio de finalidade em favor dos demais recorridos (eleitos aos cargos majoritários do município), violando, além dos direitos fundamentais do indivíduo de ir e vir e da liberdade ao voto, a segurança do processo eleitoral.12. Este Tribunal, no julgamento da AIJE 0600814–85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023, assentou que a tríade para a apuração do abuso (conduta, reprovabilidade e repercussão) se aperfeiçoa diante de: i) prova de condutas que constituem o núcleo da causa de pedir; ii) elementos objetivos que autorizem estabelecer juízo de valor negativo a seu respeito, de modo a afirmar que as condutas são dotadas de alta reprovabilidade (gravidade qualitativa); iii) elementos objetivos que autorizem inferir com necessária segurança que essas condutas foram nocivas ao ambiente eleitoral (gravidade quantitativa).ASPECTOS QUALITATIVOS. REPROVABILIDADE.13. Considerando que a reprovabilidade diz respeito a quanto as condutas foram capazes de influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos, cito as seguintes circunstâncias aptas a demonstrar a gravidade qualitativa:a) uso da máquina pública pelo recorrido Jairo Mascia, prefeito à época, com expedição do Decreto Municipal 2306, em 12 de novembro de 2020, para implantação de barreiras físicas e sanitárias no dia das Eleições, com suposto intuito de impedir a transmissão de Covid–19;b) utilização de bens e recursos públicos, para contratação de empresa de segurança privada e fechamento das entradas secundárias do município, parando apenas veículos que lhes interessassem e dificultando a entrada de alguns eleitores da área rural aos seus locais de votação;c) participação dos recorridos de grupo de Whatsapp, denominado "Somos 10" com conversas registradas em ata notarial, onde constaram mensagens e áudios revelando a real intenção do fechamento das entradas da cidade;d) descumprimento do protocolo sanitário expedido pelo Tribunal Superior Eleitoral para as Eleições de 2020, que orientava a não medição de temperatura no dia do pleito para não dificultar o direito do eleitor ao voto;e) desrespeito à ordem judicial de retirada das barreiras físicas, comprovada por áudios enviados por apoiadores e parentes dos recorridos no grupo de Whatsapp do qual eles participavam, que demonstraram o intuito claro de retardar o cumprimento da liminar;f) constrangimento de eleitores a não entrarem na cidade, com divulgação de informações falsas de que veículos e pessoas estavam sendo presas, o que foi demonstrado nos áudios do grupo de Whatsapp e em dez declarações juntadas aos autos, por eleitores que não teriam conseguido chegar ao local de votação;g) ação dos seguranças privados que, de posse de relatório dos eleitores, impediam o acesso de alguns, a depender da informação que prestavam, o que foi comprovado por depoimentos de duas testemunhas, que convergem com as declarações apresentadas nos autos, no sentido de que alguns eleitores deixaram de votar.ASPECTOS QUANTITATIVOS. REPERCUSSÃO.14. A jurisprudência fixou entendimento de que, para fins de constatação do grau de gravidade dos fatos, além dos critérios qualitativos, que correspondem ao grau de reprovação da conduta praticada, devem ser apurados elementos quantitativos que podem ser mensurados sob um viés mais criterioso, que envolve cada situação concreta, de modo a averiguar se houve mácula à legitimidade e à normalidade das Eleições.15. Em julgado desta Corte, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, ficou assentado que "o critério quantitativo se orienta pela repercussão do ilícito diante da dimensão numérica do colégio eleitoral, circunstância a ser observada a partir de elementos como reiteração da conduta, sua proximidade com o pleito e meios em que propagada" (AgR–REspe 151–35, DJE de 29.8.2016).16. Não se desconhece a jurisprudência firmada no sentido de que o número de votos entre o primeiro e o segundo colocado não deve ser considerado fator essencial para configuração do abuso, contudo, no presente caso, os referidos dados numéricos (pequena diferença de votos entre os candidatos e o alto percentual de abstenção) foram capazes de demonstrar a gravidade das condutas sob o viés quantitativo, pois repercutiram na normalidade do pleito.17. Considerando as informações colhidas do portal de dados aberto deste Tribunal relativas ao pleito de 2020 no Município de Analândia e as premissas constantes do aresto regional, destaco os seguintes elementos objetivos e quantitativos que demonstram a gravidade das circunstâncias, por ferir a legitimidade do pleito e a igualdade entre os candidatos:a) aproximadamente 20% da população do município residia em área rural, e, conforme demonstrado, foi este o eleitorado prejudicado no direito de voto;b) nas Eleições de 2020, ocorreu maior abstenção (23,84%), comparando–se com os pleitos de 2016 e 2012, que foi, respectivamente, de 13,24% e 14,17%;c) a candidata recorrente teve seu registro de candidatura indeferido, com declaração de nulidade técnica de seus votos, mas, pelo fato de seu nome ter constado nas urnas, observou–se a diferença de apenas 101 votos com relação aos recorridos, o que demonstra que a concorrência foi acirrada no município.CONCLUSÃORecurso especial eleitoral a que se dá provimento, para julgar procedente o pedido formulado na ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), determinando:i) a declaração de inelegibilidade de todos os recorridos;ii) a cassação do mandato de Paulo Henrique Franceschini e Clodoaldo Guilherme aos cargos de prefeito e vice–prefeito do Município de Analândia/SP nas Eleições de 2020;iii) realização de novas eleições, de acordo com o art. 224, § 3º, do Código Eleitoral;iv) o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão.