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Jurisprudência TSE 060082869 de 20 de marco de 2024

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Benedito Gonçalves

Data de Julgamento

17/10/2023

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a questão preliminar, e no mérito, julgou improcedente o pedido formulado na ação de investigação judicial eleitoral, nos termos do voto do relator, com a ressalva parcial de fundamentação dos Ministros Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares. Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Ementa

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. ELEIÇÃO PRESIDENCIAL. CANDIDATO À REELEIÇÃO. LIVE SEMANAL. DIVULGAÇÃO DE ATOS DE GOVERNO. ALTERAÇÃO DE FINALIDADE. PROMOÇÃO DE CANDIDATURAS. ATO PÚBLICO DE CAMPANHA. PALÁCIO DO PLANALTO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INEXISTÊNCIA DE SÍMBOLOS OSTENSIVOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE PROVA DE USO DE OUTROS RECURSOS PÚBLICOS. ABUSO DE PODER POLÍTICO NÃO CONFIGURADO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.1. Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) destinada a apurar a ocorrência de abuso de poder político, em virtude de live eleitoral realizada em 18/08/2022 pelo então Presidente da República, candidato à reeleição, supostamente realizada no Palácio do Planalto, com transmissão nas redes sociais.2. Durante a transmissão, que havia se iniciado com costumeira abordagem dos atos de governo e mensagens políticas em sentido amplo, o primeiro investigado anunciou que realizaria "horário eleitoral gratuito" e pediu voto para si e para dezessete aliados políticos, exibindo "santinhos".3. Na hipótese, o autor alega que houve desvio de finalidade eleitoreiro de live tradicionalmente realizada às quintas-feiras pelo ex-Presidente da República, uma vez que bens e serviços públicos e prerrogativas do cargo teriam sido usados em favor de sua candidatura à reeleição. Afirma-se que o primeiro investigado tirou proveito da audiência atraída pela divulgação de atos de gestão, para em seguida fustigá-la com propaganda eleitoral, alcançando ampla divulgação nas redes.4. Em contrapartida, os investigados negam que se tenha evidência de que a transmissão ocorreu no Palácio do Planalto, e salientam que "[n]ão há a presença de qualquer dos símbolos da República (bandeira nacional, brasão ou selo), biblioteca, fotografias ou qualquer meio de identificação do local que pudesse, eventualmente, ensejar algum ganho competitivo ao candidato". Defendem o direito de o candidato à reeleição se valer do capital político amealhado nas redes sociais para conseguir projetar sua candidatura e as de pessoas por ele apoiadas.I. PreliminarPreliminar de violação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório (suscitada pelos investigados)5. Incumbe ao relator do processo, à vista da controvérsia e dos documentos e requerimentos produzidos pelas partes na fase postulatória, proceder ao julgamento antecipado do mérito, "quando não houver necessidade de produção de outras provas" (art. 355, I, CPC).6. O processo não comporta atos inúteis e, por isso mesmo, o saneamento e a organização do processo, em decisão própria que leve à abertura da fase instrutória, é providência que só tem lugar se for afastada a hipótese de julgamento antecipado (art. 357, caput, do CPC).7. As alegações finais são a oportunidade das partes para cotejar a petição inicial e a defesa com as provas produzidas, "finda a instrução" (art. 364, caput e § 2º, CPC).8. No âmbito eleitoral não é diferente. O procedimento da AIJE abre oportunidade para as alegações finais uma vez "encerrado o prazo de dilação probatória" (art. 22, X, LC nº 64/1990).9. Na hipótese dos autos, o autor se limitou, na petição inicial, a juntar vídeo contendo a live objeto da ação, links e prints. Meu antecessor, então Relator, determinou a citação dos investigados e, ato contínuo, a remessa à Procuradoria-Geral Eleitoral. A contestação trouxe mero protesto genérico por provas. A PGE opinou pela improcedência do pedido.10. Observa-se que o contraditório foi assegurado com a citação, quando os investigados puderam se manifestar sobre a prova trazida com a inicial. Puderam, também, requerer provas, mas não o fizeram, operando-se a preclusão. Não houve abertura de fase instrutória e, com isso, tampouco ensejo para alegações finais.11. O único ato subsequente à contestação é o parecer ministerial que propõe o julgamento do mérito. Ao longo de mais de um ano, os investigados não sinalizaram que o parecer teria sido precoce, ou que se ressentissem da falta de decisão saneadora.12. Não há nos autos determinação de uso de prova emprestada, e os investigados mostram-se cientes de que a conexão reconhecida na AIJE nº 0601665-27, quando examinado requerimento da PGE formulado naquele processo, não se funda em identidade de fatos. Ilógico, portanto, requererem abertura de prazo para falarem a respeito de provas produzidas em outras ações, sobre fatos distintos.13. À luz dessas singelas constatações, o requerimento de retirada do feito da pauta, formulado sob o pretexto de que deveriam ser praticados atos preclusos, inúteis ou incompatíveis com os limites da controvérsia, não observa o dever de cooperação e beira a turbação processual.14. Preliminar rejeitada.II. MéritoPremissas de julgamento15. O abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas.16. A gravidade é elemento típico das práticas abusivas, que se desdobra em um aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e outro quantitativo (significativa repercussão em um determinado pleito). Seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa.17. O núcleo fático do abuso de poder político pode recair sobre condutas vedadas aos agentes públicos, cuja tipificação se assenta em presunção legal de que as práticas descritas são "tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais" (art. 73, caput, da Lei nº 9.504/1997).18. A cessão ou uso de bens móveis ou imóveis da administração pública em benefício de campanhas eleitorais são, em regra, vedados (art. 73, I, Lei nº 9.504/1997).19. A jurisprudência do TSE, interpretando a regra com atenção à finalidade de assegurar a igualdade de condições entre as candidaturas, permite a captura de imagens de bens públicos para serem utilizadas na propaganda, desde que realizada em espaços que sejam acessíveis a todas as pessoas. Veda-se, assim, que os agentes públicos se beneficiem da prerrogativa de adentrar aos locais em razão do cargo e lá realizar gravações, conforme precedente das Eleições 2014 que resultou na aplicação de multa por conduta vedada à candidata à reeleição para o cargo de Presidente.20. Há, ainda, exceção legal em favor dos Chefes do Executivo candidatos à reeleição, que podem utilizar "de suas residências oficiais para realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público" (art. 73, § 2 º, Lei nº 9.504/1997).21. Os atos de campanha que a lei permite que sejam realizados na residência oficial são eminentemente voltados para arranjos internos, permitindo-se ao Chefe do Executivo receber interlocutores, reservadamente, com o objetivo de traçar estratégias e alianças políticas. Não se permite a realização de atos públicos, em que o candidato se apresente ao eleitorado com o objetivo de divulgar propaganda. Além disso, a sede do governo não pode ser usada para fins eleitorais.22. A vedação de cessão de servidor público para prestar serviços à campanha durante o horário de expediente normal (art. 73, III, Lei nº 9.504/1997) deve ser interpretada sopesando-se a moralidade pública e a liberdade de manifestação política. Desse modo, "para a incidência da vedação [...], é necessário que se verifique o uso efetivo do aparato estatal em prol de determinada campanha", inexistindo restrição ao "mero engajamento eleitoral de servidor público, fora do exercício das atribuições do cargo" (AgInt em AI nº 126-22, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16/08/2019).23. As transformações das campanhas eleitorais no novo paradigma comunicacional, que é o da comunicação em rede (muitos-para-muitos), são inquestionáveis. A expansão do uso eleitoral das redes sociais amplificou a divulgação de mensagens por candidatas e candidatos de forma exponencial. Esse fator, em geral benéfico ao debate democrático, deve também ser levado em conta para se aferir a ocorrência de ilícitos eleitorais.24. Essa premissa contextual não é novidade, pois foi assentada em precedente paradigmático das Eleições 2018, no qual se reconheceu que a internet constitui meio de comunicação para fins de apuração de abuso de poder conforme a legislação eleitoral (RO-El nº 0603975-98, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 10/12/2021).25. O precedente repele a possibilidade de que campanhas se refugiem na internet para burlar restrições legais e para fraudar a finalidade precípua de proteção à isonomia, à normalidade, à legitimidade eleitoral, à liberdade do voto e à moralidade pública. Assim, ao preparar e realizar atos virtuais de campanha, agentes públicos devem necessariamente respeitar as vedações impostas pelo art. 73 da Lei nº 9.504/1997.26. As lives eleitorais consistem em ato de campanha destinado a atrair eleitoras e eleitores e potencializar o alcance da propaganda, com ganhos de audiência e redução de custos. Considerando tanto o uso do meio de comunicação que utilizam quanto a finalidade do ato, não há como negar que possuem caráter público.27. Nas Eleições 2014, o TSE havia considerado lícito "o uso da residência oficial e de um computador para a realização de ¿bate-papo¿ virtual, por meio de ferramenta (face to face) de página privada do Facebook". O raciocínio então adotado foi o de que, se o perfil na rede social é privado, comunicações feitas a partir dele também seriam. Considerou-se assim que "a candidata à reeleição não pode controlar a repercussão do seu ¿bate papo¿ virtual com seus ¿amigos¿ de redes sociais" (RP 848-90, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 01/10/2014).28. As circunstâncias descritas no julgado não se amoldam à realidade das lives eleitorais, atos que se valem de meio de comunicação de alcance massivo, em um mundo em que "amigos" deram lugar a "seguidores". A projeção da mensagem em ambiente público é da essência da live. A repercussão instantânea sobre um elevado número de pessoas, efeito que se designa por "viralização", é um objetivo buscado em uma live, e não um resultado acidental de um bate-papo.29. Julgados relativos às Eleições 2020 demonstram, de forma consistente, que os meios utilizados para realizar campanhas virtuais devem observar as mesmas regras aplicáveis aos meios analógicos. Permitiu-se, por isso, realizar evento de arrecadação, transmitido pela internet, com apresentação artística, por se tratar de prática albergada pelo art. 23, § 4º, V, da Lei nº 9.504/1997 (TutCautAnt nº 0601600-03, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 05/11/2020). De outro lado, puniu-se a realização de Showmício transmitido pela internet ("livemício"), por violar o art. 39, § 7º, da Lei n° 9.504/1997 (AgInt em REspEl nº 0600518-82, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 10/03/2022).30. Em julgado atinente às Eleições 2022, assinalou-se que o reconhecimento do desvio de finalidade eleitoreiro de bens, serviços e prerrogativas da Presidência da República, para fins de configuração do abuso de poder político, não depende da comprovação de emprego de recursos patrimoniais elevados. A exploração eleitoral de símbolos do Poder Público afeta bens impassíveis de serem estimados financeiramente e transmite sentidos perceptíveis pelo eleitorado que podem redundar em quebra de isonomia (AIJE nº 0600814-85, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 01/08/2023).31. Conclui-se, assim, que:31.1 Lives eleitorais, assim entendidas como transmissões em meio digital, realizadas por candidatas e candidatos ou seus apoiadores com o objetivo de promover candidaturas e conquistar a preferência do eleitorado, mesmo sem pedido explícito de voto, constituem atos de campanha eleitoral de caráter público;31.2 Aplica-se às lives eleitorais a regra geral de proibição do uso de bens públicos, móveis e imóveis, e de cessão de servidores públicos em horário de expediente, seja para sua realização, seja para sua transmissão (art. 73, I e III, Lei nº 9.504/1997);31.3 A exceção legal que torna lícito o uso da residência oficial por Chefes do Executivo refere-se a atos de caráter reservado, como contatos, encontros e reuniões, e ainda restritos à sua própria campanha, não se estendendo às lives eleitorais ou a outros atos de caráter público em favor da candidatura do agente público ou de terceiros (art. 73, § 2º, Lei nº 9.504/1997);31.4 Estendem-se às lives eleitorais e a entrevistas transmitidas por internet, rádio e televisão tanto a permissão jurisprudencial para a gravação de propaganda eleitoral em bens públicos em espaços acessíveis a qualquer pessoa, quanto a vedação de se utilizar espaços que os agentes públicos somente acessam em decorrência de prerrogativas do cargo;31.5 Os bens simbólicos associados ao cargo ocupado por agentes públicos integram o patrimônio público imaterial, cujo vulto não pode ser reduzido por argumentos de ordem pecuniária, sendo vedada sua exibição em lives eleitorais;31.6 Servidoras e servidores públicos, durante seu horário de expediente, não podem prestar serviços destinados à realização ou transmissão de lives eleitorais.Fixação da moldura fática32. O vídeo contendo a live, juntado aos autos, mostra o primeiro investigado em uma sala de aparência comum. Ele informa local, dia e horário da transmissão (Brasília, 18/08/2022, 19h00). O candidato diz que se faz acompanhar de intérprete de libras apresentada como "Elizângela". A veiculação dura aproximadamente 54 minutos.33. A fala do então Presidente da República abarca realizações do governo, como redução de impostos e do preço de combustíveis, medidas para garantir segurança alimentar, defesa da propriedade privada, distribuição de títulos de terras, Auxílio Brasil, privatização, desmatamento e agronegócio.34. Os temas são amarrados a "comparações" com denominados "governos de esquerda", sendo indicado pelo então candidato que isso serviria para avaliar se o Brasil deveria continuar no caminho que está ou mudar.35. Nessa linha de comparação, o primeiro investigado apresenta críticas ao seu principal adversário no pleito, ao qual imputa condutas desabonadoras. Busca também incutir alarmismo no público ao descrever um cenário de grandes riscos à democracia, à liberdade de expressão, à liberdade econômica e à família.36. Na última parte da live, aproximadamente 10 minutos são dedicados ao que o ex-Presidente denomina "horário eleitoral gratuito". São apresentadas 17 candidaturas para os cargos de governador e senador, com pedido de apoio e voto do eleitorado dos estados respectivos. Na maior parte dos casos, é anunciado o número e exibido material gráfico das campanhas.37. Quanto ao conteúdo, não há dúvidas de que foi veiculada mensagem de cunho eleitoral, pois, já no período de propaganda: a) foram apresentadas realizações do governo com comparativo entre candidaturas; b) houve críticas contundentes ao principal adversário do primeiro investigado, feitas com deliberado propósito comparativo; e c) houve divulgação de apoio a candidaturas estaduais e pedido de voto.38. Quanto ao alcance, o candidato anuncia que, somadas as plataformas Facebook, Instagram e Kwai, a audiência ao vivo atingiu aproximadamente 90.000 pessoas. Menciona, ainda, que as retransmissões não estão computadas nesse total.39. O autor informou que, na data de ajuizamento da ação, a live contava com 346.000 visualizações, dado que não foi contestado.40. A prova dos autos contempla também links para matérias jornalísticas que noticiam declaração do então Presidente, feita em março de 2019, de que passaria a realizar lives semanais, às 18h30 das quintas-feiras, para tratar dos principais assuntos da semana, "dar uma resposta" abordar sugestões sobre "como atender população e deixar a vida mais fácil".41. A correlação entre a atividade semanal do então Presidente nas redes sociais desde 2019 e a transmissão objeto desta AIJE é evidenciada no conteúdo albergado no canal do YouTube e no perfil de Facebook do primeiro investigado, que usam a legenda "Live da Semana ¿ Presidente Jair Bolsonaro ¿ 18/08/2022" e "Live da semana / PR Jair Bolsonaro (18/08/2022)".42. A despeito desta correlação, não foi comprovado que a live de 18/08/2022 tenha sido realizada nas dependências privativas do Palácio do Planalto, uma vez que: a) não consta dos autos registro documental a esse respeito; b) o local da transmissão não foi mencionado durante a live; e c) o cenário em que realizada a transmissão não permite notória associação ao citado bem público, pois contém apenas uma parede branca, uma mesa de pedra na cor preta e cadeiras do estilo gamer, estando ausente qualquer bem simbólico da Presidência da República.43. Embora referido na inicial que os serviços da intérprete de libras teriam sido custeados pelo Erário, não houve prova nesse sentido. A intérprete chegou a ser ouvida como testemunha na AIJE nº 0601212-32, a requerimento dos investigados. Na data da oitiva, a AIJE ora em apreciação já contava com parecer ministerial, razão pela qual a testemunha não foi inquirida a respeito da atuação na live de 18/08/2022, que aqui se discute.Subsunção dos fatos às premissas de julgamento44. A "prova robusta", necessária para a condenação em AIJE, equivale ao parâmetro da prova "clara e convincente" (clear and convincing evidence).45. A tríade para apuração do abuso ¿ conduta, reprovabilidade e repercussão ¿ se perfaz diante de: a) prova de condutas que constituem o núcleo da causa de pedir; e b) elementos objetivos que autorizem: b.1) estabelecer um juízo de valor negativo a seu respeito, de modo a afirmar que são dotadas de alta reprovabilidade (gravidade qualitativa); e b.2) inferir com necessária segurança que essas condutas foram nocivas ao ambiente eleitoral (gravidade quantitativa).46. Na hipótese, está caracterizada a realização de ato público de campanha consistente em live eleitoral em benefício da candidatura dos investigados e de terceiros, realizada em 18/08/2022, com transmissão em canais e redes sociais do então Presidente da República.47. No entanto, não foi possível definir, com necessária segurança, que a live foi realizada no Palácio do Planalto, pois:47.1 Essa circunstância não foi anunciada pelo primeiro investigado durante a live;47.2 As matérias jornalísticas não contêm material documentado (fotos e vídeos) que permitam iniciar algum cotejo com o vídeo da transmissão questionada nos autos;47.3 Tal como alegado na defesa, nas imagens da live de 18/08/2022 "[n]ão há a presença de qualquer dos símbolos da República (bandeira nacional, brasão ou selo), biblioteca, fotografias ou qualquer meio de identificação do local que pudesse, eventualmente, ensejar algum ganho competitivo ao candidato".48. Ausente prova robusta de que o Palácio do Planalto e serviços de intérprete de libras custeados pela União tenham sido utilizados na realização da live eleitoral de 18/08/2022, não se configuram as condutas vedadas previstas nos incisos I e III do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.49. Sob outro ângulo, o autor não apresentou argumentos suficientes para inaugurar o debate jurídico visando definir se a habitual e ostensiva priorização do uso de contas pessoais do Presidente da República para divulgar atos oficiais permite caracterizá-las como ferramenta de governo. Esse seria o ponto de partida para tratar da segunda imputação de abuso de poder político, deduzida, de forma autônoma, com base no alegado desvirtuamento drástico da transmissão realizada em 18/08/2022.50. Assim, apesar de se constatar que a live eleitoral foi transmitida nos canais, dia da semana e horário tradicionalmente reservados pelo ex-Presidente da República para se comunicar com a população ao longo do mandato, não é possível concluir, no atual estágio de compreensão da matéria, que lhe fosse vedado alterar a destinação do programa para atender a seus interesses eleitorais.51. Ausente a prova da prática das condutas que compõem o núcleo fático da causa de pedir, fica prejudicado o exame da gravidade.52. Conclui-se pela não configuração das condutas vedadas pelo art. 73, I e III da Lei nº 9.504/1997 e, por conseguinte, pela não configuração do abuso de poder político.III. Dispositivo53. Preliminar rejeitada.54. Pedido julgado improcedente.


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