JurisHand AI Logo
|

Jurisprudência TSE 060081868 de 19 de outubro de 2021

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Sergio Silveira Banhos

Data de Julgamento

21/09/2021

Decisão

(Julgamento conjunto: ROs 0600818-68 E 0601576-47) O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares, nos termos do voto do Relator. No mérito, por maioria, negou provimento aos recursos para manter as sanções aplicadas aos recorrentes e determinou a imediata comunicação ao Tribunal Regional para que, independentemente da publicação de acórdão, proceda a retotalização das últimas eleições, para o cargo de deputado estadual do Estado de Sergipe, computando¿se como anulados os votos atribuídos à Maria Valdina Silva Almeida, nos termos do voto do Relator. Vencidos, parcialmente, quanto à condenação de Diógenes José de Oliveira Almeida, e a configuração do abuso de poder político, os Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (Presidente). Votaram com o Relator os Ministros Carlos Horbach, Edson Fachin, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques.Falaram: pelos recorrentes, Diógenes José de Oliveira Almeida e Maria Valdina Silva Almeida, o Dr. Renato Oliveira Ramos; e pela recorrida, Maria das Graças Souza Garcez, os Drs. Carlos Eduardo Frazão do Amaral e Fabiano Freire Feitosa.Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Ementa

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. UTILIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. IMPULSIONAMENTO ILÍCITO DA CANDIDATURA. FALSO CADASTRAMENTO DA POPULAÇÃO EM PROGRAMA HABITACIONAL. FINALIDADE ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO. CONFIGURAÇÃO. DOAÇÃO DE CAMPANHA. UTILIZAÇÃO DE VALORES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. UTILIZAÇÃO DE CONTAS DE PASSAGEM. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. RECURSO IMPROCEDENTE. CASSAÇÃO DE DEPUTADO ESTADUAL. INELEGIBILIDADE DE EX–PREFEITO. ART. 22 DA LC 64/90. ACÓRDÃO MANTIDO.SÍNTESE DO CASO1. Foram ajuizadas quatro Ações de Investigação Judicial Eleitoral em face dos recorrentes, Maria Valdina Silva Almeida e Diógenes José de Oliveira Almeida, Deputada Estadual eleita em 2018 e ex–prefeito do município de Tobias Barreto/SE, ambos casados, por abuso de poder político e abuso de poder econômico.2. Foram apuradas diversas condutas: i) "Onda Azul", que consistiu na similitude entre as logomarcas do município e da campanha e pela utilização simultânea da mesma cor (azul); ii) entrega, em 12.9.2019, de cinco veículos à população em evento festivo; iii) realização de campanha com entrega de panfletos em municípios vizinhos, em 25.9.2018; iv) inscrição popular no programa "Minha Casa, Minha Vida", iniciado em 9.8.2018 para imóveis desenquadrados; v) utilização da Rádio Luandê (de propriedade da família dos recorrentes) de forma ostensiva em favor da candidatura; vi) utilização de verba pública com propagandas festivas do município em pleno período eleitoral para alavancar a campanha da recorrente; e vii) doações irregulares de servidores públicos municipais para a campanha da recorrente.3. As ações foram autuadas sob os números 0600818–68, 0601379–92, 0601496–83 e 0601576–47, as quais foram julgadas em conjunto pelo TRE/SE, com base no art. 96–B da Lei 9.504/97. A AIJE 0601496–83, foi extinta com resolução de mérito, devido a decadência do direito de ação por ausência de inclusão de litisconsorte passivo necessário. A AIJE 0601379–92 foi julgada improcedente. A AIJE 0600818–68 foi julgada procedente e a AIJE 0601576–47 foi julgada parcialmente procedente para cassar o mandato da recorrente e declarar a inelegibilidade dos dois recorrentes pelo prazo de 8 anos contados do pleito de 2018, pela prática de abuso de poder político e econômico, com base no art. 22 da LC 64/90.4. O Regional, por maioria, considerou procedentes os pedidos relativos às seguintes condutas: (i) "Onda Azul", que consistiu na similitude entre as logomarcas do município e da campanha e pela utilização simultânea da mesma cor (azul); (ii) inscrição popular no programa "Minha Casa, Minha Vida", iniciado em 9.8.2018 para imóveis desenquadrados; (iii) doações irregulares de servidores públicos municipais para a campanha da recorrente.5. Entendeu a Corte, para a primeira conduta, que houve: "A existência de liame entre a administração municipal e a campanha da segunda investigada, caracterizado pela similitude entre as logomarcas do município e da campanha e pela utilização simultânea da mesma cor (azul) – o que gerou uma semelhança de identificação visual entre elas –, bem como pelo uso de lema da campanha em postagem na página do marido–prefeito em rede social, caracteriza abuso de poder político por incutir no eleitor menos esclarecido a noção de que a então candidata teria alguma ligação com as atividades desenvolvidas pela municipalidade e de que sua escolha seria a mais conveniente para o município" (ID 38131138, p. 2).6. Para a segunda conduta, que: "O chamamento generalizado da população para inscrever–se para ¿ter sua casa própria', no início do período eleitoral, seguido de conversão em chamamento para apuração de déficit habitacional, no curso do referido período, configura abuso do poder político, na medida em que gera dividendos eleitoreiros em benefício da esposa–candidata, mormente quando o esposo–prefeito tinha pleno conhecimento de que o ente municipal não atendia todos os requisitos para o financiamento habitacional anunciado – Programa Minha Casa Minha Vida – e de que o levantamento do déficit habitacional era atribuição de fundação indicada em norma do Ministério das Cidades" (ID 38131038, p. 3).7. Para a terceira conduta, que "A utilização indevida de recursos financeiros pela segunda investigada, recebendo em sua campanha dinheiro aportado mediante suspeitas transmissões sucessivas, que inviabilizam a identificação real da sua origem, ocorrida em circunstâncias gravíssimas, com aptidão para desequilibrar a disputa e comprometer seriamente a regularidade do pleito, configura evidente hipótese de abuso do poder econômico, além de impossibilitar o uso de tais recursos na campanha" (ID 38131038, p. 3).8. Em recursos ordinários, conjuntamente interpostos, os recorrentes alegam, em sede preliminar, a decadência do direito de ação, no tocante ao pedido de condenação por abuso de poder econômico decorrente de financiamento irregular de campanha, tendo em vista que não foram indicados os litisconsortes passivos necessários.9. No mérito, sustentam que não se configurou o abuso de poder político, por ausência de gravidade das condutas consistentes na utilização da mesma cor do município de Tobias Barreto/SE na campanha da recorrente, bem como no cadastramento no programa "Minha Casa, Minha Vida".10. Com relação à conduta denominada "Onda Azul", não haveria ilegalidade, pois não existe proibição legal do uso de cores adotadas por ente público em campanha eleitoral na mesma circunscrição, o que afastaria a conclusão da Corte de origem quanto ao desequilíbrio no pleito e, em consequência, a configuração de abuso de poder político; bem como seria "natural e esperado não só que o próprio eleitorado, independentemente de qualquer esforço do candidato nesse sentido, atrele a candidatura de cônjuge do chefe municipal à forma de condução da prefeitura por seu esposo, como também que presuma a união de esforços e desígnios no caso de êxito eleitoral" (ID 38132738, p. 18).11. Os elementos dos autos não seriam capazes de demonstrar o ilícito, tendo em vista que as fotos apresentadas nos autos demonstraram apenas a utilização da cor azul na campanha da recorrente, que é a mesma do partido pelo qual concorreu (Podemos), não tendo sido comprovada a predominância da cor azul nos imóveis da administração municipal. 12. A Corte de origem não demonstrou a gravidade das condutas e o desequilíbrio do pleito, na forma exigida no inciso XVI do art. 22 da LC 64/90 e na jurisprudência deste Tribunal Superior.13. Quanto à conduta de cadastramento popular no programa habitacional Minha Casa Minha Vida, também não se demonstrara a gravidade das circunstâncias, tendo o Tribunal de origem fundamentado a configuração do abuso de poder político exclusivamente em presunções, já que não demonstrou o vínculo entre o programa habitacional e a candidatura da recorrente, tampouco de que forma tal conduta teria causado desequilíbrio no pleito.14. "Em nenhum momento foi informado à população que o cadastro resultaria no recebimento da casa própria" (ID 38132738, p. 30), pois, além de o munícipe receber, no momento da inscrição no programa habitacional, um documento com essa informação, a administração municipal cuidou de realizar publicação com o mesmo intuito informativo.15. Não há nos autos notícia de comparecimento dos recorrentes aos atos vinculados ao referido cadastramento, tampouco houve exploração do tema na campanha eleitoral da recorrente por qualquer meio.16. No tocante ao suposto financiamento irregular da campanha da candidata recorrente, não foram apresentadas provas cabais do liame entre eventual conduta da recorrente e os recursos supostamente irregulares, tampouco demonstrou–se que a conduta se revestiu de gravidade suficiente a macular a higidez do pleito, o que afastaria a configuração do abuso de poder político e econômico.17. Os doadores fizeram as doações voluntariamente, conforme consta dos seus depoimentos. Mesmo não possuindo o valor em conta, tinham movimentação bancária compatível com tais doações, e o fato de eles ocuparem cargos comissionados no município não demonstra irregularidade eleitoral.18. Foram apresentadas contrarrazões por Maria das Graças Souza Garcez (ID 38133588 e 37688838), por Adilson de Jesus Santos no âmbito da AIJE 0600818–68 (ID 38132938) e pelo Ministério Público Eleitoral na AIJE 0601576–47 (ID 37688238), pugnando pelo desprovimento do recurso.19. A Procuradoria–Geral Eleitoral, em seu parecer, opinou pelo desprovimento dos recursos (ID 49308088 e 49308188) por entender que o litisconsórcio foi regularmente observado pelo autor da ação ao incluir no polo passivo somente as pessoas a quem foram atribuídas a prática de ilícitos eleitorais. E, no mérito, que o acervo probatório, globalmente analisado, demonstra o falso cadastramento para recebimento de casas do programa "Minha Casa Minha Vida" no período crítico eleitoral e o incessante entrelaçamento entre as ações do governo de Tobias Barreto/SE e os atos de campanha de Maria Valdina.20. Segundo a PGE, os documentos são suficientes para configurar o abuso de poder político, na medida em que é inequívoco o desvio de finalidade na ação administrativa com a intenção de promover a candidatura da deputada estadual.21. Para os investigantes, a arrecadação de recursos de origem não identificada, mediante a utilização de "laranjas" para encobrir os verdadeiros doadores de campanha, pode configurar, além de captação ilícita de recursos (art. 30–A da Lei 9.504/97), abuso de poder econômico. As provas dos autos teriam demonstrado a existência de simulação nas doações feitas para a campanha de Maria Valdina.22. Alegam que a gravidade das circunstâncias teria força suficiente para violar a normalidade e a legitimidade das eleições, pois: i) em período crítico eleitoral, houve desvio de finalidade de programa habitacional por administração municipal, cujo prefeito é marido da candidata ao legislativo estadual, incutindo na população a ideia de que o mero cadastramento era fato suficiente para o recebimento de casa própria; ii) durante toda a campanha eleitoral da candidata a deputada estadual, houve o emprego de cor e logomarca semelhantes ao governo municipal, criando a percepção de unidade de vínculo entre atos de campanha e a administração municipal; iii) os valores envolvidos na arrecadação ilícita de recursos são expressivos (R$ 136.207,55, representando 57,45% da arrecadação da candidata); e iv) a forma da captação irregular de recursos impediu a Justiça Eleitoral de fiscalizar, de forma efetiva, o fluxo monetário da campanha.ANÁLISE DOS RECURSOS ORDINÁRIOSQUESTÕES PRÉVIAS23. Quanto às preliminares aventadas pelo investigante Adilson de Jesus Santos, de que o recurso carece de requisitos específicos consistentes na ausência de prequestionamento e de confronto analítico, bem como que seria vedado o exame de matéria fática em instância especial, incidem as condições específicas dos recursos ordinários.24. Quanto à prejudicial de mérito da decadência do direito em razão da falta de agentes responsáveis pela conduta abusiva em litisconsórcio passivo necessário, no oferecimento da AIJE 0601576–47, a Procuradoria Regional Eleitoral incluiu, no polo passivo, 6 réus, sendo 4 autores dos supostos atos de abuso de poder econômico, além dos recorrentes. Na mesma oportunidade, foram requeridas quebras de sigilos bancário para a apuração da regularidade dos valores doados.25. No momento da propositura da ação, constatou–se a necessidade de aprofundamento da linha investigativa, e não há decaimento pelo fato de os doadores não terem figurado de pronto na petição inicial como efetivos responsáveis pelo suposto ilícito, tendo em vista que a efetiva participação de alguns deles havia sido evidenciada somente durante a instrução processual, conforme, inclusive, foi consignado no acórdão do julgamento dos embargos de declaração (ID 38132138, p. 7).26. A esse respeito, "a jurisprudência do Tribunal, no sentido da obrigatoriedade da formação do litisconsórcio passivo necessário, não é de observância irrestrita e automática no âmbito de ações de investigação judicial eleitoral, ou mesmo em sede de representações por prática de condutas do art. 73 da Lei 9.504/97, o que revela a aparente impertinência de se pretender a aplicação uniforme – a todo e qualquer contexto fático em que se tenha a multiplicidade de agentes (responsáveis e beneficiários) – da regra de que devem ser citados, até a data da diplomação, todos os responsáveis pela conduta e o respectivo beneficiário, sob pena de extinção do feito" (AgR–AC 0600945–02, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 4.12.2018).27. Não bastasse esse fundamento, recentemente esta Corte mudou seu entendimento sobre a natureza do litisconsórcio passivo para ações que veiculam análises de abuso de poder, tendo considerado que a sua natureza é facultativa. Esse entendimento foi modulado, em virtude da necessidade de preservação da segurança jurídica, para os pleitos das Eleições de 2018 em diante, como na espécie. Isso nos Recursos Ordinários 0603030–63 e 0603040–10, ambos de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques.MÉRITOABUSO DE PODER POLÍTICO28. Quanto ao abuso de poder político, na conduta denominada "Onda Azul", a utilização da cor azul pela candidata, para além de ser fato incontroverso, é fartamente constatada pela análise da centena de fotos campanha de Maria Valdina Silva Almeida (ID 37661488). Também há prova nos autos de que, praticamente de forma simultânea, a mesma cor passou a predominar nos prédios públicos.29. A prática passa a ter contorno de abuso quando analisadas as circunstâncias em que se deram essa associação de cores. Houve vinculação entre a política pública praticada pelo ex–prefeito e a campanha da candidata. Essa constatação somente é possível na análise de todo o contexto do período, que se iniciou em agosto de 2018 até o dia do pleito daquele ano. Verifico que essa associação foi intencional, tanto por parte do então prefeito, primeiro recorrente, quanto pela então candidata, segunda recorrente. Isso porque a cor azul foi utilizada de forma emblemática na gestão do primeiro recorrente e reforçada durante a campanha, logo após as prévias partidárias.30. A questão não gravita em torno da indissociável associação entre os recorrentes, que, por óbvio, como marido e mulher, repercute na percepção do eleitor, mas nas práticas que potencializaram essa associação com gravidade suficiente para influir, de forma decisiva, no resultado da eleição. Isso porque não se deve mensurar de forma quantitativa o resultado da prática ilícita, ou seja, aferir a quantidade de votos efetivamente captados pela conduta, mas pela sua vertente qualitativa, com base na gravidade que acarrete influência na vontade livre do eleitor, desequilibrando a disputa para os demais candidatos que não puderam se utilizar das mesmas práticas pela falta de parentesco por afinidade com o primeiro recorrente.31. Quanto ao aspecto volitivo, também os recorrentes tinham ciência da prática abusiva, isso porque foi expedida, em 23.8.2018, a Recomendação 3/2018 (ID 37661738, p. 17) pelo promotor da 23ª Zona Eleitoral para que o primeiro recorrente se abstivesse, no período eleitoral, de reinaugurar obras já realizadas, com intuito de beneficiar candidato ligado diretamente à Administração, bem como de fazer referências a candidato em eventuais inaugurações ou de permitir a sua participação. Mas, ainda assim, a Prefeitura de Tobias Barreto/SE procedeu à reinauguração do Mercado da Carne da Vila Samambaia, no dia 24.8.2018, com a utilização ostensiva da cor azul, tanto dentro como fora do prédio.32. A constatação de que muitos logradouros públicos expunham as cores da campanha eleitoral representou a gravidade da conduta, configurando uma vantagem eleitoral indevida, antecipada e duradoura em favor da recorrente, com desvio de finalidade por parte do primeiro recorrente.33. Quanto à segunda conduta, abertura de cadastramento para recebimento de moradias populares inexistentes no âmbito do programa federal Minha Casa Minha Vida – MCMV – no período eleitoral, está comprovado que a Prefeitura de Tobias Barreto/SE lançou convite à população para inscrição no programa social MCMV. Ressalto que, diretamente aos munícipes, a propaganda institucional seguiu nos seguintes termos: "Não perca essa oportunidade de ter a casa própria! A partir de amanhã, estarão abertas as inscrições para ter a sua casa própria. Certifique–se da documentação necessária e compareça para fazer o seu cadastro. AS SENHAS DIÁRIAS SÃO LIMITADAS!" (ID 38123138).34. Portanto, a divulgação inicial e direta aos munícipes, realizada em 9.8.2018, foi um chamamento para ter a casa própria, e não somente para a realização de cadastro em um futuro empreendimento. Cabe ressaltar, como bem observado pelo Regional, que o último dia para a realização das convenções destinadas às escolhas dos candidatos regionais foi 5.8.2018, de acordo com a Res.–TSE 23.555.35. Isso porque, como é sabido, quanto à execução de programas sociais no período eleitoral, a legislação somente permite a sua efetivação desde que esteja previamente autorizado por lei e já se tenha iniciado a execução orçamentária no ano anterior (§ 10 do art. 73 da Lei 9.504/97).36. Seguindo a cronologia dos acontecimentos, em 21.08.2018 foi encaminhado o Ofício 136/2018, recebido pela promotoria em 28.8.2018 (AIJE 0601576–47, ID 37670338, pp.1–5), assinado pelo então Prefeito e pelo então Procurador–Geral do município, anuindo com a Recomendação 2/2018. Ato contínuo, conforme consta do Procedimento (AIJE 0601576–47, ID 37661738), em audiência na Promotoria de Justiça, realizada no dia 30.8.2018, os procuradores do município informaram que o programa social MCMV já estava em andamento e ficou determinado pelo promotor que a prefeitura deveria esclarecer corretamente a população, informando que não se tratava de inscrição para recebimento de unidades habitacionais, e, sim, para verificar o deficit habitacional existente na localidade.37. Conquanto tenha havido a modificação da publicidade, a gravidade da conduta se revela pela resistência da população em acreditar na nova informação, a correta, tendo em vista que a anterior foi veiculada por mais de quinze dias e que foi ao encontro da sua expectativa de receber uma moradia digna.38. A gravidade desse ato reside, portanto, como já exposto, especialmente, na exploração da miséria da população com a promessa de entrega de moradia inexistente, fazendo com que os munícipes acreditassem no iminente recebimento da casa própria, captando ilicitamente votos, incorrendo em conduta abusiva.39. Isso porque as moradias anunciadas eram inexistentes, pois não há quaisquer documentos demonstrando que os projetos referentes a esses empreendimentos estivessem aprovados ou autorizados pela Caixa Econômica Federal.40. Há, em sentido diverso, um ofício encaminhado pelo Ministério das Cidades para o município de Tobias Barreto, datado de 25.5.2018 (Ofício 486/2018/DPH/SNH–MCIDADES, AIJE 0601576–47, ID 37664738), em resposta à manifestação anterior da municipalidade (Ofício 84/2018, de 8.5.2018), informando que a proposta do empreendimento "Residencial Vida Nova" estava desenquadrada em virtude da superação do limite de contratação de habitações populares, que é de 50% do deficit local.41. Esse ofício do Ministério das Cidades demonstra que o primeiro investigado, desde maio de 2018, já tinha conhecimento da impossibilidade de contratação de novos projetos pelo programa MCMV, mas, mesmo assim, no dia 9.8.2018, a administração começou a divulgar a informação nas suas redes sociais, por meio de panfleto e da rádio da família dos recorrentes.42. Por isso, conclui–se que o primeiro recorrente já tinha conhecimento de que os projetos anunciados, até aquela data, não haviam sido aprovados pela entidade financeira, e, mesmo assim, continuou a fazer a divulgação na cidade por mais de duas semanas, até a intervenção do MPE.43. Outro ponto que merece destaque é que a municipalidade já detinha conhecimento de que o deficit habitacional é calculado com base no último Censo do IBGE pela Fundação João Pinheiro, sendo essa a informação oficial utilizada pelo Governo Federal no âmbito do programa MCMV. Esse dado é corroborado pela Portaria 114/2018, do Ministério das Cidades.44. Ou seja, também, pelo menos, desde maio de 2018, o recorrente tinha conhecimento de que não cabe à municipalidade realizar a referida apuração, bem como que novas contratações para o programa não poderiam ser feitas, tendo em vista que já havia sido ultrapassado o limite de contratação para o local, ou seja, era impossível o enquadramento dos projetos.45. Portanto, novamente, houve a prática de abuso de poder político na divulgação de inscrição em programa federal de habitação popular para moradias sabidamente não elegíveis, com viés eleitoreiro, já que fora escolhida a segunda recorrente para concorrer ao cargo de deputado estadual, gerando ilícitos dividendos políticos.46. Acerca da análise contextual, cabe, ainda, destacar que em 16.2.2018, por meio do Decreto Municipal 1178, foi decretada Situação de Emergência no município de Tobias Barreto/SE "em virtude da necessidade de intervenção nas áreas afetadas pela seca, a fim de garantir benefícios e auxílios necessários à superação dessa crise, minorando o sofrimento da população atingida".47. Mesmo diante dessa situação, foram contratados quatro grandes eventos (ID 37661788, pp. 34–37), com os seguintes valores contratados: 1) R$ 435.124,78 (extrato de contrato 046/2018 – PMTB); 2) 169.010,00 (extrato de contrato 047/2018 – PMTB); 3) R$ 190.446,00 (extrato de contrato 059/2018 – PMTB); e 4) R$ 538.343,36 (extrato de contrato 041/2018 – PMTB), todos os contratos datados de 21.9.2018.48. As circunstâncias da realização desses eventos foram, contudo, motivo de atenção das autoridades locais e da imprensa local. Os eventos festivos foram todos concentrados em três dias, entre os dias de 27 a 30 de setembro, final de semana anterior à Eleição de 2018. Além do mais, conforme fotos de ID 37661788, pp. 44–58 (AIJE 0601576–47), tradicionalmente, esses eventos eram realizados em datas posteriores, ou seja, foram todos antecipados.49. Analisados isoladamente, talvez algum desses fatos descritos poderia ensejar apenas um juízo de reprovação moral, ou mesmo de senso de inoportunidade da prefeitura para a sua realização em véspera de pleito eleitoral geral, mas, somados e analisados em contexto, verifica–se que o seu objetivo fica claro, alavancar a candidatura de sua esposa e segunda recorrente ao cargo de Deputado Estadual, com a captação ilícita de sufrágio ante o desvio de finalidade na realização dos eventos públicos, que, para além do cumprimento da agenda do município, visaram dividendos eleitorais para a campanha em curso.ABUSO DE PODER ECONÔMICO50. Quanto ao financiamento irregular de campanha da segunda recorrente, a questão foi profunda e exaustivamente analisada pelo Regional, constatando que a maioria dos doadores da campanha integrava o quadro de pessoal do poder executivo do município de Tobias Barreto/SE, além de 3 vereadores e 4 servidores comissionados do poder legislativo.51. A análise mais detida das informações obtidas com as quebras de sigilo bancário dá a dimensão de uma prática de dissimulação da origem dos valores doados para a campanha da segunda recorrente.52. Cotejando o valor de ganho mensal desses contribuintes com a sua remuneração, depreende–se, das informações obtidas, que existe grande incongruência entre o valor doado e a sua capacidade financeira, quando se leva em conta o valor doado e a remuneração líquida dos doadores. Diversos doadores pessoas físicas doaram praticamente tudo o que ganharam no mês ou até mais.53. Conforme os documentos juntados, em razão da determinação de levantamento dos sigilos bancários, verifica–se que houve uma sistemática praticamente idêntica de movimentações bancárias antes da realização da transferência das doações. Primeiro, constata–se um depósito em dinheiro realizado na conta do doador, de valor igual ou muito semelhante ao valor, que, em seguida, é transferido a título de doação. Algumas vezes, o depósito em dinheiro é feito no valor exato, logo após realizada a doação (ID 37661238). Esse tipo de movimentação foi detectada ao menos para 33 dos 40 doadores.54. Em seus depoimentos, os declarantes alegam que guardavam dinheiro em casa, mas há informações de eram guardados, em suas residências, valores que superam R$ 10.000,00. Não há como abstrair do contexto no qual vivemos – em uma economia com índices inflacionários que, apesar de relativamente cont4olados quando comparados com outrora, são razoavelmente altos – que a prática, realizada de forma praticamente horizontal por 80% deles, corrói o seu poder de compra, além de os expor a riscos que, ordinariamente, não encontramos em instituições financeiras.55. Além disso, saltam aos olhos algumas discrepâncias, como bem observadas pelo Regional. Destaco o caso de Daniel Amado de Souza, ex–empregado de uma empresa privada, cuja última remuneração mensal foi R$ 678,00. O doador apresentou uma movimentação bancária atípica no mês de outubro de 2018 – mês no qual ocorreu a grande maioria das doações, praticamente 70% – para a campanha da então candidata. Essa movimentação, na sua conta do Banese, foi marcada pela efetivação de 5 créditos totalizando R$ 165.300,00 (ID 37672538). Logo em seguida, esse montante foi sacado, restando, no final do mês, o saldo de R$ 299,03.56. Também ficou claro que Daniel Amado de Souza usou a sua conta como conta de passagem para a campanha da segunda recorrente. Ele mesmo doou para a campanha, da então candidata, o valor de R$ 2.500,00, no dia 19.10.2018, e transferiu a mesma quantia (R$ 2.500,00) para a conta de Juliana Fontes Moraes no dia 26.10.2018, valor que, em seguida, foi destinado por Juliana Fontes à campanha (ID 37672688). Ressalte–se que Juliana também possuía uma renda e movimentação financeira muito aquém do valor doado, tendo recebido cerca de R$ 678,00 no referido mês.57. Não somente isso, após o afastamento de sigilo bancário, segundo apurado na AIJE 0601379–92 pela Corte Regional, restou comprovado que foram feitos vários depósitos para a conta de campanha por meio de outra pessoa interposta, Soane Ramos Lucas. A doadora, apesar de ter uma remuneração mensal de R$ 1.965,24 (ID 37672038) na empresa da família dos recorrentes, doou e transferiu recursos para outros doadores no valor de R$ 27.450,00.58. Acerca dos requisitos indispensáveis à procedência da AIJE, por abuso, esta Corte assim consignou no julgamento do REspe 501–20, red. para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 26.6.2019: "Para que seja formulado o juízo de procedência da AIJE, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que é imprescindível a demonstração de dois requisitos. O primeiro requisito é a gravidade das condutas reputadas ilegais, de modo que sejam capazes de abalar a normalidade e a legitimidade' das eleições e gerar desequilíbrio na disputa (REspe nº 11–751RN, ReI. Min. Luiz Fux, j. em 25.5.2017). Na hipótese de abuso do poder econômico, é necessário o emprego desproporcional e excessivo de recursos patrimoniais, públicos ou privados, em benefício eleitoral do candidato, que seja capaz de comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas (REspe nº 941–81/T0, ReI. Mm. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 15.12.2015). Para preencher o requisito da gravidade, todavia, é desnecessária a aferição (matemática ou numérica) da alteração do resultado das eleições pela prática do ato, como preconiza o art. 22, XVI, da LC n° 64/1990".59. Acerca da gravidade dos fatos apta a ensejar a procedência da AIJE, no julgamento do REspe 11–75, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 30.6.2017, ficou assim assentado: "Não é por outra justificativa que este Tribunal Superior entende, precisamente, repisa–se, que não é qualquer lesão causada aos bens jurídicos tutelados pelos tipos eleitorais que dá azo à procedência (ou não) do pedido deduzido em AIME, AIJE, RCED e nas representações do art. 30–A. É assente na Corte que apenas aquelas violações que possuam gravidade, enquanto elemento indissociável à configuração dos referidos tipos dos ilícitos eleitorais, possuem idoneidade para cassar registro ou diploma de candidato eleito ou determinar a perda de seu mandato eletivo. Ausente a gravidade, compreendida dentro da dogmática de restrição a direitos fundamentais como vedação ao excesso, descabe cogitar da procedência dos pedidos veiculados".60. Assim, as condutas analisadas nos presentes autos comprometeram a lisura do pleito eleitoral, pois a segunda recorrente foi colocada em posição privilegiada, de maneira a ferir a isonomia do processo eleitoral e a igualdade entre os demais candidatos.CONCLUSÃORecursos ordinários a que se nega provimento.


Jurisprudência TSE 060081868 de 19 de outubro de 2021 | JurisHand