Jurisprudência TSE 060072448 de 31 de marco de 2025
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Antonio Carlos Ferreira
Data de Julgamento
20/03/2025
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou aprovadas, com ressalvas, as contas do Diretório Nacional do AVANTE relativas ao exercício financeiro de 2019, nos termos do art. 46, II, da Res.-TSE nº 23.546/2017, com as seguintes determinações: a) recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de 31.809,20 reais; e b) aplicação do valor atualizado de 697.652,85 reais de verbas do Fundo Partidário, inicialmente em ações partidárias voltadas para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, como preconizado no art. 44, V, da Lei n. 9.096/1995, podendo a legenda, opcionalmente, destinar o referido valor para financiamento de candidaturas femininas, delimitando o prazo para destinação desses recursos até a eleição subsequente ao trânsito em julgado da prestação de contas, nos termos do art. 2º da EC n. 117/2022 (PC nº 0600620-56/DF, rel. Min. Kassio Nunes Marques, decisão de 22.10.2024, transitada em julgado em 28.10.2024), nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Nunes Marques, André Mendonça e as Ministras Isabel Gallotti e Cármen Lúcia (Presidente). Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO NACIONAL. AVANTE. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2019. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 31.809,20, EQUIVALENTE A 0,17% DOS RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO RECEBIDOS. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE MÁ–FÉ E ÓBICES À FISCALIZAÇÃO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS COM DETERMINAÇÕES. 1. Prestação de contas do Diretório Nacional do AVANTE referente ao exercício financeiro de 2019, regida pela Res.–TSE nº 23.546/2017. 1.1. O órgão técnico do TSE opinou pela desaprovação, e o MPE pela aprovação com ressalvas. 1.2. A fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral, e pela sociedade como um todo, visa a identificar a origem das receitas, a destinação das despesas e o vínculo destas com as atividades partidárias, mediante avaliação formal da documentação, dos esclarecimentos apresentados pelos responsáveis legais das contas e das informações constantes dos sistemas mantidos pelo TSE. 1.3. Apresentada documentação na forma da resolução regente, descabe requisitar esclarecimentos e documentos complementares, salvo (a) dúvida razoável acerca da idoneidade do documento ou da execução do objeto contratual; (b) dissonância dos valores em relação aos preços de mercado; e/ou (c) redação genérica que não permite identificar a que se refere especificamente o pagamento realizado e/ou sua vinculação a atividade partidária. Precedentes. 2. Repasse para a fundação de doutrinação partidária 2.1. A unidade técnica entendeu configurada a irregularidade ao argumento de que, embora o total repassado no exercício financeiro de 2019 tenha sido superior ao mínimo exigido pelo art. 44, IV, da Lei nº 9.096/1995, não foi suficiente para compensar os repasses realizados a menor nos anos de 2016 a 2018, "[...] restando ainda a diferença a repassar no montante de R$ 602.344,87 [...]" (id. 161997897). 2.2. Conforme foi assentado nos autos das contas relativas ao exercício financeiro de 2016 do AVANTE, "[...] no tocante à ação afirmativa prevista no art. 44, IV, da Lei 9.096/95, o correto emprego dos recursos do Fundo Partidário deve ser verificado no exercício específico em que se repassaram as verbas, sendo incabível averiguar se o partido aplicou corretamente o montante em ano posterior" (ED–PC nº 0601754–26/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgados em 2.9.2022, DJe de 14.9.2022). 2.3. O cumprimento das determinações decorrentes do julgamento das contas partidárias deve ser demonstrado nos respectivos autos, na fase de execução, de modo que não há falar em compensação dos repasses em exercícios posteriores. 2.4. No caso, o partido estava legalmente obrigado a repassar ao respectivo ente fundacional em 2019 o mínimo de R$ 3.627.915,74, tendo transferido o montante de R$ 5.708.442,7, o que atende ao previsto no art. 44, IV, da Lei nº 9.096/1995. Irregularidade afastada. 3. Programa de incentivo à participação da mulher na política 3.1. A Asepa consignou que, embora o AVANTE tenha transferido para a conta bancária específica da ação afirmativa da mulher na política o total R$ 906.978,94 (equivalente a 5% do Fundo Partidário), declarou despesas no montante de R$ 234.164,56, sendo R$ 24.838,47 relativos a salários de funcionários do partido. 3.2. O simples repasse para a rubrica da ação afirmativa não se é suficiente para comprovar o cumprimento do previsto nos arts. 17, § 7º, da CF, e 44, V, da Lei nº 9.096/1995, que exigem a aplicação efetiva dos recursos públicos em ações de fomento da participação feminina na política no exercício em que transferidos os recursos. Precedentes. 3.3. Já decidiu o TSE que "não é possível considerar, para fins de cumprimento do percentual mínimo a ser aplicado em programas de incentivo à participação política feminina, os recursos utilizados no ¿pagamento de dirigentes partidárias e assessoras, que tinham a tarefa e a responsabilidade de organizar a política de criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres¿, ou, ainda, referentes ¿à equipe que atua exclusivamente no programa de políticas para mulheres [...] (AgR–AgR–PC 294–58, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 31.5.2019)" (AgR–PC nº 0601828–80/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 11.11.2021, DJe de 26.11.2021). Irregularidade mantida. 4. Despesas com publicidade e marketing digital 4.1. O órgão técnico anotou que a documentação juntada aos autos (contrato de prestação de serviços, com vigência até 24.2.2019, notas fiscais e matérias produzidas entre junho e novembro de 2018) não permite atestar a regularidade dos pagamentos realizados nos meses de março a maio, no somatório de R$ 30.000,00, visto que foram realizados após o prazo contratual. 4.2. Na hipótese, embora o contrato previsse o período de 8 meses para a execução das atividades serviços contratados (com termo final em 24.2.2019), e o pagamento de "R$ 80.000,00 [...] divididos em 08 parcelas mensais de R$ 10.000,00" (id. 34270238), o partido comprovou a realização dos serviços de criação de textos e roteiros publicitários e o vínculo partidário da despesa, inexistindo notícia de insurgência do credor e indícios de má–fé ou prejuízo à transparência do gasto público. 4.3. Esta Corte Superior, analisando o mesmo contrato nas contas do AVANTE relativas ao exercício financeiro de 2018 (PC–PP nº 0600253–66/DF, rel. Min. Raul Araújo, julgada em 26.10.2023, DJe de 8.11.2023) assentou a regularidade da contratação, tendo consignado que "o partido apresentou notas fiscais, contratos que descrevem os serviços prestados ¿ que encontram se vinculam à atividade partidária ¿ e demonstrou que o trabalho foi realizado. Portanto, comprovou a regularidade dos gastos, nos termos exigidos por esta Corte Superior". Irregularidade afastada. 5. Concentração de recursos do Fundo Partidário em órgãos diretivos selecionados 5.1. A Asepa apontou que o repasse prioritário de recursos às diretivas de "[...] Alagoas, Bahia e Minas Gerais, o que prejudica a representatividade dos demais estados e municípios e desconfigura o caráter nacional da agremiação, em descumprimento ao disposto no art. 17, I, da Constituição Federal" (id. 161997897). 5.1.1. O partido político possui autonomia administrativa e financeira, embora não absoluta, para destinar os recursos aos estados e municípios que lhes sejam politicamente relevantes ou nos quais se almeja maior visibilidade. 5.1.2. No caso, a agremiação logrou demonstrar que a distribuição das verbas do Fundo Partidário decorreu de legítima estratégia político–eleitoral consistente na alocação de recursos em órgãos partidários cujo retorno eleitoral afigurou–se potencialmente maior do que em outras localidades. Não houve, portanto, a vedada concentração de recursos públicos ¿ e, por conseguinte, de poder ¿ a ponto de desnaturar o caráter nacional do partido ou causar gravame à democrática intrapartidária nos âmbitos regional e local. Irregularidade afastada. 6. Repasse a órgão partidário suspenso 6.1. A unidade técnica anotou que foi creditado na conta bancária do diretório de Minas Gerais, em 2.1.2019, período em que estava proibido de receber verbas públicas, o total de R$ 300.000,00. 6.2. A documentação constante dos autos comprova que o diretório nacional realizou a transferência glosada pela Asepa no mesmo dia em que recebidos os recursos do Fundo Partidário (31.12.2018), data na qual não existia impedimento algum para o órgão partidário donatário. Irregularidade afastada. 7. Pagamentos de juros e multas 7.1. A PGE consignou que a agremiação realizou pagamentos de juros e multas, com recursos do Fundo Partidário, no montante de R$ 31.809,20, tendo o partido ficado silente. 7.2. Conforme entende esta Corte Superior, "o pagamento de multas e juros com recursos do Fundo Partidário em razão de inadimplência é expressamente vedado, nos termos do art. 17, § 2º, da Res.–TSE nº 23.546/2017 (art. 44 da Lei nº 9.096/95), razão pela qual deve o valor correspondente ser recolhido ao Erário, atualizado" (PC–PP nº 0600228–53/DF, rel. Min. André Ramos Tavares, julgada em 23.4.2024, DJe de 13.5.2024). 7.3. A superveniência do art. 6º da EC nº 133/2024 – segundo o qual "É garantido aos partidos políticos e seus institutos ou fundações o uso de recursos do fundo partidário para o parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais, de outras sanções e de débitos de natureza não eleitoral e para devolução de recursos ao erário e devolução de recursos públicos ou privados a eles imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada, excetuados os recursos de fontes vedadas" – não afasta, no caso, a irregularidade e a consequente obrigação de ressarcir a respectiva quantia ao erário, ante a incidência dos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica, que impõem a aplicação da norma de natureza material vigente à época dos fatos. 8. Conclusão 8.1. A soma das irregularidades encontradas nas contas, excluindo–se a relativa ao descumprimento da ação afirmativa da mulher na política (R$ 697.652,85), é de R$ 31.809,20, que representa 0,17% dos recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício financeiro de 2019 (R$ 18.139.578,72). 8.2. Os valores absoluto e percentual das falhas apuradas permitem a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 8.3. Contas aprovadas com ressalvas com as seguintes determinações: a) recolhimento ao Tesouro Nacional do valor atualizado de R$ 31.809,20; b) aplicação do valor atualizado de R$ 697.652,85 de verbas do Fundo Partidário, "inicialmente em ações partidárias voltadas para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, como preconizado no art. 44, V, da Lei n. 9.096/1995, podendo a legenda, opcionalmente, destinar o referido valor para financiamento de candidaturas femininas, delimitando o prazo para destinação desses recursos até a eleição subsequente ao trânsito em julgado da prestação de contas, nos termos do art. 2º da EC n. 117/2022" (PC nº 0600620–56/DF, rel. Min. Kassio Nunes Marques, decisão de 22.10.2024, transitada em julgado em 28.10.2024).