Jurisprudência TSE 060068381 de 09 de maio de 2025
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Floriano De Azevedo Marques
Data de Julgamento
28/04/2025
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou aprovada, com ressalvas, a prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Comunista do Brasil (PC do B), referente ao exercício financeiro de 2019, determinando a restituição, aos cofres públicos, dos valores pagos indevidamente com recursos do Fundo Partidário, totalizando R$ 839.980,58, devidamente atualizado, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator os Ministros André Ramos Tavares, Nunes Marques, André Mendonça, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Cármen Lúcia (Presidente). Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2019. DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B). FALHAS QUE NÃO COMPROMETEM O AJUSTE CONTÁBIL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. SÍNTESE DO CASO 1. Trata–se de prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Comunista do Brasil (PC do B), referente ao exercício financeiro de 2019, apresentada em 23.6.2020, com sugestão da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa) no sentido da desaprovação das contas e do Ministério Público Eleitoral pela aprovação com ressalvas com determinações. 2. As falhas apuradas pela Asepa e PGE nas contas foram as seguintes: i) ausência de documentação fiscal referente a despesas do diretório nacional; ii) ausência de documentação fiscal relacionadas a gasto com tecnologia da informação; iii) insuficiência de documentação para comprovação de pagamentos do diretório nacional com as seguintes despesas: a) serviços advocatícios; b) assessoria consultoria, planejamento e coordenação; c) reuniões congressos e eventos; d) estudos e pesquisas de opinião; e) produção de textos e conteúdos jornalísticos; f) propaganda e publicidade; iv) despesas não previstas no art. 44 da Lei 9.096/95; v) transferências a diretório impedido de receber recursos; vi) insuficiência na aplicação de recursos do fundo partidário com incentivo à participação da mulher; vii) repasses aos diretórios municipais sem suporte documental; viii) saídas financeiras sem suporte documental; ix) insuficiência de documentação para comprovar a regularidade de despesas com serviços advocatícios; x) insuficiência de documentação para comprovar a regularidade de despesas com despesas diversas sem efetiva realização do objeto. ANÁLISE DA PRESTAÇÃO DE CONTAS 3. O mérito das prestações de contas relativas ao exercício financeiro de 2019 deve ser examinado de acordo com as regras previstas na Res.–TSE 23.546. Ausência de documentação fiscal referente a despesas do diretório nacional (R$ 19.887,18) 4. A agremiação não juntou documentos aptos a comprovar os valores debitados na conta bancária nº 500430–6 do fundo partidário, além de não apresentar documentação que demonstrasse a efetiva prestação dos serviços e a vinculação da despesa com a manutenção das atividades partidárias, em desacordo, portanto, com o art. 44 da Lei 9.096/95, c.c. os arts. 18 e 35, § 2º, da Res.–TSE 23.546, de modo que não ficou comprovada a regularidade dessas despesas. Ausência de documentação fiscal referente a despesas com tecnologia da informação (R$ 4.200,00) 5. É irregular a despesa referente ao pagamento de serviço de tecnologia da informação pactuado com Priscila Chiemi Massuda (valor de R$ 3.700,00) e Jair da Silva Souza (R$ 100,00 e R$ 400,00), uma vez que o partido não apresentou documentos hábeis para comprovar os gastos. 6. A justificativa apresentada pelo partido no sentido de considerar a despesa regular por representar o montante 0,03% do fundo partidário recebido no exercício de 2019 não merece ser acatada, porquanto esta Corte Superior entende que "a comprovação do regular dispêndio de recursos do Fundo Partidário requer, em regra, a juntada de documentação fiscal idônea (a) que contenha elementos informativos referentes à data e ao valor da operação e à identificação das partes envolvidas e (b) que descreva, de forma detalhada, o respectivo objeto contratual, a fim de viabilizar a regularidade formal do gasto e a aderência ao art. 44 da Lei nº 9.096/1995" (PC–PP 0600272–72, rel. Min. Raul Araújo Filho, DJE de 13.5.2024). Insuficiência de documentação para comprovação de despesas com serviços advocatícios (R$ 1.452,00) 7. A agremiação efetuou o pagamento de reembolso de despesas com passagens aéreas e hospedagens ao escritório de advocacia Breda Advogados, no montante de R$ 1.452,00. 8. O partido não apresentou relatórios de atividades ou de processos, a fim de comprovar a vinculação das despesas com a atividade partidária, desse modo, não foi possível comprovar os argumentos apresentados no sentido de que os fatos ilícitos imputados aos seus filiados no âmbito de inquéritos criminais teriam relação direta com as atividades por eles desenvolvidas para o partido, ou de que forma o patrocínio dos interesses desses agentes na esfera criminal se vincularia às finalidades descritas no art. 44 da Lei 9.096/95. 9. O entendimento desta Corte superior é no sentido de que "a ausência de contrato e elementos informativos relativos à efetiva prestação do serviço impede aferir as atividades desenvolvidas pelo escritório advocatício e/ou os processos judiciais em que atuaram, e que incumbe ao partido" (PC 0600272–72, rel. Min. Raul Araújo Filho, DJE de 13.5.2024). Insuficiência de documentação para comprovação de despesas com assessoria, consultoria, planejamento e coordenação (R$ 5.500,00) 10. O partido realizou pagamento à empresa individual MIR dos Reis de França, referente à prestação de serviços de consultoria e assessoria político–administrativa, contudo, em que pese a agremiação ter apresentado contrato de prestação de serviço e relatório, não foi anexada documentação fiscal apta a comprovar a despesa referente ao pagamento efetivado em 11.2.2019, em descumprimento ao disposto no art. 18 da Res.–TSE 23.546, persistindo, portanto, a irregularidade. Despesas referentes a reuniões, congressos e eventos (R$ 1.850,00) Documento fiscal emitido com o detalhamento do serviço prestado Irregularidade afastada 11. Não há irregularidade no pagamento de despesas, no valor de R$ 1.850,00, referentes aos gastos com reuniões, congressos e eventos à empresa Carlos Aparecido da Silva Som – ME, ainda que, na data em que foi emitido o documento fiscal referente a tal despesa, a empresa estivesse com situação cadastral de inaptidão na Receita Federal. 12. A contratação de serviço de empresa considerada inapta na base de dados no órgão fazendário não conduz, automaticamente, à irregularidade do gasto, já que não impede, por si só, que seja efetivada a prestação dos serviços contratados. Insuficiência de documentação para comprovação de despesas referentes ao pagamento de estudos e pesquisas de opinião (R$ 196.000,00) 13. A agremiação celebrou contrato com Carlos Alberto de Oliveira Pereira para prestação de serviços de estudos e pesquisas de opinião, no valor de R$ 84.000,00, contudo, as matérias publicadas pelo contratado não guardam relação com o objeto contratual, tampouco com a descrição das notas fiscais emitidas, de forma que não é possível comprovar a execução do serviço, conforme disposto no art. 35, § 2º, da Res.–TSE 23.546.14. O partido não comprovou a prestação do serviço e não demonstrou o cumprimento do art. 35, § 2º, da Res.–TSE 23.546 do serviço pago mediante contratação do Instituto Presidente João Goulart, no valor de R$ 112.000,00, uma vez que parte dos documentos juntados pela agremiação não constituem textos jornalísticos ou estudos, objeto da contratação, mas mera reprodução e sínteses de obras de autores e juristas reconhecidos, cuja autoria não diz respeito ao contratado. Insuficiência de documentação para comprovação de despesas com produção de textos e conteúdos jornalísticos (R$ 312.400,00) 15. É irregular a despesa referente ao pagamento de serviços de produção de textos e conteúdos jornalísticos, no valor de R$ 193.900,00, pactuado pelo partido com a empresa Página 8 Comunicação Ltda., por não ter sido comprovada a produção de conteúdo jornalístico para divulgação na página do partido, tendo ocorrido a mera reprodução de notícias disponíveis em domínio público, no sítio do Jornal Hora do Povo, o que é incompatível com o princípio da economicidade dos gastos públicos, diante do alto valor pactuado. 16. É irregular o pagamento à Papiro Produções Ltda., para prestação de serviços de produção de conteúdo jornalístico para divulgação, no valor de R$ 118.500,00, diante da ausência de comprovação da execução contratual, já que não foi demonstrada a produção de conteúdo jornalístico, objeto do contrato realizado, mas a mera reprodução de notícias disponíveis em domínio público, publicado do Jornal Hora do Povo, o que é incompatível com o princípio da economicidade, em razão do alto valor pago pela despesa. 17. Firmou–se nesta Corte Superior a compreensão de que a observância do princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas, assim como se assentou que é possível considerar irregular a despesa que tenha caráter antieconômico (PC 167–52, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 3.5.2021). Insuficiência de documentação para comprovação de despesas com propaganda e publicidade (R$ 93.580,00) 18. Os documentos apresentados pelo partido foram insuficientes para comprovar a execução do serviço referente aos pagamentos de despesas com propaganda e publicidade, porquanto dizem respeito a matérias publicadas em sítios disponíveis na internet não tendo sido comprovada a autoria do material juntado, o que torna os gastos incompatíveis com o princípio da moralidade e da economicidade dos gastos públicos. 19. Sobre o assunto, esta Corte Superior já decidiu que a prova material da execução de serviços configura requisito essencial para a demonstração da regularidade da despesa com propaganda e publicidade, consoante preceituam os arts. 18, § 7º, e 35, § 2º, da Res.–TSE 23.464 (PC–PP 0600423–72, rel. Min. Raul Araujo Filho, DJE de 20.3.2023). Despesas não previstas no art. 44 da Lei 9.096/95 (R$ 7.811,65) 20. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, é irregular o pagamento de juros e multas com recursos do Fundo Partidário, nos termos dos arts. 44 da Lei 9.096/95 e 17, § 2º, da Res.–TSE 23.546. Transferências aos diretórios impedidos de receber recursos públicos (R$ 55.000,00) 21. É irregular a despesa referente ao repasse efetuado pelo partido ao Diretório Regional do Amazonas, que estava impedido de receber recursos oriundos do Fundo Partidário no exercício de 2019. 22. Ao contrário do que defende a agremiação, não é possível considerar regular a despesa quando a regularização do diretório regional ocorreu posteriormente ao repasse do valor, de forma que, no momento em que a transferência de recursos ocorreu, o diretório regional se encontrava impedido de receber recursos oriundos do Fundo Partidário no exercício de 2019. 23. Este Tribunal Superior firmou entendimento no sentido de que é irregular o repasse de recursos do Fundo Partidário a diretório que tenha contra si decisão que determinou a suspensão de recebimento de recursos do Fundo Partidário, devendo a sanção de suspensão de repasses ser cumprida, a partir da publicação da decisão (Precedente: PC–PP 0601648–64, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 22.3.2022).Repasses a diretórios municipais sem suporte documental (R$ 136.721,10) 24. Não foram localizados nos autos, bem como não foram indicados pelo partido documentos necessários para afastar a irregularidade apontada pelo Ministério Público Eleitoral, haja vista que o Parquet verificou que, de fato, houve o repasse de recursos do Fundo Partidário – no montante de R$ 136.721,10 – para os diretórios municipais, sem a apresentação dos respectivos recibos de doação, conforme estabelece o inciso IV do art. 11 da Res.–TSE 23.546. Saídas financeiras sem suporte documental (R$ 30.905,85) 25. A falha apontada pelo Ministério Público Eleitoral consiste na identificação de débitos nas contas bancárias 500430 e 254495, destinadas à movimentação de recursos do Fundo Partidário, sem a devida documentação comprobatória da despesa, no montante de R$ 43.441,40. 26. A partir da documentação apresentada pelo partido, foram sanadas parcialmente as irregularidades, uma vez que foram localizados os recibos e notas fiscais referentes aos pagamentos realizados, com a descrição das despesas. Assim, afasto a irregularidade dos gastos indicados pelo Parquet nos valores de R$ 501,90, R$ 3.550,12, R$ 560,10, R$ 500,28, R$ 501,90, R$ 624,62, R$ 3.368,46, R$ 1.350,00, R$ 311,20, e R$ 1.266,97 e considero irregulares as despesas – cuja documentação apresentada não obedeceu aos ditames do art. 18 da Res.–TSE 23.546 – referentes aos valores de R$ 1.432,55, R$ 8.448,00, R$ 1.018,50, R$ 5.345,85, R$ 4.225,32, R$ 1.930,39, R$ 900,00, R$ 939,42 e R$ 6.665,82, perfazendo o total de R$ 30.905,85 de impropriedades. Gastos com serviços advocatícios (R$ 9.300,00) Irregularidade afastada 27. Embora o Ministério Público tenha apontado a irregularidade da despesa, diante da ausência de documentação comprobatória, foram localizados nos autos instrumento contratual, relatório de serviços prestados pelo escritório de advocacia e documento fiscal válido e vinculado ao comprovante de pagamento, o que enseja o reconhecimento da regularidade do gasto. Insuficiência de documentação para comprovar a regularidade dos gastos com despesas diversas sem efetiva demonstração da realização do objeto (R$ 113.243,90) 28. Embora o Ministério Público tenha concluído pela não comprovação das despesas no montante de R$ 125.612,00, foram localizados nos autos recibos e documentos fiscais que atestam a regularidade dos gastos no montante de R$ 12.368,10. 29. Segundo o entendimento desta Corte, a apresentação de nota fiscal formalmente regular, contendo todos os detalhes da contratação – com destaque para o serviço prestado ou o material fornecido –, é suficiente para comprovar o gasto, não cabendo, em regra, exigir provas adicionais, exceto no caso de dúvida sobre a idoneidade do documento ou a execução do objeto. Nesse sentido: PC 0600398–59, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 11.5.2023 e PC 0600116–84, rel. Min. Raul Araújo Filho, DJE de 24.6.2024. Descumprimento da aplicação mínima de 5% do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (R$ 59.405,08) 30. O partido reconheceu que deveria ter aplicado a quantia de R$ 642.390,38 no exercício de 2019, na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, contudo, aplicou apenas o valor de R$ 582.985,30, resultando na diferença de R$ 59.405,08. 31. A tese da agremiação no sentido de que providenciou a transferência do valor remanescente para a conta bancária específica, a fim de ser aplicado em ação afirmativa referente ao exercício de 2020, não obsta o reconhecimento da irregularidade nesse momento processual, devendo ser observado o disposto nos arts. 44, V, da Lei 9.096/95 e 2º da EC 117/2022. Análise das contas da Fundação Maurício Grabois 32. Este Tribunal, no julgamento da questão de ordem na Prestação de Contas 192–65, fixou o entendimento de que a Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar as contas anuais das fundações vinculadas aos partidos políticos envolvendo a aplicação de verbas do Fundo Partidário, tese cuja aplicação somente ocorrerá a partir do exercício financeiro de 2021. CONCLUSÃO 33. O total de irregularidades constatadas (R$ 976.701,68), já decotado o montante objeto da anistia da EC 117/2022 (R$ 59.405,08), especificamente em face da integralidade dos recursos do Fundo Partidário recebidos em 2019 (R$ 11.928.589,09), corresponde a 8,19% dessas receitas, o que justifica, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, reputada a ausência de gravidade qualificada das falhas, além da inexistência de elementos que indiquem má–fé ou óbices à fiscalização das contas, a aprovação das contas, com ressalvas, com fundamento no art. 37 da Lei 9.096/95, c.c. o art. 46, II, da Res.–TSE 23.546. 34. A despeito da proposta de aprovação com ressalvas, deve ser recolhido ao erário o montante de R$ 839.980,58 alusivo à má aplicação dos recursos do Fundo Partidário, determinação que não constitui penalidade e independe da sorte do processo de prestação de contas. 35. O valor de R$ 59.405,07 – que deixou de ser aplicado em 2019 na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres – deve ser inicialmente aplicado para esse fim, nos termos dos arts. 44, V, da Lei 9.096/95 e 2º da EC 117/2022, podendo a legenda, opcionalmente, destinar o referido valor para financiamento de candidaturas femininas, delimitando o prazo para destinação desses recursos até a eleição subsequente ao trânsito em julgado da prestação de contas, nos termos do art. 2º da EC 117/2022 (PC 0600392–47, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, sessão de 14.3.2025, e PC 0600620–56, rel. Min. Kassio Nunes Marques, decisão de 22.10.2024, transitada em julgado em 28.10.2024). Prestação de contas aprovadas, com ressalvas.