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Jurisprudência TSE 060068208 de 06 de junho de 2024

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Raul Araujo Filho

Data de Julgamento

23/05/2024

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, a fim de julgar procedente a ação de investigação judicial eleitoral e, por conseguinte, (a) reconheceu a inelegibilidade de todos os recorridos para as eleições que se realizarem nos 8 anos subsequentes ao pleito de 2020; e (b) determinou a cassação dos diplomas do prefeito e do vice-prefeito de Água Preta/PE, bem como a comunicação ao TRE/PE para cumprimento imediato e adoção das providências cabíveis, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, a Ministra Isabel Gallotti e os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Ementa

ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE–PREFEITO. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. IMPROCEDÊNCIA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. POSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO JURÍDICO DA MOLDURA FÁTICA DO ACÓRDÃO REGIONAL. PRÁTICA REITERADA DE CONDUTAS VIABILIZADAS PELO USO ABUSIVO DO PODER ECONÔMICO. PARTICIPAÇÃO ATIVA DA PESSOA JURÍDICA NA CAMPANHA. GRAVIDADE CARACTERIZADA. PREJUÍZO À NORMALIDADE E À LEGITIMIDADE DO PLEITO. REFORMA DO ACÓRDÃO REGIONAL. PROCEDÊNCIA DA AIJE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. Na origem, por maioria de 4 a 3, vencida a relatora original, o Tribunal local confirmou a sentença de improcedência da AIJE ajuizada para apurar abuso do poder econômico consistente na prática de inúmeras condutas ilícitas, que se iniciaram na fase de pré–campanha e se estenderam até o dia da eleição, apuradas em diversas representações por propaganda eleitoral irregular julgadas procedentes com aplicação de multas eleitorais, que, somadas, alcançaram o valor de R$ 251.205,00, o que corresponde a 94,26% dos gastos permitidos para o cargo de prefeito.2. Constata–se que a análise do redator para o acórdão ponderou sobre a configuração do abuso a partir do exame isolado de cada uma das condutas, as quais, segundo seu entendimento, não possuem gravidade suficiente para a condenação. Além disso, entendeu que elas não foram suficientemente comprovadas, tendo em vista a parcialidade das testemunhas arroladas pela parte autora.3. No entanto, diante das peculiaridades do caso, conclui–se que a avaliação da gravidade das condutas atribuídas aos recorridos, as quais estão embasadas em provas documentais (vídeos e fotografias) e em diversos depoimentos de testemunhas, deve ser realizada considerando o conjunto dos fatos, e não apenas cada ação de forma isolada.4. Não foi demonstrado que as testemunhas tivessem, objetivamente, interesse jurídico no litígio, cabendo destacar que, por ocasião da contradita das testemunhas, a qual foi indeferida pelo Juízo zonal, os investigados apenas afirmaram genericamente que elas ocuparam cargos na gestão anterior, sem fornecer provas concretas de eventual impedimento ou suspeição, ônus que lhes competia, de acordo com o art. 457, § 1º, do CPC.5. A moldura fática descrita no acórdão recorrido exige enquadramento jurídico diverso do firmado no voto prevalecente da Corte regional, cabendo salientar que, entre os votos vencidos e o voto vencedor, não há colidência das premissas fáticas estabelecidas. Verifica–se, apenas, uma valoração dissonante dos fatos e das provas constantes dos autos, de modo que é plenamente cabível a leitura dos fatos à luz da avaliação levada a efeito nos votos vencidos.6. No caso, constata–se o acerto do entendimento minoritário do Tribunal de origem no sentido de que, no contexto das eleições municipais de 2020, os recorridos engajaram–se em uma série de condutas, desde 2019, que demonstram ter sido cuidadosamente planejadas e executadas com o objetivo de consolidar sua base eleitoral e influenciar o resultado do pleito, utilizando–se de estratégia caracterizada pela escalada progressiva de influência e intervenção no cenário político local, com a vinculação constante da pessoa jurídica de propriedade dos recorridos à sua campanha e o uso abusivo do poder econômico em prol da candidatura.7. Este Tribunal Superior, por ocasião do julgamento do AgR–AREspE nº 0600427–08, oriundo de Brusque/SC, decidiu que a "[...] indevida utilização de pessoa jurídica para favorecer candidaturas, criando, mediante a adoção de sucessivas manifestações no curso da campanha, a existência de absoluta vinculação entre candidatos e empresas, implica permitir o retorno da atuação das empresas de forma ativa e ostensiva, subvertendo a ratio que conduziu à compreensão da SUPREMA CORTE, no sentido de que ¿a doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, antes de refletir eventuais preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores, no afã de estreitar suas relações com o poder público, em pactos, muitas vezes, desprovidos de espírito republicano¿ (ADI 4.650, Rel. Min. LUIZ FUX, Pleno, DJe de 24/2/2016)".8. O caso em exame revela o estabelecimento deliberado de uma conexão indissociável entre o candidato que encabeçou a chapa majoritária e o grupo empresarial que carrega seu nome de urna, objetivando utilizar uma série de ações benéficas para a população local como meio de obter vantagem eleitoral, ações que só puderam se concretizar pelo uso abusivo do poder econômico.9. Constataram–se, entre outras ações, a utilização reiterada da empresa em prol da campanha; a realização de eventos com veiculação ostensiva do número de urna, do slogan e das cores de campanha, bem como da logomarca da empresa, que leva o nome do candidato a prefeito; e a realização de obras relevantes na zona rural do município.10. Não se pode olvidar que os recorridos titularizaram o polo passivo de aproximadamente 20 representações eleitorais, das quais resultaram multas que somam R$ 251.205,00, montante que se aproxima do total de gastos permitido para a campanha, de R$ 266.488,95. Embora sejam ações distintas, com objetivos distintos, e as multas aplicadas não sejam contabilizadas como gastos eleitorais e, portanto, não impactem diretamente no limite de despesas, é imprudente ignorar o elevado montante das penalidades aplicadas.11. Os recorridos engajaram–se em uma série de ações ilícitas, cientes de que as multas seriam uma consequência inevitável, operando sob a avaliação de que os custos financeiros seriam compensados pelo capital político que obteriam, em uma estratégia que, em última análise, funcionou como forma de financiamento de campanha por vias ilegítimas.12. A gravidade das práticas analisadas não reside apenas na sua frequência ou na sua visibilidade, mas na maneira como foram projetadas para fortalecer a imagem do líder da chapa ao longo do tempo, de modo que o efeito acumulado dessas atividades, todas apontando para um benefício direto ou indireto associado ao candidato, comprometeu sobremaneira a legitimidade e a equidade do pleito.13. A gravidade do abuso de poder pelos recorridos foi evidenciada tanto sob a ótica qualitativa quanto quantitativa. Esta se reflete não somente pela participação massiva do grupo empresarial na campanha e pelo efeito acumulado do grande número de (relevantes) condutas ilícitas realizadas ao longo do período de pré–campanha até o dia da eleição, mas também pelo resultado obtido na urna, tendo em vista que a chapa composta pelos recorridos sagrou–se vencedora por uma diferença de apenas 75 votos em relação à segunda colocada.14. Conforme já assentado por este Tribunal: "Embora o resultado das eleições – sob o enfoque da diferença de votos obtidos entre os colocados – traceje, com inegável preponderância técnica, critério de potencialidade (não mais aferível por força do art. 22, XVI, da LC nº 64/90), seu descarte na vala comum dos dados inservíveis revelaria equívoco por constituir lídimo reforço na constatação da gravidade das circunstâncias verificadas no caso concreto." (REspe nº 60507/MG, rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, julgado em 6.8.2019, DJe de 7.10.2019).15. Recurso especial provido, a fim de julgar procedente a AIJE e, como consequência, (a) reconhecer a inelegibilidade de todos os recorridos para as eleições que se realizarem nos 8 anos subsequentes ao pleito de 2020; e (b) determinar a cassação dos diplomas do prefeito e do vice–prefeito de Água Preta/PE, com comunicação ao TRE/PE para cumprimento imediato e adoção das providências cabíveis.


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