Jurisprudência TSE 060068143 de 28 de outubro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Maria Claudia Bucchianeri
Data de Julgamento
28/10/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na representação, para determinar: (i) a remoção, pelo Partido dos Trabalhadores, do conteúdo impugnado constante no endereço eletrônico indicado na decisão, no prazo de 24h (vinte e quatro horas); (ii) a remoção do conteúdo impugnado constante nos endereços eletrônicos indicados na decisão, sem prejuízo de futura repostagem, desde que subtraídas as passagens apontadas como ilícitas; (iii) que seja oficiado o provedor de aplicação YouTube para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo de 24h (vinte e quatro horas); e (iv) a condenação do representado em multa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), nos termos do voto da Relatora. Votaram com a Relatora os Ministros: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia (§2º, art. 7º, da Res.¿TSE nº 23.598/2019), Benedito Gonçalves (§2º, art. 7º, da Res.¿TSE nº 23.598/2019), Raul Araújo, Sérgio Banhos e Alexandre de Moraes (Presidente). Não integrou a composição, justificadamente, o Senhor Ministro Carlos Horbach, por se tratar de matéria de relatoria de Ministro Auxiliar, nos termos do que dispõe o art. 2º, II, da Res. TSE nº 23.608/2019. Acórdão publicado em sessão.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro.
Ementa
ELEIÇÕES 2022 – REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA POSITIVA E NEGATIVA – ALEGADA CONFIGURAÇÃO DE DISCURSO DE ÓDIO (HATE SPEECH) NA IMPUTAÇÃO, A CANDIDATO ADVERSÁRIO, DA PECHA DE "GENOCIDA" – MÉTRICA FIRMADA PELA CORTE, PARA ESTAS ELEIÇÕES, A IMPOR DEVER DE FILTRAGEM DISCURSIVA MAIS FINA EM TEMA DE PROPAGANDA ELEITORAL, CONSIDERADO O CONTEXTO DE EXCESSIVA POLARIZAÇÃO – REPRESENTAÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.1. A intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso capazes de vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e a integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais.2. Nos exatos termos do art. 36-A da Lei nº 9.504/1997, tornaram-se PERMITIDAS, ainda antes do início do exíguo prazo oficial de 45 dias de campanha, as seguintes condutas: 1) menção à pretensa candidatura; 2) exaltação das qualidades pessoais; 3) participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na Internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos; 4) realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias; 5) realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias; 6) divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas; e 7) o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.3. Há, no entanto, um núcleo mínimo que permaneceu vedado pela legislação eleitoral, até que se inicie oficialmente o período de campanha, qual seja, o "pedido explícito de voto" ou de "não voto" (art. 36-A, caput, da Lei nº 9.504/1997).4. O pedido explícito de voto ou não voto legalmente proibido não se limita às locuções "vote em" ou "não vote em", podendo ser objetivamente extraído de locuções outras, igualmente explícitas e diretas, materializadas naquilo que não apenas a jurisprudência desta Corte, mas também a abalizadíssima doutrina de Aline Osorio designam de "magic words", tais como: "vote", "não vote", "eleja", "derrote", "tecle na urna", "apoie" etc. (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 194).5. Ainda que o pedido explícito de voto ou não voto possa ser extraído de outras palavras, as chamadas "palavras mágicas", como "vote", "eleja", "tecle a urna", "derrote", "não eleja" ou "não vote", a interpretação do que deve ser entendido como pedido explícito, para fins de incidência da vedação legal, não pode esvaziar a literalidade dos inúmeros comportamentos expressamente permitidos durante a pré-campanha pelo art. 36-A da Lei nº 9.504/1997, cuja interpretação deve-se dar de forma sempre maximizadora, sob pena de criação de um modelo eleitoral em que o prazo oficial de campanha é excessivamente curto e no qual não há margem razoável de apresentação de futuros postulantes em período anterior, com claro comprometimento da competitividade eleitoral e da renovação política.6. O Plenário desta Corte Superior fixou, para o pleito eleitoral de 2022, a premissa segundo a qual o pedido explícito de voto ou de não voto proibido pela norma inscrita no art. 36-A da Lei nº 9.504/1997 pode ser extraído do contexto em que as falas foram proferidas, do chamado "conjunto da obra", bem assim da semelhança entre o ato praticado a destempo e os atos típicos e próprios do momento oficial de campanha eleitoral. Precedentes.7. Falas como "o povo brasileiro vai comer 3 vezes ao dia", "vai ter aumento de salário", "não vai morrer mais criança de desnutrição", "vamos continuar fazendo assentamento de reforma agrária, vamos continuar fazendo financiamento para o pequeno e médio produtor", "vamos continuar fazendo universidade e escolas técnica", "a gente vai parar com a venda de arma e vai distribuir livros" (p. 6-7) revelam claramente a divulgação de ideias, projetos, propostas, objetivos e políticas públicas, o que É EXPRESSAMENTE PERMITIDO PELA LEI ELEITORAL, que conferiu sensível abertura à fase da pré-campanha, à exceção do pedido explícito de voto e não voto.8. A fala "No dia 2 de outubro, a gente tem que dar uma banana pro Bolsonaro, pra que ele saiba que ele vai cair fora da governança" configura pedido explícito de não voto, a revelar propaganda eleitoral negativa antecipada.9. A explícita exortação – feita por um pré-candidato, e não por um cidadão comum no legítimo exercício da sua liberdade de expressão – a que o público presente em evento partidário, no dia das eleições, ou seja, "no dia 2 de outubro", "dê uma banana ao candidato Bolsonaro", para que "ele deixe a governança", revela clara, objetiva, direta e explícita exortação de derrota, de não reeleição e, portanto, de não voto, configurando, propaganda antecipada negativa feita a destempo.10. O discurso de ódio, hate speech, não se confunde com crítica ácida, "grosseira", "rude", ofensiva ou criminosa contra determinada pessoa, individualmente atingida. Doutrina. Precedentes.11. Nos termos do Direito da Antidiscriminação, a expressão jurídica "discurso de ódio" tem sido utilizada para designar discursos violentos, intimidatórios ou de discriminação em relação a determinados grupos vulneráveis, em virtude de raça, cor, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual, identidade de gênero ou outros elementos de unidade e identidade.12. Manifestações ou críticas, por mais severas, grosseiras ou ofensivas, mas que sejam individuais e pessoais, podem, a depender de cada caso concreto, configurar a prática de crimes outros, inclusive de especial gravidade, podendo, também, dar ensejo a eventual pedido de reparação civil, mas não se enquadram como hate speech, figura jurídica de direito antidiscriminatório voltada à proteção não de um indivíduo, mas de grupos vulneráveis.13. A métrica jurisprudencial para as eleições de 2022 fixada pelo E. Colegiado, considerado o peculiar contexto de polarização inerente ao pleito, é no sentido do exercício de filtragem mais fina, em tema de detecção de propagandas irregulares. Precedentes.14. Entendimento Plenário de que somente é legítima a utilização, contra outros concorrentes, de adjetivos cuja significação técnica insinue eventual prática de crime se e quando houver senão condenação judicial específica, ao menos acusação formal nesse sentido.15. Irregularidade, assim, da imputação das pechas de "genocida" e "corrupto" a determinado candidato, quando inexistir, como no caso, ao menos acusação formal nesse sentido. Ressalva do posicionamento pessoal da relatora.16. Representação julgada parcialmente procedente.