Jurisprudência TSE 060064943 de 05 de outubro de 2020
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
15/09/2020
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Luís Roberto Barroso (Presidente), que o acompanhou com ressalvas quanto ao cabimento da impetração. Falou pelo paciente, Luciano Caldas Bivar, o Dr. Ademar Rigueira Neto. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.
Ementa
HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO. INQUÉRITO POLICIAL. OPERAÇÃO GUINHOL. ALEGAÇÃO DE NULIDADES. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco deu provimento ao recurso de apelação manejado pelo Ministério Público, nos autos de ação cautelar inominada, para deferir pedido de busca e apreensão requerido pela autoridade policial, inicialmente indeferido pelo juízo de primeiro grau. 2. As decisões foram proferidas no interesse do inquérito policial instaurado para apurar a prática dos delitos tipificados nos arts. 350 e 354–A do Código Eleitoral, em razão de supostas fraudes praticadas por dirigentes partidários na movimentação de recursos financeiros oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), especialmente os destinados a candidaturas de mulheres. 3. Os impetrantes apontam vícios na decisão pela qual foi determinada a busca e apreensão, apresentando quatro argumentos para respaldar o pedido de concessão da ordem em favor do paciente, quais sejam: a) houve erro grosseiro na interposição do recurso de apelação pelo Ministério Público, pois, de acordo com o disposto no art. 593, II, do CPP, o apelo, que foi provido pela Corte Regional para deferir o pedido de busca e apreensão, é manifestamente incabível para impugnar decisão não definitiva de primeiro grau que indefere pedido de busca e apreensão, sendo cabíveis o mandado de segurança, a correição parcial ou a reclamação; b) o Parquet não detinha legitimidade para oferecer recurso da decisão que indeferiu a busca e apreensão, visto que sua atuação nos autos se deu na condição de custus legis, nos termos do art. 127 da Constituição Federal, disposição reiterada pelo art. 176 do Código de Processo Civil; c) não houve a devida fundamentação para o deferimento da busca e apreensão, porquanto a medida extrema, por mitigar garantia constitucional, exige embasadas razões para a sua decretação, sendo indispensável que a autoridade demonstre os requisitos previstos no art. 240 e seguintes do Código de Processo Penal, o que não foi observado no caso dos autos, pois a decisão colegiada nem sequer teceu comentários acerca do preenchimento dos requisitos legais para o deferimento do pedido e, além disso, nem a representação nem o recurso ministerial trouxeram elementos mínimos que indicassem a atuação do paciente nas supostas condutas delituosas; d) o paciente foi cerceado do seu direito de defesa, uma vez que a apelação do Ministério Público foi provida pela Corte Regional sem que lhe fosse oportunizada a apresentação de contrarrazões. 4. Requereu–se a concessão de liminar para determinar a suspensão do deslacre e a consequente análise do material arrecadado na busca e apreensão realizada no bojo da Operação Guinhol até o julgamento do mérito do presente habeas corpus. 5. A liminar foi indeferida, em razão da ausência de plausibilidade jurídica das alegações. ANÁLISE DO HABEAS CORPUS 6. O art. 593, II, do CPP prevê o cabimento de apelação contra decisões definitivas ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular, nos casos em que não houver previsão legal de cabimento do recurso em sentido estrito, sendo certo que, entre as hipóteses de cabimento desse recurso, previstas no rol do art. 581 do CPP, não se inclui a insurgência contra o indeferimento de pedido de busca e apreensão, a autorizar a conclusão quanto ao seu cabimento, na hipótese dos autos, havendo decisão definitiva no bojo do procedimento de natureza cautelar. 7. O princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief) reclama a efetiva demonstração do prejuízo à parte, para o reconhecimento de nulidade no curso do processo penal, ônus do qual não se desincumbiram os impetrantes, considerando que, independentemente da via eleita, o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco era o órgão competente para o conhecimento da insurgência quanto ao indeferimento da medida cautelar. 8. A legitimidade recursal do órgão ministerial quando atua no processo como custus legis é matéria já pacificada pela jurisprudência, como se vê, v.g., do verbete sumular 99 do STJ: "O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte". 9. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que "a invalidação de diligências investigatórias pela via do habeas corpus constitui medida excepcional, admissível somente quando emergir, de plano, manifesta ilegalidade ou abuso de poder" (RHC 51–86, rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 15.6.2018). 10. Não se vislumbra manifesta ilegalidade na decisão do TRE, pela qual se reconheceu a presença de indícios de autoria em relação ao paciente, extraindo–se do relatório parcial da autoridade policial que a candidata Maria de Lourdes Paixão Santos, empregada do partido do qual o paciente é presidente nacional e com o qual mantinha relação de "confiança", recebeu R$ 400.000,00 do ente partidário, em 3.10.2018, 4 dias antes das eleições do primeiro turno, havendo repassado a maior parte (R$ 380.000,00) para uma única gráfica, a Itapissu ¿ em cujo endereço funcionava uma oficina mecânica ¿, para a confecção de 9 milhões de santinhos e 1,7 milhão de adesivos, embora tenha recebido apenas 274 votos nas Eleições de 2018. 11. Em seu depoimento perante a autoridade policial, a candidata Maria de Lourdes Santos afirma que, "além do interesse pessoal, a declarante impulsionou a sua candidatura para auxiliar o partido no cumprimento da cota de gênero de 30% de mulheres candidatas; [...] QUE o montante de R$ 400.000,00 chegou a ser aplicado mesmo no final da campanha; [...] QUE aproximadamente R$ 380.000,00 foram aplicados em material de campanha contratados com a empresa ITAPISSU GRÁFICA; [...] QUE não foi nem tem conhecimento da localização da Gráfica ITAPISSU [...]; QUE já trabalhou com LUCIANO BIVAR anteriormente nas empresas DELPHOS e BRASITEC por aproximadamente 30 anos, tendo o convite para trabalhar no PSL sido realizado por ele". 12. Ao contrário do que se alega, o deferimento da medida foi objeto de amplo debate pelo Tribunal Regional Eleitoral pernambucano, o qual, mediante a análise pormenorizada da questão, decidiu pelo provimento do recurso para acatar o pedido ministerial de busca e apreensão fundado no art. 240 do CPP, dentro dos limites do interesse processual e público, e ainda com a ressalva da necessidade de se resguardar as garantias individuais e de se restringir a medida aos elementos indispensáveis à investigação. 13. Tratando–se de julgamento de pedido de busca e apreensão, cuja surpresa é essencial ao próprio sucesso da obtenção das fontes de prova, não há falar em prévia comunicação à parte atingida pela medida, sob pena de esvaziamento da sua utilidade, diante do risco de destruição ou ocultação de provas, do que resulta descabida a alegação de cerceamento de defesa pela ausência de intimação do paciente para contrarrazoar recurso pelo qual se pretendia o deferimento da medida. CONCLUSÃO Ordem de habeas corpus denegada.