Jurisprudência TSE 060064166 de 10 de maio de 2021
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto
Data de Julgamento
13/04/2021
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares, nos termos do voto do Relator. No mérito, por maioria, julgou procedente o pedido de declaração de justa causa para desfiliação partidária, nos termos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente), que redigirá o acórdão, no que foi acompanhado pelos Ministros Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques. Vencidos os Ministros Tarcisio Vieira de Carvalho Neto (Relator), Sérgio Banhos e Edson Fachin. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.
Ementa
DIREITO ELEITORAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. ORIENTAÇÃO DE BANCADA. CONFRONTO COM CARTA-COMPROMISSO FIRMADA ENTRE O PARTIDO E MOVIMENTO CÍVICO APARTIDÁRIO. APLICAÇÃO DE SANÇÃO. GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL. PROCEDÊNCIA.I – HIPÓTESE1. Trata–se de pedido de declaração de justa causa partidária formulado por deputado federal, com vistas a possibilitar a conservação do mandato em caso de desfiliação do Partido Socialista Brasileiro, pelo qual se elegeu nas Eleições 2018.2. Na hipótese, o parlamentar alega que: (i) tornou–se vítima de grave discriminação pessoal dentro do partido político, em decorrência de, no exercício do mandato, sustentar convicções políticas que o levaram a votar a favor da "reforma da previdência"; (ii) tais convicções já eram conhecidas à época de sua filiação, pois decorriam de sua prévia vinculação ao Acredito, movimento cívico apartidário com o qual o PSB firmou "carta–compromisso" na qual assegurava que respeitaria a "identidade do movimento e de seus representantes" que se filiassem à legenda; (iii) não obstante, o PSB instaurou processo ético–disciplinar contra o parlamentar, ao argumento de que a contrariedade ao fechamento de questão do partido sobre o tema da reforma da previdência caracterizava descumprimento da disciplina partidária; e (iv) a perseguição sofrida culminou na aplicação da severa sanção de suspensão, por doze meses, de todas as atividades partidárias, penalidade desproporcional ao fato.3. No voto de relatoria, foi assentada a inexistência de justa causa para a desfiliação.II – PREMISSA: A PERMEABILIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS AOS MOVIMENTOS CÍVICOS APARTIDÁRIOS4. No modelo constitucional brasileiro, os partidos políticos são as principais instituições canalizadoras das correntes político–eleitorais. No entanto, os movimentos cívicos apartidários, fenômeno recente, têm se mostrado capazes de projetar suas propostas e lideranças na disputa eleitoral a partir de um locus externo ao ambiente partidário.5. Para dar início ao debate sobre os parâmetros jurídicos nos quais se assenta a articulação entre os movimentos cívicos e os partidos políticos, é preciso evitar uma leitura excessivamente fechada do art. 17, § 1º, da Constituição. Esse dispositivo delega aos estatutos partidários "estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária", mas não exclui a possibilidade de as agremiações firmarem acordos com os movimentos cívicos apartidários que excepcionem a incidência de regras estatutárias. Evidentemente, as obrigações assumidas devem respeitar as normas constitucionais e legais que regem os partidos políticos.6. A premissa, portanto, é que está no âmbito da autonomia do partido político definir se será mais ou menos permeável aos movimentos cívicos apartidários. Poderá, inclusive, fazer concessões quanto à aplicação da disciplina estatutária, como forma de atrair promissores pré–candidatos para seus quadros de filiados.7. Quanto às controvérsias que possam decorrer desses acordos, aplicam–se os critérios de competência relativos às questões interna corporis partidárias. Desse modo: (i) cabe à Justiça comum dirimir conflitos quanto à validade das obrigações assumidas entre o partido político e o movimento cívico, seu cumprimento pelos signatários e seus impactos sobre os direitos dos demais filiados; e (ii) cabe à Justiça Eleitoral, nas ações que discutam justa causa para desfiliação partidária, considerar os direitos e deveres pactuados, salvo se (a) tiverem sido invalidados ou suspensos pela Justiça comum ou (b) contrariarem normas constitucionais, legais ou fixadas em Resolução do TSE.III – MÉRITO: ALCANCE DA CARTA COMPROMISSO FIRMADA ENTRE O MOVIMENTO ACREDITO E O PSB8. A carta–compromisso firmada entre o PSB e o Acredito prevê "termos da integração dos membros do movimento que desejarem se filiar", dentre os quais: (i) participação ativa na "reinvenção de um modelo partidário mais próximo de brasileiras e brasileiros", contemplada a possibilidade de criação de um grupo de trabalho com tal finalidade; (ii) concessão de "voz e voto" nas instâncias partidárias, com inclusão de ao menos um membro do Acredito nas instâncias decisórias nacionais e estaduais; e (iii) respeito às "autonomias política e de funcionamento do Acredito" e "à identidade do movimento e de seus representantes".9. O documento demonstra que o PSB optou por se mostrar permeável ao Acredito, o que refuta a ideia de que haveria simples absorção dos integrantes do movimento como filiados comuns. Sob a ótica da boa–fé objetiva, criou–se justa expectativa para aqueles de que poderiam contribuir de forma efetiva para a transformação da agremiação. Trata–se de um diferencial em relação à expectativa de outros cidadãos que ingressam na legenda cientes de que lhes cabe aderir a princípios e diretrizes já traçados.10. Esse acordo se mostra válido e eficaz para os fins da presente ação, uma vez que: (i) não há notícia de decisão da Justiça comum invalidando ou suspendendo a vigência da carta–compromisso assinada pelo PSB e pelo Movimento Acredito; e (ii) não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre as obrigações assumidas pelo PSB e as normas vigentes.11. Declarada a eficácia da carta–compromisso, é inequívoco que a previsão de respeito à "identidade do movimento e de seus representantes" assinala o reconhecimento, pela agremiação, de que não poderia ser exigida dos filiados arregimentados dentro do Acredito a observância de diretrizes partidárias que colidissem com a pauta do movimento cívico.12. No caso concreto, era notório que o Acredito defendia a aprovação da PEC nº 06/2019, tanto que assim votaram os três parlamentares vinculados ao movimento. Não obstante, o PSB puniu o requerente por contrariar a orientação de bancada, sobrepondo o fechamento de questão às convicções políticas que o parlamentar, na linha defendida pelo Acredito, manifestava no tema da reforma da previdência desde antes de se filiar.13. Embora seja competência da Justiça comum examinar eventual pedido de anulação da sanção aplicada, cabe à Justiça Eleitoral considerar o fato para aferir se houve propósito de alijamento político do parlamentar punido.14. O partido alega que houve isonomia e imparcialidade na punição a todos os parlamentares filiados ao PSB que desafiaram a orientação de bancada e votaram a favor da reforma da previdência. Salienta, também, que extinguiu a sanção antes do prazo fixado, porque esta já teria cumprido sua finalidade.15. As teses defensivas não merecem acolhida. É certo que o "fechamento de questão", pelo qual se define a posição oficial do partido em determinada matéria legislativa, é um modo legítimo de concretização da disciplina partidária. Contudo, o PSB havia voluntariamente restringido sua prerrogativa de direcionar a atuação parlamentar dos membros do Acredito. Além disso, a aplicação uniforme da sanção a todos os parlamentares que votaram a favor da PEC nº 06/2019 apenas confirma que o partido desconsiderou, inteiramente, que havia prometido dispensar tratamento diferenciado ao parlamentar, em atenção a sua condição de integrante do Movimento Acredito.16. Colhe–se ainda dos autos que: (i) a prova testemunhal comprova que o excesso de rigor da medida sequer se coadunava com a praxe da agremiação; (ii) a extinção da penalidade foi decidida pelo partido já na véspera da apresentação das alegações finais nos presentes autos; e (iii) o presidente do Diretório Nacional do PSB divulgou nota dirigindo forte represália aos deputados da legenda que votaram a favor da PEC nº 6/2019, com expressa menção ao requerente, chegando a antecipar que o processo ético–disciplinar, ainda em trâmite, teria por resultado a punição dos parlamentares.17. Assim, está delineado um cenário de grave discriminação pessoal, caracterizado pela não aceitação da identidade política do requerente no âmbito do PSB, em franca violação ao pacto firmado na carta–compromisso com o Movimento Acredito. Demonstrou–se, de forma objetiva, a ruptura do dever de respeito do partido político em relação ao parlamentar, que se tornou alvo de tratamento intransigente, incompatível com os termos nos quais havia sido celebrada a sua filiação.IV – CONCLUSÃO18. Com esses fundamentos, acompanho o Relator na rejeição das preliminares, mas, no mérito, dele divirjo, para julgar procedente o pedido e declarar a existência de justa causa para a desfiliação de Felipe Rigoni do Partido Socialista Brasileiro, nos termos do inciso III do art. 22–A da Lei nº 9.096/1995.19. Pedido julgado procedente.