Jurisprudência TSE 060060398 de 08 de abril de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Floriano De Azevedo Marques
Data de Julgamento
21/03/2024
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial eleitoral para julgar procedente o pedido formulado na ação de investigação judicial eleitoral, determinando: a) a cassação dos candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Diretório Municipal Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) de Barra Mansa/RJ; b) a nulidade dos votos obtidos pelas chapas proporcionais, com o recálculo dos votos dos quocientes eleitoral e partidário, como estabelece o art. 222 do Código Eleitoral; c) a declaração de inelegibilidade de Rosana Silveira Amigo e de Luana dos Santos Ferreira, integrantes do polo passivo da lide; e d) o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. NÃO SUBSTITUIÇÃO DAS CANDIDATAS. ÓBICES À ELEGIBILIDADE FLAGRANTES OU PRESUMÍVEIS. CANDIDATURAS FICTAS. PROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por unanimidade, manteve a sentença que julgou improcedente o pedido formulado em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), que buscava a anulação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) do Município de Barra Mansa/RJ, relativo ao pleito de 2020, em razão da existência de supostas candidaturas fictícias, notadamente em razão da inviabilidade das candidaturas, diante da falta de condições de elegibilidade e da existência de causa de inelegibilidade. 2. O recurso especial foi inadmitido na origem e o agravo teve seguimento negado nesta instância pelo então relator. Em sede de agravo regimental, reconsiderei a decisão para prover o agravo a fim de submeter o apelo nobre a julgamento pelo plenário. 3. A recorrente postula a reforma do acórdão recorrido, para julgar procedente a ação de investigação judicial eleitoral e aplicar as sanções decorrentes do descumprimento do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. ANÁLISE DO RECURSO ESPECIALAtual jurisprudência do TSE 4. Em julgado oriundo do Município de Timon/MA (REspEl 0600965–83, de minha relatoria, DJE de 15.9.2023), este Tribunal decidiu, por unanimidade, que, se o partido assume o risco de lançar candidata potencialmente inelegível, ou mesmo sem reunir condições de elegibilidade, deve fazê–lo apenas se e quando já garantida a observância do mínimo legal com candidaturas juridicamente hígidas, ou sobre as quais não haja questionamento jurídico. 5. Sobre o tema, esta Corte tem firmado a orientação de que a apresentação de candidaturas inviáveis, apenas para cumprir o percentual da quota de gênero, aliada a outros elementos, tem o condão de configurar fraude à norma descrita no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. Nessa linha de entendimento, destaco os seguintes julgados: 0601822–64, rel. Min. Raul Araujo Filho, DJE de 15.2.2024; REspEl 0601218–35, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 11.12.2023; REspEl 0600914–12, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 1º.12.2023. Mérito – afronta ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/976. A Corte Regional concluiu pela improcedência da ação, à míngua de provas robustas acerca da fraude ao percentual mínimo estabelecido, conforme previsão do art. 10, § 3º, Lei 9.504/97, uma vez que o partido teria disponibilizado, para o pleito proporcional, 68% das vagas para o gênero masculino e 31% para o feminino, cenário que somente veio a ser alterado após o pleito, diante do deferimento posterior do registro de uma candidatura masculina. 7. A evolução normativa, doutrinária e jurisprudencial sobre os dispositivos que impactam a promoção de candidaturas do gênero sub–representado, no caso do gênero feminino, aponta para a necessidade do lançamento de candidaturas efetivas, com condições mínimas de partida, de participação na campanha eleitoral e de obtenção de resultados. 8. De acordo com o § 3º do art. 10 da Lei 9.504/97, do número de candidatos registrados para a Câmara dos Deputados, para a Câmara Legislativa, para as Assembleias Legislativas e para as Câmaras Municipais, "cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo", preceito voltado à representação parlamentar mais equânime entre os gêneros masculino e feminino. 9. O estabelecimento de cotas de gênero não vincula partidos a proporções estanques de candidaturas lançadas, senão aos parâmetros legais mínimo e máximo. Nada impede, e a necessária concretização dos vetores da igualdade e da representatividade eleitoral recomenda, que as agremiações lancem candidaturas do gênero sub–representado em patamar superior ao piso legal. 10. Mesmo quando consideradas as particularidades de cada colégio eleitoral, as agremiações partidárias, como pessoas jurídicas essenciais à realização dos valores democráticos, devem se comprometer ativamente com a concretização dos direitos fundamentais – são dotados de eficácia transversal – mediante o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa. 11. Sobrevindo questionamento à candidatura do gênero sub–representado, o partido deve, se ainda viável a substituição nos autos do DRAP, fazer as adequações necessárias à proporção mínima de candidaturas masculinas e femininas. Não o fazendo a tempo e modo, as candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou com razoável dúvida sobre a sua viabilidade, podem ser consideradas fictas para fins de apuração de alegada fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. Aspectos do caso concreto. Dos elementos indiciários caracterizadores da fraude à cota de gênero. Inviabilidade das candidaturas, inclusive no plano jurídico 12. Do exame das premissas fáticas registradas pela instância ordinária, extrai–se o seguinte: i) o partido inscreveu, na cota mínima de 30%, duas candidatas que claramente não preenchiam as condições legais para o deferimento dos seus registros, diante da ausência de condição de elegibilidade (falta de domicílio eleitoral na circunscrição do pleito) e de causa de inelegibilidade (condenação criminal); ii) os óbices às candidaturas foram detectados e as respectivas sentenças prolatadas antes do término do prazo de substituição; iii) embora uma das candidatas tenha recorrido contra o indeferimento do seu registro, não houve demonstração cabal da prática de atos efetivos de campanha; iv) o partido, mesmo tendo ciência da inviabilidade das candidaturas, não providenciou a substituição das candidatas dentro do prazo legal; v) as candidatas receberam recursos de campanha em valores ínfimos (R$ 369,00 e R$ 289,00); vi) as candidatas tiveram votação zerada, em vista da situação jurídica dos registros de candidatura. 13. A partir do parâmetro hermenêutico de que o lançamento de candidaturas femininas deve ser efetivo, minimamente viável no plano jurídico, a insistência do partido em manter, como integrantes de sua cota mínima, candidatas com óbices relevantes ao deferimento dos respectivos registros, associada à inação das candidatas para a defesa de suas candidaturas e para a consequente continuidade das campanhas, evidencia a fraude ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, mediante o preenchimento ficto da cota de gênero por quem não tinha a pretensão nem as condições jurídicas para participar do pleito. 14. Se o partido agravado decidiu manter candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou sobre as quais pairava razoável dúvida, fê–lo por conta e risco e sob pena de, uma vez desatendido o mínimo legal, ver reconhecida a fraude aos comandos normativos alusivos à promoção da participação da mulher na política e na representação de cargos parlamentares. DAS RAZÕES PARA O NÃO ACOLHIMENTO DAS ALEGAÇÕES DOS RECORRIDOS 15. O art. 57 da Res.–TSE 23.609, apontado como violado, consigna a ilegitimidade daquele que não impugnou o registro para recorrer da decisão que o tenha deferido, enquanto o caso em exame deve ser analisado à luz do art. 22 da LC 64/90, que atribui legitimidade ativa a qualquer partido político, coligação, candidato ou ao Ministério Público Eleitoral para ajuizar ação de investigação judicial eleitoral. 16. A reforma do julgado não demanda o reexame das provas dos autos, porquanto esta Corte tem firmado posicionamento no sentido de que: "O reenquadramento jurídico do acervo fático–probatório delineado na decisão recorrida não se confunde com o reexame do acervo dos autos e, por isso, não esbarra no óbice na Súmula n. 24 deste Tribunal Superior" (REspEl 0600617–97, rel. Min. Cármen Lúcia, DJE de 30.6.2023). CONCLUSÃO Recurso especial eleitoral a que se dá provimento, para julgar procedente o pedido formulado na ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), determinando: a) a cassação dos candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Diretório Municipal Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) de Barra Mansa/RJ; b) a nulidade dos votos obtidos pelas chapas proporcionais, com o recálculo dos votos dos quocientes eleitoral e partidário, tal como estabelece o art. 222 do Código Eleitoral; c) a declaração de inelegibilidade de Rosana Silveira Amigo e de Luana dos Santos Ferreira, integrantes do polo passivo da lide; d) o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão.