Jurisprudência TSE 060056430 de 23 de agosto de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Floriano De Azevedo Marques
Data de Julgamento
15/08/2024
Decisão
O Tribunal, por maioria, deu parcial provimento ao recurso especial eleitoral interposto pelo Ministério Público Eleitoral, para reformar o aresto regional e julgar procedentes os pedidos iniciais da ação de investigação judicial eleitoral, determinando: i) a cassação dos mandatos de Marlon Roberto Neuber e de Jeferson Rubens Garcia aos cargos de prefeito e vice¿prefeito do Município de Itapoá/SC nas Eleições de 2020; ii) a declaração de inelegibilidade do primeiro recorrido, Marlon Roberto Neuber; iii) a realização de eleições suplementares no Município de Itapoá/SC, na modalidade indireta; bem como a imediata execução do julgado, afim de que o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina adote as providências necessárias à realização de eleições indiretas para os cargos de prefeito e vice¿prefeito do Município de Itapoá/SC, devendo ser realizadas as imediatas comunicações à Corte de origem e ao respectivo Juízo Eleitoral acerca do inteiro teor da presente decisão, vencidos parcialmente os Ministros Nunes Marques e Raul Araújo, que divergiam apenas quanto à aplicação da pena de inelegibilidade. Acompanharam integralmente o Relator os Ministros André Ramos Tavares, André Mendonça e as Ministras Isabel Gallotti e Cármen Lúcia (Presidente). Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE–PREFEITO ELEITOS. ABUSO DO PODER POLÍTICO. UTILIZAÇÃO DE SERVIDORES E BENS DA PREFEITURA NA CAMPANHA ELEITORAL. PROVAS SUFICIENTES. GRAVIDADE. QUANTITATIVA E QUALITATIVA. CASSAÇÃO DOS MANDATOS. INELEGIBILIDADE. PROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, que, por maioria, negou provimento ao apelo interposto pelo Parquet, para manter a sentença proferida pelo Juízo da 105ª Zona Eleitoral, que julgou parcialmente procedente ação de investigação judicial eleitoral intentada em face de Marlon Roberto Neuber e de Jeferson Rubens Garcia – candidatos a prefeito e a vice–prefeito, eleitos no pleito de 2020 –, com base no art. 73, I e III, da Lei 9.504/97 e no art. 1º, I, d e h, da Lei Complementar 64/90, em virtude da contratação de servidores públicos para trabalhar em prol da sua campanha eleitoral, em pleno expediente, com a utilização de bens públicos, e, nos termos do § 4º do art. 73 da Lei 9.504/97, impôs a pena de multa, sem aplicar as sanções de cassação de diploma e de inelegibilidade.2. No apelo especial, o recorrente postula a reforma do aresto regional, com a condenação dos recorridos às sanções de inelegibilidade e cassação dos mandatos eletivos de prefeito e vice–prefeito do Município de Itapoá/SC.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIALViolação aos arts. 73, § 5º, da Lei 9.504/97 e 22, XVI, da Lei Complementar 64/903. O Tribunal de origem concluiu pela existência de provas suficientes quanto à materialidade do abuso das condutas imputadas à época dos fatos. Consta expressamente do acórdão que a extensa prova testemunhal, produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, corroborou os elementos probatórios compartilhados, trazidos com a inicial e anexados ao longo do curso do feito, demonstrando que ficou comprovada a prática de abuso de poder político, porquanto servidores públicos, com o conhecimento dos candidatos Marlon e Jeferson da chapa majoritária e em favor desses, trabalharam em horário de expediente para a campanha eleitoral. Todavia, embora comprovada a prática ilícita, a Corte de origem entendeu que a conduta não era grave o suficiente para a imposição da sanção de cassação.4. O recorrente aponta ofensa aos arts. 73, § 5º, da Lei 9.504/97 e 22, XVI, da Lei Complementar 64/90, alegando que o Tribunal de origem deveria ter imposto a sanção de cassação aos recorridos, haja vista a comprovação nos autos da gravidade da conduta por eles praticada.Reenquadramento jurídico dos fatosFundamento legal e jurisprudencial5. O art. 22 da LC 64/90 determina que, provocada, a Justiça Eleitoral tem o poder–dever de investigar condutas que caracterizem desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social.6. De acordo com o inciso XVI do art. 22 da LC 64/90, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.7. Consoante jurisprudência deste Tribunal, o abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas (AIJE 0600814–85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023).8. No mesmo precedente, esta Corte reafirmou o entendimento de que a gravidade é elemento típico das práticas abusivas, que se desdobra em um aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e outro quantitativo (significativa repercussão em um determinado pleito), destacando, ainda, que seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa.9. No que diz respeito à imposição de sanção de cassação em razão da prática das condutas vedadas previstas no art. 73, I e III, da Lei 9.504/97, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que as "sanções pela prática de condutas vedadas a agentes públicos devem ser proporcionais à gravidade dos fatos, somente acarretando a cassação de diploma nas hipóteses em que tiverem o condão de abalar a normalidade e a legitimidade do pleito" (AgR–REspEl 0600828–36, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 1º.12.2023).Existência de provas robustas da prática do abuso do poder político10. No caso, considerando que o próprio Tribunal de origem concluiu pela existência de provas suficientes quanto à materialidade do abuso das condutas praticadas pelo prefeito de Itapoá/SC à época dos fatos, e diante da exaustividade de fundamentos apresentados pela Corte de origem, considero despiciendo adentrar a análise da comprovação da abusividade das condutas, não havendo nenhuma dúvida quanto ao ponto.Gravidade da conduta11. A utilização do serviço de servidores públicos, em horário de expediente, e de bens públicos para a realização de campanha eleitoral já seria fator suficiente para demonstração da gravidade exigida para configuração do ato abusivo, pois, no caso, a conduta do primeiro recorrido transbordou o uso das prerrogativas do seu cargo público, com desvio de finalidade em seu favor e do segundo recorrido (eleitos aos cargos majoritários do município), violando, os direitos fundamentais do indivíduo, em especial o da liberdade ao voto e da segurança do processo eleitoral.12. Este Tribunal, no julgamento da AIJE 0600814–85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023, assentou que a tríade para a apuração do abuso (conduta, reprovabilidade e repercussão) se aperfeiçoa diante de: i) prova de condutas que constituem o núcleo da causa de pedir; ii) elementos objetivos que autorizem estabelecer juízo de valor negativo a seu respeito, de modo a afirmar que as condutas são dotadas de alta reprovabilidade (gravidade qualitativa); iii) elementos objetivos que autorizem inferir com necessária segurança que essas condutas foram nocivas ao ambiente eleitoral (gravidade quantitativa).Aspectos qualitativos. Reprovabilidade.13. Considerando que a reprovabilidade diz respeito a quanto as condutas foram capazes de influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos, cito as seguintes circunstâncias aptas a demonstrar a gravidade qualitativa da conduta praticada:a) Jadiel Miotti do Nascimento exercia o cargo de chefe de gabinete da administração pública municipal, mas também era o chefe da campanha dos recorridos, coordenando as ações e cobrando dos servidores João Carlos Santos de Lima, Matheus Bento de Oliveira e Lincoln Paul Pradal a produção do material destinado à publicidade da campanha durante o horário de expediente;b) as atividades eram feitas durante o horário de expediente, de acordo com o conteúdo extraído do Relatório de Investigação – Análise de Evidências, inclusive criando perfis falsos nas redes sociais com o fim de realizar postagens hostis aos demais candidatos ao pleito majoritário;c) a prova testemunhal produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa corroborou as demais provas no sentido de que os referidos servidores, com o conhecimento dos candidatos, trabalharam em horário de expediente para a campanha eleitoral, utilizando–se de bens e instalações públicas (mesa, computador e um drone de propriedade do Município de Itapoá).14. A contratação de servidores públicos comissionados escamoteou a contratação de profissionais especializados para trabalhar na campanha dos candidatos recorridos durante o horário de expediente, com remuneração paga pelos cofres públicos e com a utilização de bens do Município, isto é, toda a publicidade audiovisual da campanha dos recorridos foi produzida com recursos da Prefeitura.15. A gravidade da conduta é patente, tendo sido violados os princípios da moralidade, da impessoalidade, da legitimidade do pleito, da liberdade ao voto, da lisura e da segurança do processo eleitoral e da isonomia entre os candidatos, uma vez que houve desvio de finalidade na conduta dos servidores públicos, que, em vez de empregarem seus serviços em prol da Administração Pública, trabalharam para favorecer o prefeito e vice–prefeito candidatos à reeleição. Demais disso, a chapa candidata à reeleição ficou em posição de extrema vantagem, pois a publicidade de sua campanha foi realizada por profissionais qualificados, remunerados com recursos públicos de valor considerável, enquanto os demais candidatos ao mesmo cargo somente puderam utilizar recursos privados, do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.Aspectos quantitativos. Repercussão.16. A jurisprudência fixou o entendimento de que, para fins de constatação do grau de gravidade dos fatos, além dos critérios qualitativos, que correspondem ao grau de reprovação da conduta praticada, devem ser apurados elementos quantitativos que podem ser mensurados sob um viés mais criterioso, que envolve cada situação concreta, de modo a averiguar se houve mácula à legitimidade e à normalidade das Eleições.17. Considerando as informações colhidas do portal de dados aberto deste Tribunal relativas ao pleito de 2020 no Município de Itapoá e as premissas constantes do aresto regional, verifica–se que o prejuízo causado ao erário, apenas com o pagamento dos vencimentos dos quatro comissionados, foi da ordem de R$ 112.538,43, ou seja, valor equivalente a 91,4% do limite de gastos para a eleição majoritária no Município de Itapoá/SC.18. Ficou configurada na espécie a violação aos arts. 22, XVI, da Lei Complementar 64/90 e 73, § 5º, da Lei 9.504/97, pois presente a gravidade da conduta, hábil a ensejar a cassação dos mandatos eletivos de Marlon Roberto Neuber e Jeferson Rubens Garcia e a imposição da sanção de inelegibilidade por 8 (anos).Da sanção de inelegibilidade19. A jurisprudência do TSE é pacífica no sentido de que a sanção de inelegibilidade tem natureza personalíssima, sendo necessária, para a imposição de tal sanção ao vice–prefeito, réu da ação de investigação judicial eleitoral e beneficiário da conduta ilícita praticada, a comprovação da sua participação direta ou indireta nos fatos. Precedentes: AIJE nº 0601862–21/DF, rel. designado Min. Jorge Mussi, DJe de 26.11.2019); AREspE nº 0600236–41/CE, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 23.3.2023, DJe de 12.4.202320. A partir da moldura fática delineada no acórdão regional, verifica–se que o fato alusivo ao uso de servidores em campanha eleitoral denota a responsabilidade direta do prefeito candidato à reeleição, mas não permite, à míngua a de prova específica, concluir pela responsabilidade direta ou indireta ou menos anuência do então candidato a vice, integrante da respectiva chapa majoritária.21. Embora seja evidente a condição de beneficiário do recorrido Jefferson Rubens Garcia, vice–prefeito do Município de Itapoá/SC à época dos fatos e candidato à reeleição, não há, no aresto regional, elementos suficientes que apontem, ao menos, para sua anuência em relação à conduta praticada, razão pela qual não é cabível, na linha da jurisprudência desta Corte, impor–lhe sanção de inelegibilidade.Dos efeitos da decisão: incidência do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral e jurisprudência do TSE sobre o tema22. Tendo em vista o reconhecimento na espécie, de violação aos arts. 22, XVI, da Lei Complementar 64/90 e 73, § 5º, da Lei 9.504/97, a ensejar a cassação dos mandatos eletivos do prefeito e vice–prefeito eleitos de Itapoá/SC, caberia a realização de novas eleições no município, tendo em vista o teor do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, segundo o qual "A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados".23. Na linha da jurisprudência desta Corte, não é possível a realização de eleições diretas no presente caso, haja vista a proximidade às eleições municipais de 2024, o que ensejaria um mandato excessivamente breve e envolveria gastos elevados de recursos públicos. Precedentes: MS nº 23451, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 2.8.2016; Respe 442–59, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 2.9.2016 e MS nº 21982, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 28.9.2015.24. A realização de eleições suplementares na modalidade direta na mesma data das eleições ordinárias, nos termos do art. 1º, § 3º, da Res.–TSE 23.280, ou no dia 10.11.2024, conforme data prevista na Portaria/TSE nº 881/2023, certamente causaria confusão nos eleitores, que teriam de eleger dois representantes para o mesmo cargo, em um mesmo dia, ou em datas próximas, e ensejaria excessiva alternância na Chefia do Poder Executivo local em curto período de tempo.25. Em atenção aos princípios da razoabilidade, economicidade e eficiência administrativa, e na linha da jurisprudência desta Corte, devem ser realizadas, na espécie, eleições na modalidade indireta.Da escolha de novo prefeito e da inaplicabilidade da Lei Orgânica Municipal26. A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, o art. 81, § 1º, da Constituição Federal, segundo o qual, "ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei" não encerra disposição de reprodução obrigatória pelos municípios.27. Cada município tem autonomia para disciplinar o processo de escolha do prefeito na hipótese de dupla vacância, no último biênio do mandato, seja por meio de eleições diretas ou indiretas, devendo ser observada, em cada caso, a Lei Orgânica do Município. Nesse sentido: ADI 1.057/BA, Rel. Min. Celso de Mello, de 201411994, e ADI 4.2981TO, Rei. Min. Cezar Peluso, de 711012009.28. Evidencia–se a inaplicabilidade da Lei Orgânica de município no caso concreto, porque se afigura manifestamente inconstitucional a previsão de que, na hipótese de dupla vacância no último ano do mandato, assuma o Presidente da Câmara, que completará o período. Ainda que o art. 81, § 1º, da Carta Magna não seja de observância obrigatória pelos municípios, não pode uma lei local deixar de adotar a solução de consecução de novas eleições na localidade, ainda que de forma indireta e à margem do texto constitucional que privilegia um processo de votação, meramente estabelecendo a automática a assunção definitiva do Presidente do Poder Legislativo para o exercício do restante do mandato de prefeito.CONCLUSÃORecurso especial eleitoral a que se dá parcial provimento, para julgar procedente o pedido formulado na ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), determinando:i) a cassação dos mandatos de Marlon Roberto Neuber e de Jeferson Rubens Garcia aos cargos de prefeito e vice–prefeito do Município de Itapoá/SC nas Eleições de 2020;ii) a declaração de inelegibilidade do primeiro recorrido, Marlon Roberto Neuber;iii) a realização de eleições suplementares no Município, na modalidade indireta;iv) o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão.