Jurisprudência TSE 060055038 de 18 de dezembro de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. André Ramos Tavares
Data de Julgamento
07/12/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração, com efeitos modificativos, para dar provimento ao agravo em recurso especial, a fim de reformar o acórdão regional e julgar procedentes os pedidos formulados na AIJE e, por conseguinte: (i) decretar a nulidade dos votos recebidos pelo PTC no Município de Quixeramobim/CE para o cargo de vereador nas Eleições 2020; (ii) cassar o respectivo DRAP, os diplomas e os registros dos candidatos a ele vinculados, com recálculo dos quocientes eleitoral e partidário; e (iii) declarar a inelegibilidade de Géssica Costa Lopes e de Síria Soares Capistrano, com a respectiva anotação nos cadastros eleitorais, e determinou, ainda, a execução imediata do acórdão, independentemente de publicação, nos termos do voto do Relator.Acompanharam o Relator, a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE À COTA DE GÊNERO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. ELEMENTOS FÁTICOS–PROBATÓRIOS CONSTANTES DA FUNDAMENTAÇÃO DO JULGADO REGIONAL. VOTAÇÃO INEXPRESSIVA. INEXISTÊNCIA DE GASTOS ELEITORAIS. PROVAS FRÁGEIS DA PRÁTICA DE ATOS DE CAMPANHA. DESISTÊNCIA TÁCITA DE CANDIDATURA NÃO COMPROVADA. REENQUADRAMENTO JURÍDICO. POSSIBILIDADE. ILÍCITO CONFIGURADO. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS MODIFICATIVOS.1. No acórdão embargado, negou–se provimento ao agravo em recurso especial formalizado contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE/CE) pelo qual foi mantida a improcedência dos pedidos formulados em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) ajuizada em desfavor do Partido Trabalhista Cristão (PTC) do Município de Quixeramobim/CE e de toda a chapa proporcional apresentada pela agremiação nas Eleições 2020, por alegada fraude à cota de gênero (art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97), ante a incidência da Súmula nº 24/TSE.2. Nas razões dos aclaratórios, o embargante afirma que o acórdão é omisso e equivocado quanto aos pressupostos fáticos estabelecidos pelo TRE/CE, uma vez que adotou as conclusões assentadas na ementa do aresto regional sem ponderar os motivos fático–probatórios específicos declinados na sua fundamentação, julgado que foi integrado por um segundo acórdão em que reconhecidos erro de fato e omissão quanto às oitivas citadas como prova.3. Diante de uma leitura mais acurada da fundamentação do acórdão regional e do aresto integrativo, colhem–se, como afirma o embargante, aspectos fáticos suficientes para firmar entendimento no sentido contrário, na linha da remansosa jurisprudência deste Tribunal Superior.4. A partir do julgamento do AgR–AREspEl nº 0600651–94/BA, Rel. designado Min. Alexandre de Moraes, DJe de 30.6.2022, esta Corte Superior tem entendido que votação zerada ou pífia, existência de ajuste contábil padronizado ou zerado e não realização de atos efetivos de campanha autorizam o reconhecimento de candidatura fictícia quando ausentes indicativos de desistência tácita da disputa eleitoral.5. No caso em tela, a despeito de o TRE/CE ter compreendido ser insuficiente o suporte probatório da aventada fraude à cota de gênero para candidaturas femininas, a moldura fática delineada no acórdão regional evidencia cenário de afronta ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, não cabendo falar em reexame do conjunto fático–probatório dos autos, mas tão somente em reenquadramento jurídico.6. Na hipótese, estão presentes circunstâncias persuasivas da prática de fraude à cota de gênero no DRAP do PTC, nas eleições proporcionais de 2020 do Município de Quixeramobim/CE, relativamente às candidaturas de Géssica Costa Lopes e de Síria Soares Capistrano, a saber: (i) votação módica pela primeira candidata (14 votos) e irrisória pela segunda (1 voto); (ii) inexistência de movimentação financeira; (iii) não abertura de conta bancária; (iv) ausência de comprovação de atos efetivos de campanha.7. A Corte de origem compreendeu que as seguintes peculiaridades afastariam a configuração do ilícito: (i) as candidaturas femininas supostamente fictícias não foram as únicas com votação inexpressiva ou com contas não prestadas, tendo ocorrido o mesmo com candidaturas masculinas; (ii) Géssica Costa Lopes afirmou, em sua defesa, ter realizado atos de campanha, o que foi confirmado por Rafael Bruno Nógemo Sousa, ouvido na condição de informante; e (iii) indícios de eventual desistência tácita de Síria Soares Capistrano.8. O fato de candidaturas masculinas apresentarem contextos semelhantes não tem o condão de, isoladamente, afastar de imediato as evidências da prática de fraude ao sistema de cotas de gênero. É necessário o cotejo com outros elementos convincentes da veracidade das candidaturas, inexistentes na espécie.9. O depoimento pessoal da investigada deve ser considerado cum grano salis, uma vez que não constitui meio de prova em sede de investigação judicial (AIJE nº 0601779–05, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 11.3.2021), o que, somado à fragilidade de depoimento prestado por informante sem amparo em outros elementos, tais como fotos, vídeos, materiais publicitários, não se revela apto a comprovar a realização de atos de campanha.10. Ainda que se pudesse cogitar de candidatura não fictícia em relação à Géssica, tal conclusão não seria extensível à segunda candidata, a qual, conforme se extrai do parecer ministerial reproduzido no acórdão regional, admitiu que a intenção do partido ao lançar sua candidatura era apenas o preenchimento da cota de gênero.11. Aliado a isso, o entendimento do TRE/CE no sentido da existência de indícios de eventual desistência tácita em relação à candidata Síria Capistrano não encontra amparo no quadro fático–probatório do acórdão.12. Segundo a compreensão desta Corte Superior, a desistência tácita pressupõe ao menos um início de campanha a fim de demonstrar que havia originalmente a intenção de concorrer ao pleito, o que não ocorreu na hipótese dos autos, especialmente pela ausência de abertura de conta bancária e a realização de atos de propaganda.13. Diante das premissas fáticas extraídas do acórdão regional – (i) obtenção de votação irrisória; (ii) inexistência de movimentação financeira; (iii) não abertura de conta bancária; (iv) provas frágeis da realização de atos de campanha; (v) admissão de candidatura fictícia; e (vi) inexistência de indícios de desistência tácita –, e considerando os parâmetros objetivos definidos por este Tribunal Superior, conclusivos da ocorrência de fraude no lançamento de candidaturas femininas, reiterados em sucessivos precedentes, revela–se inequívoca a necessidade de modificar o entendimento adotado na origem.14. Embargos de declaração providos para julgar procedentes os pedidos formulados na AIJE, a fim de decretar a nulidade dos votos recebidos pelo PTC nas eleições proporcionais de 2020 do Município de Quixeramobim/CE, cassar o respectivo DRAP e, por consequência, o diploma dos candidatos a ele vinculados, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, declarar a inelegibilidade de Géssica Costa Lopes e de Síria Soares Capistrano, com a respectiva anotação nos cadastros eleitorais, bem como determinar a execução imediata do aresto, independentemente de publicação.