Jurisprudência TSE 060050175 de 02 de setembro de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Floriano De Azevedo Marques
Data de Julgamento
22/08/2024
Decisão
(Julgamento conjunto: AREspE nº 0600501-75.2020.6.21.0044 e AREspE nº 0600036-32.2021.6.21.0044) O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao agravo, bem como ao recurso especial eleitoral interpostos por Osvaldo Froner nos autos da AIJE 0600501-75, a fim de reformar o acórdão regional e julgar improcedente a AIJE fundada no art. 41-A da Lei 9.504/97, tornando insubsistentes as sanções aplicadas com base nesse dispositivo; deu provimento ao agravo, mas negou provimento ao recurso especial eleitoral interposto por Osvaldo Froner nos autos da AIJE 0600036-32, a fim de manter a sanção de cassação do seu mandato de prefeito do Município de Capão do Cipó/RS em razão da prática do ilícito previsto no art. 30-A da Lei 9.504/97, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros André Ramos Tavares, Nunes Marques, André Mendonça, Raul Araújo e as Ministras Isabel Gallotti e Cármen Lúcia (Presidente). Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. AGRAVOS EM RECURSO ESPECIAL. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. POSSIBILIDADE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO ART. 41–A DA LEI 9.504/97. AUSÊNCIA DE PROVAS. DEPOIMENTO PRESTADO NA FASE INQUISITORIAL. SUSTENTAÇÃO. ÉDITO CONDENATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 30–A DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE DA NORMA. VIOLAÇÃO. AUSÊNCIA. GRAVIDADE DA CONDUTA. QUEBRA DA PARIDADE ENTRE OS CANDIDATOS. LESÃO À LEGITIMIDADE DO PLEITO. CONFIGURAÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 30 DO TSE.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de agravos de instrumento contra decisões denegatórias de recursos especiais manejados por Osvaldo Froner, prefeito eleito do Município de Capão do Cipó/RS, nas Eleições 2020, contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul que, em julgamento conjunto das AIJEs 0600501–75.2020.6.21.0044 e 0600036–32.2021.6.21.0044, rejeitou a matéria preliminar e negou provimento a recursos, mantendo a condenação do agravante e de Anselmo Fracaro Cardoso, vice–prefeito do Município de Capão do Cipó/RS, eleito em 2020, ao pagamento de multa, no valor de 5.000 Ufirs, e à cassação dos seus diplomas de prefeito e vice–prefeito, com base nos arts. 41–A e 30–A, § 2º, da Lei 9.504/1997 em razão da prática de captação ilícita de sufrágio e de captação ilícita de recursos para campanha eleitoral.ANÁLISE DOS AGRAVOS2. O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul negou seguimento aos recursos especiais com base nos verbetes sumulares 24 e 28 do TSE. Uma vez que o agravante impugnou devidamente os fundamentos da decisão agravada e haja vista a relevância e a viabilidade das alegações formuladas em sede de recurso especial, os agravos merecem ser providos, passando–se, desde logo, ao exame dos recursos especiais.ANÁLISE DOS RECURSOS ESPECIAISPossibilidade de reenquadramento jurídico dos fatos3. O exame dos recursos especiais não envolve nova apreciação do conjunto probatório dos autos, tampouco incursão na matéria fática, pois a análise restringe–se à conclusão a que chegou a Corte de origem a partir dos elementos fáticos descritos no acórdão regional, tratando–se, pois, de nova qualificação jurídica dos fatos, o que não encontra óbice na Súmula 24 do TSE.Captação ilícita de sufrágio (art. 41–a da lei 9.504/97) – AIJE 0600501–754. Consoante se verifica do voto condutor do acórdão regional, a condenação fundada no art. 41–A da Lei 9.504/97 foi baseada no fato de ter sido identificada a compra e distribuição de 945 litros de gasolina em um curto período a pessoas que trabalhavam na campanha eleitoral.Depoimentos prestados em sede inquisitorial e judicial5. Os frentistas Alceu Adílio Girardi e Bianca Nascimento Pereira prestaram depoimento em procedimento instaurado pelo Ministério Público Eleitoral, afirmando que Leandro, Presidente do Progressistas (PP) e Robson, tesoureiro do partido, efetuavam o pagamento de combustível ao posto de gasolina, e o distribuíam, por meio de vales, a pessoas que trabalhavam na campanha e a eleitores que pediam combustível para os candidatos. Na fase judicial, as testemunhas afirmaram que não houve abastecimento de veículos por eleitores com os vales–combustíveis destinados ao pessoal da campanha.6. Os depoimentos colhidos em fase extrajudicial não podem ser considerados como prova para a condenação, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório e à ampla defesa.Ausência de provas quanto à prática de captação ilícita de sufrágio7. Para a comprovação da prática de captação ilícita de sufrágio, afigura–se indispensável a comprovação do dolo específico da conduta, isto é, do especial fim de agir, consistente na vontade de obter o voto de eleitor.8, Na espécie, conforme se verificou a partir dos elementos fáticos descritos pela Corte de origem, não consta nenhum elemento no acórdão regional que permita se chegar à conclusão de que a distribuição do combustível tenha ocorrido em troca de votos, não havendo, pois, prova robusta da prática de captação ilícita de sufrágio.9. Não há nenhuma menção, no acórdão regional, à participação ou anuência do candidato beneficiado, o que inviabiliza a conclusão no sentido da configuração do ilícito previsto no art. 41–A da Lei 9.504/97, uma vez que tal anuência não pode se basear em mera presunção, conforme jurisprudência consolidada desta Corte.10. O fato de as testemunhas Bianca e Alceu terem sido demitidas, logo após o ajuizamento das ações ora em exame, não faz prova de que teria havido pressões e coações que lhes induziram à troca de versões, não se afigurando relevante para a comprovação robusta da prática do ilícito imputado ao agravante.11. Embora seja incontroversa, na espécie, a distribuição de combustível a correligionários, não há elementos, no acórdão regional, suficientes para embasar a condenação com fundamento no art. 41–A da Lei 9.504/97, para a qual é necessário um acervo probatório íntegro, robusto e coeso sobre o oferecimento de bem ou vantagem em troca do voto, produzido sob o contraditório judicial, o que não se verifica no caso dos autos.Captação ilícita de recursos (art. 30–A da Lei 9.504/97) – AIJE 0600036–3212. O Tribunal de origem condenou o agravante pela prática do ilícito previsto no art. 30–A da Lei 9.504/97, em razão dos seguintes fatos: i) omissão de despesas no valor de R$ 4.800,00 relativas a gastos com combustível; e ii) recebimento de doações em dinheiro no valor de R$ 4.250,00 para pagamento de honorários advocatícios de forma simulada, isto é, por pessoa interposta, uma vez que o doador originário não teria sido declarado na prestação de contas.Da ausência de violação ao princípio da especialidade da norma13. O agravante argumenta que foi julgado e condenado, em processos julgados conjuntamente, pelos mesmos fatos com a incidência concomitante das normas de captação ilícita de sufrágio (art. 41–A) e de arrecadação e gasto ilícito de recursos de campanha (art. 30–A), o que seria incompatível com o princípio da especialidade da norma. Não assiste razão ao agravante quanto ao ponto, pois, em primeiro lugar, o princípio da especialidade diz respeito, na realidade, à prevalência da norma especial sobre a geral, não tendo relação com a condenação por condutas ilícitas diversas. Ademais, a condenação com fundamento no art. 41–A da Lei 9.504/97, conforme afirmado acima, se deu em razão da suposta distribuição de combustível em troca de votos, e a imposição de sanção com fundamento no art. 30–A da Lei 9.504/97 foi baseada na captação ilícita de recursos consistente na omissão de gastos e recebimento de doações de forma simulada.Da gravidade da conduta14. Conforme a jurisprudência desta Corte, para a configuração do ilícito do art. 30–A da Lei 9.504/97, é necessária prova robusta de arrecadação ilícita de recursos, com gravidade suficiente para macular a lisura do pleito e o equilíbrio entre os candidatos.15. A Corte de origem afirmou que, na espécie, sob o aspecto quantitativo, os gastos omitidos são relevantes, representando quase 50% das despesas e que, sob o aspecto qualitativo dos recursos omitidos, é inegável a relevância jurídica da sonegação de gastos, pois foram empregados de forma simulada e utilizados para compra de votos.16. Segundo o voto condutor do acórdão recorrido, embora, na contestação, alegue–se que o total de despesas da campanha dos representados teria chegado ao montante de R$ 69.506,50, o total das despesas declaradas na prestação de contas corresponde, na realidade, a R$ 18.388,00 (conforme consulta ao site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89141/210000746201, acesso em 8.8.2022).17. Os valores referentes à captação irregular de recursos (omissão de declaração e simulação de doações somados perfazem a quantia de R$ 9.050,00, o que equivale a quase 50% do total de despesas declaradas na prestação de contas.18. Além da relevância do percentual dos recursos captados de forma ilícita, o que demonstra que parte significativa dos recursos recebidos foi proveniente de origem não comprovada, violando a igualdade entre os candidatos, a lisura e a transparência das eleições, ficou plenamente evidenciada a má–fé nas condutas praticadas, pois, além da omissão nos gastos com combustíveis, o próprio tesoureiro do partido confirmou a simulação das doações realizadas para o pagamento dos honorários advocatícios, o que revela o intuito de subtrair a efetiva origem dos recursos da análise da Justiça Eleitoral.19. Embora o valor absoluto da irregularidade (R$ 9.050,00) possa ser considerado como não significativo para gerar a grave sanção de cassação de mandato em campanhas de proporções maiores, tal raciocínio não se aplica ao caso dos autos, uma vez que se trata de município com apenas 2.792 eleitores, conforme dados do TSE, em que o valor total das despesas realizadas pelo candidato primeiro colocado ao cargo de prefeito correspondeu à modesta quantia de R$ 18.388,00, o que demonstra a relevância do valor correspondente à irregularidade.20. Ficou comprovada a gravidade da conduta, apta a desequilibrar o pleito municipal, tendo em vista que a simulação de doações e a ocultação de despesas e da origem de recursos, especialmente tendo em vista o elevado percentual dos valores correspondentes a tais ilícitos, configura quebra da paridade entre os candidatos e lesão à legitimidade do pleito, sendo proporcional a cassação de diploma aplicada na sentença e mantida pelo TRE/RS.Da ausência de divergência jurisprudencial21. O agravante sustenta que ficou demonstrada a divergência jurisprudencial entre o acórdão regional e o proferido no julgamento do RO 393–22 do Tribunal Superior Eleitoral, no qual se entendeu não comprovado o ilícito previsto no art. 30–A da Lei 9.504/97, apesar de se tratar de montantes com participação percentual do valor da campanha muito maior do que o dos autos.22. Não foi realizado o devido cotejo analítico nem comprovada a similitude fática entre os acórdãos, o que atrai a incidência da Súmula 28 do Tribunal Superior Eleitoral. Ademais, no julgado paradigma invocado, esta Corte concluiu que não ficou comprovada a relevância jurídica para ensejar a cassação do diploma, na medida em que não foi demonstrada a utilização de recursos de fontes vedadas ou a prática de caixa dois. Na espécie, diferentemente, conforme consignado pelo Tribunal de origem, restou incontroverso nos autos que houve a omissão de gastos com combustíveis e a simulação de doações com a ocultação do doador originário, uma vez que se utilizou de sistemática por meio da qual pessoas físicas receberam doações a fim de serem repassadas ao advogado da campanha, tendo ficado assentado expressamente que os pagamentos foram realizados com valores que não foram declarados na prestação de contas e provenientes de recursos de fonte não identificada, mascarados, ou de caixa dois do partido. Assim, não há similitude fática entre o acórdão recorrido e o julgado invocado, não havendo falar, portanto, em dissídio jurisprudencial.23. A conclusão do Tribunal de origem está de acordo com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a gravidade do fato é demonstrada por sua relevância jurídica e econômica pela má–fé, revelada pela ocultação da origem de despesas e receitas perante a Justiça Eleitoral. Incidência da Súmula 30 do TSE.CONCLUSÃO24. Agravo e recurso especial interpostos por Osvaldo Froner, nos autos da AIJE 0600501–75, providos, a fim de reformar o acórdão regional e julgar improcedente a AIJE fundada no art. 41–A da Lei 9.504/97, tornando insubsistentes as sanções aplicadas com base nesse dispositivo.25. Agravo interposto por Osvaldo Froner, nos autos da AIJE 0600036–32, provido, e recurso especial desprovido, a fim de manter a sanção de cassação do seu mandato de prefeito do Município de Capão do Cipó/RS em razão da prática do ilícito previsto no art. 30–A da Lei 9.504/97.Agravos em recurso especial providos. Recurso especial 0600501–75 provido. Recurso especial 0600036–32 desprovido.