Jurisprudência TSE 060048306 de 28 de setembro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Benedito Gonçalves
Data de Julgamento
13/09/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, conheceu da Consulta e respondeu aos seus questionamentos, determinando, ainda, a comunicação imediata do seu teor aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos, federações e coligações, independentemente da publicação do acórdão, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Raul Araújo, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
CONSULTA. PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA. DESTINAÇÃO. PERCENTUAIS. QUOTA. CANDIDATURAS. MULHERES E PESSOAS NEGRAS.1. Consulta por meio da qual se formulam cinco indagações acerca de parâmetros e medidas que efetivamente assegurem, às candidaturas de mulheres e de pessoas negras, espaço de tempo na propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão (art. 77, § 1º, da Res.–TSE 23.610/2019, alterado pela Res.–TSE 23.671/2021).PRESSUPOSTOS. LEGITIMIDADE ATIVA. ABSTRAÇÃO. INÍCIO DO PERÍODO ELEITORAL. EXCEPCIONALIDADE. PRECEDENTES. CONHECIMENTO DA CONSULTA.2. A Consulta foi formulada por Deputada Federal, atendendo–se ao pressuposto da legitimidade, e as indagações não possuem liame direto ou indireto com casos concretos, em observância ao art. 23, XII, do Código Eleitoral.3. Na linha da mais recente jurisprudência, admite–se de modo excepcional, após o início do período eleitoral, apreciar consultas quando "versem sobre tema de grande relevância" e sem interferência em aspectos como a normalidade do pleito ou a paridade de armas (CTA 0600522–03, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, de 30/8/2022, sobre porte de armas no dia da eleição). No mesmo sentido, CTA 0600401–72, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, de 18/8/2022 (políticas afirmativas quanto aos recursos públicos de campanha).TEMA DE FUNDO. DELIMITAÇÃO. DÉFICIT HISTÓRICO. PROTEÇÃO. MULHERES. PESSOAS NEGRAS. AVANÇOS JURISPRUDENCIAIS E LEGISLATIVOS. ELEIÇÕES 2022. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. PODER REGULAMENTAR. ALTERAÇÕES. RES.–TSE 23.671/2021.4. É dever do Poder Público, em todas as suas portas de entrada, envidar os meios necessários para combater a proteção deficiente que persiste até os dias atuais em relação às minorias.5. Ao longo de mais de três décadas da reabertura democrática, mulheres e pessoas negras permaneceram em grande parte à mercê de ações afirmativas que assegurassem meios concretos de incentivo, participação e promoção nas campanhas, em verdadeiro descompasso entre fundamentos e direitos fundamentais previstos na Constituição – dentre eles a isonomia, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político – e o quotidiano da vida política brasileira.6. As mulheres, embora maioria da população brasileira, ainda assim são subrepresentadas no jogo político–democrático, com apenas 33% das candidaturas nas Eleições 2022. Ademais, segundo a Inter–Parliamentary Union, o Brasil ocupa a 142ª posição em representatividade feminina no parlamento.7. Quadro similar subsiste quanto à participação de pessoas negras nas eleições, impondo–se aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário enfrentar o racismo, que se manifesta em nosso País não apenas no plano individual, como também em suas vertentes institucional e estrutural.8. O Tribunal Superior Eleitoral e a Suprema Corte avançaram nas ações afirmativas em benefício de mulheres e pessoas negras nas eleições: (a) na ADI 5.617, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 3/10/2018, decidiu–se "equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas [...] isto é, ao menos 30% de cidadãs, ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do fundo alocado a cada partido"; (b) Na CTA 0600252–18, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 15/8/2018, asseverou–se que as candidaturas de mulheres também devem ser contempladas com ao menos 30% da propaganda gratuita; (c) na CTA 0600306–47, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 5/10/2020, assegurou–se às negras e aos negros, na proporção de suas candidaturas, o acesso aos recursos públicos de campanha e à propaganda gratuita a partir das Eleições 2022; (d) na ADPF 738, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, antecipou–se o entendimento para 2020.9. Esta Corte, no exercício de seu poder regulamentar (arts. 105 da Lei 9.504/97 e 23, IX, do Código Eleitoral), implementou para as Eleições 2022 novas disposições visando incrementar a presença de mulheres e de pessoas negras nas campanhas. No art. 77, § 1º, da Res,–TSE 23.6102/2019, positivou–se a distribuição proporcional do tempo de propaganda considerando essas candidaturas e, no art. 65, VI, previu–se que as legendas, ao encaminharem seus mapas de mídia às emissoras, devem informar em formulário o respectivo percentual de tempo. 10. Apesar dos notórios avanços, remanescem dúvidas e intercorrências acerca da fiscalização desses percentuais, o que impõe respostas às indagações formuladas na presente Consulta.PRIMEIRO QUESTIONAMENTO. CRITÉRIOS. CÁLCULO. COTAS. HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. PLATAFORMAS E MODALIDADES.11. Resposta à primeira pergunta: para fim de atendimento ao art. 77, § 1º, da Res.–TSE 23.610/2019, o tempo de propaganda eleitoral gratuita para candidaturas de mulheres e de pessoas negras deve observar não apenas o percentual global, como também os percentuais individuais, assim considerados, separadamente, o rádio e a televisão, e, nessas plataformas, os blocos e as inserções.12. O cálculo apenas global poderia representar, dentre outras consequências deletérias, a redução da efetividade da ação afirmativa, haja vista brechas por meio das quais a propaganda dessas candidaturas poderia ser direcionada a plataformas ou modalidades de menor alcance.SEGUNDO QUESTIONAMENTO. PUBLICIZAÇÃO. DADOS. CORTES ELEITORAIS.13. Resposta à segunda pergunta: os tribunais eleitorais devem disponibilizar, em cada circunscrição, nas respectivas páginas na internet, as informações do tempo de propaganda gratuita quanto às candidaturas de mulheres e de pessoas negras com base nos dados fornecidos por partidos políticos, federações e coligações constantes do formulário do anexo III da Res.–TSE 23.610/2019.14. Dois dos princípios mais caros à Justiça Eleitoral são o da publicidade e o da transparência, atendendo–se ao art. 37, caput, da CF/88. Ainda, a falta de disponibilização dessas informações praticamente inviabiliza quaisquer providências em caso de descumprimento dos percentuais, porquanto demandaria que os interessados buscassem, emissora por emissora, tais dados.TERCEIRO QUESTIONAMENTO. AFERIÇÃO. COTAS. CICLO GLOBAL E SEMANAL.15. Resposta à terceira pergunta: para fim de atendimento ao art. 77, § 1º, da Res.–TSE 23.610/2019, o tempo de propaganda eleitoral gratuita para candidaturas de mulheres e de pessoas negras deve observar o período global da campanha e também ciclos semanais.16. A existência de ciclos semanais, a um só tempo, contempla a periodicidade já prevista na Lei 9.504/97, prestigia a ação afirmativa e preserva a autonomia partidária (art. 17, § 1º, da CF/88), garantindo–se às legendas que gerenciem a propaganda, desde que respeitado o critério de cálculo.QUARTO QUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. JUSTIÇA ELEITORAL. CRIAÇÃO. SANÇÕES. AUSÊNCIA. PREVISÃO LEGAL. RESSALVA. MEDIDAS COERCITIVAS. ARTS. 139, IV E 537 DO CPC/2015.17. Resposta à quarta pergunta: a inobservância dos percentuais mínimos de tempo de propaganda gratuita para candidaturas de mulheres e de pessoas negras, embora não autorize à Justiça Eleitoral impor sanções de direito material à míngua de previsão legislativa, possibilita que os interessados ajuízem representação sob o rito do art. 96 da Lei 9.504/97 para fim de compensação e requeiram a imposição de medidas processuais atípicas, dentre elas as astreintes (arts. 139, IV e 537 do CPC/2015).18. Diante do princípio da reserva legal, não cabe ao Poder Judiciário criar sanções – o que não se confunde, porém, com a mera regulamentação dos critérios de aferição dos percentuais da propaganda, tema das demais indagações postas na Consulta.QUINTO QUESTIONAMENTO. COMPENSAÇÃO. HIPÓTESE. INOBSERVÂNCIA. COTA.19. Resposta à quinta pergunta: na hipótese de inobservância dos percentuais destinados às candidaturas de mulheres e de pessoas negras na propaganda gratuita, deve haver a respectiva compensação nas semanas seguintes até o fim da campanha.20. Caso em que, mais uma vez, se equaciona a autonomia partidária ao permitir que as legendas se planejem melhor e não sejam surpreendidas com eventual determinação ao fim de um ciclo semanal. De outra parte, não há prejuízo às candidaturas, que poderão ser contempladas até o término da campanha.APLICABILIDADE IMEDIATA. ELEIÇÕES 2022.21. Incidência deste julgamento já nas Eleições 2022. A previsão de cotas para candidaturas de mulheres e de pessoas negras encontra–se normatizada desde 2021, quando se alterou o art. 77, § 1º, da Res.–TSE 23.610/2019, inclusive se prevendo que as legendas especificassem os respectivos percentuais em cada mídia entregue às emissoras.22. Ademais, vê–se das respostas à Consulta que: (a) apenas se determina que as cortes eleitorais consolidem as informações já fornecidas pelas legendas quando da entrega das mídias às emissoras; (b) assenta–se que não cabe à Justiça Eleitoral criar sanções, o que não impede a aplicação de medidas coercitivas; (c) somente se delimitam etapas intermediárias para que se cumpram os percentuais; (d) diante da prévia existência da cota global, eventuais descumprimentos devem ser, de todo modo, ao fim e ao cabo, objeto de compensação.CONCLUSÃO.23. Consulta respondida nos termos da fundamentação. Comunicação imediata aos tribunais regionais eleitorais e aos partidos políticos, federações e coligações, independentemente de publicação, encaminhando–se cópia deste aresto.