Jurisprudência TSE 060047727 de 02 de maio de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
11/04/2023
Decisão
Julgamento conjunto: REspel nº 060000152 e RESpel nº 060047727O Tribunal, por unanimidade, deu provimento aos agravos e aos recursos especiais, para reformar os acórdãos recorridos e julgar procedentes os pedidos formulados na representação por captação ilícita de sufrágio e na AIME, determinando a cassação dos diplomas do prefeito e vice¿prefeito do Município de São Lourenço do Piauí/PI e a aplicação de multa, arbitrada, para cada um dos recorridos, em valor equivalente a 50.000 Ufirs; bem como a comunicação imediata ao Tribunal Regional Eleitoral do Piauí para adoção das medidas pertinentes, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques (substituto), Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS. REPRESENTAÇÃO. ART. 41–A DA LEI Nº 9.504/1997. AIME. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO SOB O VIÉS DA CORRUPÇÃO ELEITORAL. IDENTIDADE FÁTICA. APRECIAÇÃO EM CONJUNTO. MÚLTIPLAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS EFETUADAS EM LOCAL PÚBLICO POR UM DOS INTERLOCUTORES. LICITUDE DA PROVA. MATÉRIA INCONTROVERSA. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO, COERENTE E HARMÔNICO, COTEJANDO–SE O CONTEÚDO DAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS COM OS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. COMPROVADA A PARTICIPAÇÃO DOS CANDIDATOS NO ILÍCITO. COMPROMETIMENTO DA NORMALIDADE E LEGITIMIDADE DO PLEITO. DESEQUILÍBRIO DA DISPUTA. PROVIDOS OS AGRAVOS E OS RECURSOS ESPECIAIS.1. O TRE/PI, por unanimidade, afastou a preliminar de ilicitude da gravação ambiental feita por um dos interlocutores, porquanto realizada em ambiente público, sem nenhum indício de que se tratava de flagrante preparado ou de que tenha ocorrido instigação ou coação. No mérito, por maioria apertada de 4x3, considerou o conjunto probatório frágil, mantendo a sentença de improcedência da representação pelo art. 41–A da Lei nº 9.504/1997 e da AIME.2. É incontroversa a licitude das gravações ambientais realizadas, em dias distintos, por um dos interlocutores em local público, não havendo recurso da parte contrária, tampouco colisão entre a moldura fática e os votos vencedor e vencido quanto à licitude e ao conteúdo da aludida prova.3. Não existe conflito entre a moldura fática do voto vencedor e a do vencido no tocante à prova testemunhal, cujos depoimentos estão transcritos no voto vencedor, sendo necessária apenas a sua correta valoração, o que é admitido pela jurisprudência desta Corte.4. O voto condutor do aresto regional concluiu pela ausência de prova segura de que os recorridos praticaram captação ilícita de sufrágio, ao fundamento de existir inconsistências e fragilidades no depoimento de uma das testemunhas citadas pelo relator, em seu voto vencido, ponderando–se no voto vencedor que o depoimento da aludida testemunha era desamparado de lógica, em razão do valor expressivo de R$ 2.000,00 oferecido a ela em troca do seu voto, por não possuir família na localidade, e de ser impossível a entrega de tal quantia de uma só vez.5. Com relação ao expressivo valor citado, verifica–se que tal importe era, de fato, o valor utilizado pelos candidatos para a compra de votos no município, conforme corroborado por outra testemunha e pelas múltiplas gravações ambientais, o que revela que a conclusão do voto condutor se deu com base em mera ilação, e não nas provas que apontam em sentido contrário, não havendo falar em ausência de conjunto probatório robusto.6. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41–A da Lei nº 9.504/1997, aperfeiçoa–se com a conjugação dos seguintes elementos: (a) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41–A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (b) o fito específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor, e, por fim, (c) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, p. 520).7. Não existem dúvidas quanto à prática de captação ilícita de sufrágio pelos recorridos, tendo em vista que foram preenchidos todos os requisitos legais para caracterizá–la: o oferecimento de vantagem a eleitores pelos candidatos ao pleito majoritário, a finalidade específica (obter o voto) e o desenrolar do contexto fático em período eleitoral.8. Não há como falar na aplicação do art. 368–A do Código Eleitoral na espécie, porquanto a prova testemunhal não é exclusiva, tampouco singular, considerada a existência de gravação ambiental lícita, contendo declaração do próprio candidato a vice–prefeito de que tanto ele como o candidato a prefeito efetuaram o pagamento de valores em troca de votos, a qual foi corroborada por dois depoimentos prestados em juízo, confirmando–se, portanto, de maneira inequívoca, a ocorrência do ilícito, por meio de conjunto probatório robusto, coeso e harmônico, como exige a jurisprudência desta Corte.9. O entendimento deste Tribunal é no sentido de que se "[...] admite o exame, em AIME, da prática de captação ilícita de sufrágio, sob a ótica de corrupção, desde que demonstrada a capacidade da conduta de afetar a legitimidade e normalidade das eleições" (REspe nº 1–67/MG, rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 26.6.2019, DJe de 10.9.2019).10. A ratio essendi da AIME é impedir que os mandatos eletivos sejam desempenhados por candidatos eleitos que adotaram comportamentos censuráveis durante o prélio eleitoral, com vilipêndio aos valores mais caros ao processo político, tais como a igualdade de chances entre os players da competição eleitoral, a liberdade de voto dos cidadãos e a estrita observância das disposições constitucionais e legais respeitantes ao processo eleitoral. (REspe nº 11–75/RN, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.5.2017, DJe de 30.6.2017).11. No caso, foi revelado um grande esquema de compra de votos na região, o qual, conforme as gravações ambientais, foi confessado pelo candidato a vice–prefeito em praça pública, em diversas ocasiões, ficando evidente que era corrompida a vontade de diversos eleitores, incluindo ainda a vontade de seus familiares, tendo ele declarado inclusive que, apesar de existir um caderno para anotações, não era feito o controle dos valores utilizados para a compra de votos e que havia uma pessoa responsável pelo repasse das quantias envolvidas no ilícito, as quais, segundo revelado pelo próprio candidato a vice–prefeito, foram em torno de R$ 1.000.000,00.12. O prefeito da cidade fez declaração na rádio local, agradecendo de forma expressa ao importante trabalho de boca de urna realizado no dia das eleições, proclamando o seguinte: "Quero aqui neste momento agradecer de coração a todas as equipes de trabalho, todos os simpatizantes pelo belíssimo trabalho que nós fizemos de boca de urna no dia da eleição" (ID 157831374). Em que pese o crime de boca de urna não ser objeto destes processos, a aludida conduta revela o total descaso e desrespeito do candidato com o processo democrático.13. A referida declaração do prefeito, considerada nestes autos como indício, aliada às provas diretas (gravação ambiental e prova testemunhal), evidencia que os recorridos foram eleitos em um pleito acirrado, com a pequena diferença de setenta votos, num município com diminuto eleitorado, se sobressaindo em razão do total desrespeito às normas do Direito Eleitoral, tendo sido corrompida a vontade de diversos eleitores, num amplo esquema de compra de votos, estando, portanto, patente a gravidade da conduta, que desequilibrou sobremaneira a disputa, causando prejuízo à lisura e à normalidade do pleito, motivo pelo qual deve ser provido o apelo nobre também na AIME, julgando–a procedente.14. Considerando o valor dos importes envolvidos no ilícito, que, conforme já mencionado, gira em torno da quantia de R$ 1.000.000,00, considerando que se trata de eleição para os cargos majoritários e o expresso menoscabo dos candidatos à observância da legislação eleitoral, a multa deve ser fixada no patamar máximo, bem como devem ser cassados os seus diplomas, ante a gravidade das condutas, acarretando, por conseguinte, a necessidade de realização de novas eleições, independentemente do trânsito em julgado desta decisão.15. Dá–se provimento aos agravos e aos recursos especiais para reformar os acórdãos recorridos e julgar procedentes os pedidos formulados na representação por captação ilícita de sufrágio e na AIME, com a (I) cassação dos diplomas do prefeito e do vice–prefeito do Município de São Lourenço do Piauí/PI e (II) a aplicação de multa, arbitrada, para cada um dos recorridos, em valor equivalente a 50.000 Ufirs, determinando–se, ainda, a (III) comunicação imediata da presente decisão ao TRE/PI para seu cumprimento imediato, bem como para a adoção das providências tidas por pertinentes.