Jurisprudência TSE 060041595 de 24 de marco de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
09/03/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou desaprovadas as contas do Diretório Nacional do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), relativas ao exercício financeiro de 2017, impondo¿lhe as seguintes determinações: (a) restituição ao Tesouro Nacional, com recursos próprios, do valor de R$ 144.552,67, devidamente atualizado; (b) aplicação de multa de 6% sobre o montante tido por irregular (R$ 144.552,67), a ser paga mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário; e (c) transferência de R$ 60.958,54 para a conta específica do programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, devendo esse valor ser atualizado e aplicado nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente). Falou pelo requerente Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) ¿ Nacional, o Dr. Caio Augusto Tadeu de Almeida.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PSTU – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 144.552,67, VALOR EQUIVALENTE A 6,12% DOS RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRECLUSÃO PARA A APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. VERBA PÚBLICA IRREGULARMENTE APLICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GASTOS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. AUSÊNCIA DE REPASSE DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO PARA AS DEMAIS ESFERAS PARTIDÁRIAS. FALHAS GRAVES. CONTAS DESAPROVADAS, COM DETERMINAÇÕES.1. Preliminar de nulidade de intimação e juntada de documentos1.1. Em 24.11.2020, a legenda apresentou petição em que alegou a nulidade da intimação ocorrida em 12.8.2020 (ID 38320788) para que o órgão partidário e seus responsáveis se manifestassem, no prazo improrrogável de 30 dias, a respeito das falhas indicadas nos autos do processo eletrônico, nos termos do § 7º do art. 36 da Res.–TSE nº 23.604/2019. Segundo argumentou, "[...] a publicação do dia 13 de agosto de 2020 é igual a intimação direcionada ao Ministério Público no dia 01/07/2020 (fls. 114/117 e 118), limitando–se à [sic] reproduzir o conteúdo do despacho, o que induz ao erro aquele que lê a intimação, na forma em que se deu, uma vez que não há repete–se [sic] a primeira determinação de manifestação por parte do Ministério Público" (ID 58824688, fl. 3). Aduziu que ficou aguardando a intimação específica, pois, da forma em que foi realizada, acreditou que se tratava de prazo para o Ministério Público se manifestar.1.2. Nada obstante, arguiu que, "para demonstrar que não se trata de deslealdade processual, assim como que não se trata de querer tumultuar ou retardar o andamento do processo, vem a agremiação requerer que sejam aceitos manifestação e documentos ora juntados, ao invés do restabelecimento do prazo" (ID 58824688, fl. 5).1.3. Da análise do contexto fático–jurídico retratado nos autos, é incontroverso que: a) a Secretaria Judiciária do TSE, embora tenha expedido intimação específica para o MPE, não o fez em relação aos responsáveis pelas contas; b) na primeira manifestação após a decisão em que o relator à época consignou que os responsáveis pelas contas deixaram transcorrer in albis o prazo para se manifestarem acerca do exame das contas realizado pelo órgão técnico – em 24.11.2020 –, o PSTU apresentou petição em que argumentou que foi induzido a erro na contagem do referido prazo, porquanto a intimação que, em tese, abriu prazo para tal manifestação, constituiu cópia fiel do inteiro teor do despacho de ID 35453188 (no qual determinada a intimação de ambas as partes); c) em suas razões finais, o PSTU procedeu à nova juntada da documentação que fora desentranhada dos autos, "[...] por economia processual, dado que a agremiação acredita que as razões ora sustentadas serão aceitas por este Colendo Tribunal, o que implica na análise dos argumentos e documentos acostados aos autos em 24.11.202[0]" (ID 153475188, fl. 24).1.4. Assiste razão ao partido quando afirma que "provou e justificou, na primeira oportunidade que teve de se manifestar nos autos, a justa causa" a que se refere o art. 223 do CPC (ID 153475188, fl. 22). A uma, porque, nos termos do parágrafo único do art. 197 do CPC, "nos casos de problema técnico do sistema e de erro ou omissão do auxiliar da justiça responsável pelo registro dos andamentos, poderá ser configurada a justa causa prevista no art. 223, caput e § 1º". A duas, porque esta Corte Superior admite a juntada extemporânea de documentos destinados a comprovar a alegação da parte na hipótese descrita no art. 435, caput e parágrafo único, do CPC, isto é, quando demonstrado justo motivo para a juntada tardia. A três, porque, à época do surgimento da controvérsia e do pedido do partido para a admissão dos documentos (24.11.2020) ainda não havia sido encerrada a fase de instrução – momento adequado para a produção probatória –, bem como não havia risco de prescrição. Precedentes.1.5. O TSE já assentou que "os princípios da boa–fé e da cooperação processual e a subsunção dos fatos narrados pela parte ao parágrafo único do art. 435, do CPC, legitimam a admissão de documentos juntadas após o prazo regulamentar [...]" (PC nº 154–53/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 5.4.2023, DJe de 23.4.2021).1.6. É de rigor conhecer da documentação apresentada pelo partido em suas razões finais, por constituir cópia dos documentos juntados anteriormente e desentranhados, tendo sido demonstrada a justa causa para o presente acolhimento.2. Irregularidades nas despesas sujeitas a ressarcimento ao erário2.1. Despesas com viagens e hospedagens2.1.1. A regularidade dos gastos, além de sua comprovação, pressupõe também a vinculação das despesas com a atividade partidária, nos termos do art. 44 da Lei nº 9.096/1995 e da pacífica jurisprudência deste Tribunal Superior.2.1.2. A autonomia partidária não exime a agremiação de apresentar documentos que comprovem a vinculação de suas despesas com a atividade partidária.2.1.3. Além da necessidade de "[...] prova da vinculação do beneficiário com a agremiação e a de que a viagem foi realizada para atender aos propósitos partidários [...]" (PC nº 167–52/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, julgada em 15.4.2021, DJe de 3.5.2021), é "[...] irrelevante que o passageiro seja filiado à agremiação, porque o que a norma exige é que a viagem esteja atrelada à atividade finalística partidária" (PC–PP nº 162–30/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada 6.5.2021, DJe de 2.6.2021).2.1.4. Sobre os relatórios de viagens com a identificação de beneficiário, trecho, vínculo com o partido e o objetivo da viagem apresentados no corpo das alegações finais, por serem documentos unilaterais, não se prestam para o fim de comprovar os gastos à luz do regramento aplicável. Nesse sentido: PC nº 0601765–55/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 7.4.2022, DJe de 6.5.2022.2.1.5. Em virtude da ausência de documentação que comprove a vinculação dos gastos com as atividades partidárias, eles devem ser considerados irregulares, determinando–se o recolhimento ao erário da quantia de R$ 144.439,02.2.2. Despesas com serviços contábeis2.2.1. O contrato tem como objeto serviços de natureza contábil, estabelece o reajuste anual dos honorários profissionais, bem como estipula que a vigência se daria por prazo indeterminado.2.2.2. Em consulta ao CNPJ do escritório de contabilidade, verifica–se que seu cadastro está ativo e regular junto à Receita Federal do Brasil, bem como o respectivo CNAE indica "atividades de contabilidade".2.2.3. A Res.–TSE nº 23.546/2017 admite qualquer meio idôneo de prova documental para fins de comprovação de despesa, tais como contrato e comprovantes bancários, bem como recibos, na hipótese em que dispensada a emissão de documento fiscal.2.2.4. No caso, os documentos constantes dos autos são suficientes para comprovar a efetiva prestação dos serviços e sua vinculação com as atividades desenvolvidas pela agremiação, na medida em que os documentos juntados pelo prestador – contrato de prestação de serviços, boletos, comprovantes de pagamento bancários e recibos – são convergentes entre si, o que evidencia a idoneidade da documentação.Irregularidade afastada.2.3. Despesas com produções audiovisuais2.3.1. O mais recente entendimento adotado por esta Corte Superior é no sentido de que as notas fiscais com descrição detalhada são suficientes para aferir o vínculo com a atividade partidária. Nesse sentido: PC nº 0601761–18/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgada em 19.4.2022, DJe de 11.5.2022.2.3.2. Na espécie, o partido apresentou todas as notas fiscais das despesas apontadas pela unidade técnica e, a partir da descrição delas constante, é possível aferir a vinculação com a atividade partidária. Irregularidade afastada.2.4. Despesas com aluguel de imóveis2.4.1. A despesa está amparada em instrumento contratual que estabelece cláusulas específicas para a locação de imóvel, bem como apresenta elementos que evidenciam que "o imóvel ora locado será utilizado exclusivamente para atividade do Partido político" (ID 153478238, fl. 2).2.4.2. Ao analisar os comprovantes de pagamento, nota–se que os valores referentes ao aluguel do imóvel foram depositados na conta bancária indicada no instrumento contratual.Irregularidade afastada.2.5. Despesas com serviços gráficos2.5.1. As descrições detalhadas do material gráfico impresso constantes das notas fiscais emitidas são capazes de demonstrar a vinculação das despesas com a atividade partidária, nos termos do art. 44 da Lei nº 9.096/1995. Quanto à prova da efetiva realização dos serviços, dá–se a partir das despesas realizadas com serviços de transportes e postais. Irregularidade afastada.2.6. Despesas com serviços de transportes e postais2.6.1. Os documentos fiscais apresentados pelo partido para comprovar as despesas com serviços postais e de transportes não possuem o detalhamento do conteúdo postado, de modo que não é possível, apenas por eles, demonstrar a vinculação com a atividade partidária. No entanto, a própria Asepa vincula os serviços de transportes e postais com as despesas de serviços gráficos analisadas no tópico acima.2.6.2. Depreende–se que as atividades postais são referentes à remessa dos adesivos, jornais, banners, revistas, panfletos, cartazes, fichas de filiação, etc. aos diversos diretórios do partido no Brasil, de modo que as notas fiscais de serviços gráficos são suficientes para atestar a vinculação dos serviços postais e de transportes com a atividade partidária. Irregularidade afastada.3. Não comprovação da aplicação mínima de 5% do total do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres3.1. O partido recebeu, em 2017, R$ 2.359.170,79 em recursos do Fundo Partidário. Para atender à finalidade da norma prevista no art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995, que determina a aplicação mínima de 5% do montante recebido, a agremiação deveria ter aplicado o valor de R$ 117.958,54.3.2. O PSTU não utilizou conta específica para movimentar os recursos destinados à criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, e os valores que alegou ter utilizado estavam dispostos no Demonstrativo de Receitas e Gastos (ID 226555).3.3. Verificou–se a regularidade da integralidade das despesas com produções audiovisuais, no montante de R$ 57.000,00. Assim, o PSTU deixou de aplicar na ação afirmativa o montante de R$ 60.958,54.4. Ausência de repasse de recursos do Fundo Partidário para as demais esferas partidárias4.1. A opção de delegar ao diretório nacional a gestão dos recursos partidários, dando a ele a opção de realizar ou não repasse de verbas do Fundo Partidário aos demais diretórios, é incompatível com o caráter nacional dos partidos políticos previsto no art. 17, I, da CF, bem como fragiliza a atuação dos diretórios municipais e regionais, obstando–lhes o crescimento e o funcionamento.4.2. Em razão da notória importância dos diretórios regionais, o art. 44, I, da Lei dos Partidos Políticos, desde a sua redação original, determina que os recursos oriundos do Fundo Partidário sejam empregados na manutenção das sedes e dos serviços do partido.4.3. A omissão do PSTU em transferir verbas do Fundo Partidário para os diretórios regionais e municipais viola, frontalmente, os arts. 44, I, da Lei nº 9.096/1995 e 17, I, da CF, sendo uma irregularidade de natureza grave. Precedentes.5. Conclusão: contas desaprovadas5.1. As irregularidades encontradas nas contas somam R$ 144.552,67, excluída desse valor a quantia não aplicada em programas de promoção feminina na política, nos termos da EC nº 117/2022. Considerando que o PSTU recebeu do Fundo Partidário, em 2017, R$ 2.359.170,79, as irregularidades representam 6,12% desse montante. Entre elas,, são reconhecidamente graves, segundo a jurisprudência do TSE, a insuficiência do fomento ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres e a ausência de repasse dos recursos do Fundo Partidário para as demais esferas.5.2. Como cediço, "[...] a presença de falha de natureza grave interdita a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para o fim de aprovar as contas (PC nº 979–65/DF, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 13.12.2019; PCs nº 0600411–58/DF e 0601236–02/DF, de minha relatoria, respectivamente publicadas no DJe de 15.12.2021 e 22.3.2022)" (PC–PP nº 0601824–43/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 7.4.2022, DJe de 29.4.2022)6. Determinações6.1. Restituição ao Tesouro Nacional, com recursos próprios, do valor de R$ 144.552,67, devidamente atualizado; aplicação de multa de 6% sobre esse montante, tido por irregular, a ser paga mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário; e transferência de R$ 60.958,54 para a conta específica do programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, devendo esse valor ser atualizado e aplicado nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado deste decisum, nos termos do art. 2º da EC nº 117/2022.