Jurisprudência TSE 060041158 de 15 de dezembro de 2021
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Mauro Campbell Marques
Data de Julgamento
18/11/2021
Decisão
Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, rejeitou a questão de ordem suscitada pelo Ministério Público, nos termos do voto do Relator. No mérito, por maioria, julgou desaprovadas as contas do Diretório Nacional da Rede Sustentabilidade, relativas ao exercício financeiro de 2017, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Nunes Marques e Carlos Horbach. Por unanimidade, determinou: a) o ressarcimento do valor de R$ 71.769,66 ao erário, atualizado e com recursos próprios; b) o recolhimento do montante de R$ 25.899,30 ao Tesouro Nacional, atualizado e com recursos próprios; c) a aplicação do valor de R$ 28.623,13 no exercício seguinte ao trânsito em julgado desta decisão, conforme preceitua o art. 44, § 5º, da Lei nº 9.096/1995; e d) sobre os valores especificados anteriormente ao ressarcimento e ao recolhimento, a incidência de multa de 8%, cujo pagamento deverá ser feito por meio de desconto nos futuros repasses de cotas do fundo partidário, nos termos do voto do Relator. Ausências justificadas dos Senhores Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.Composição: Ministros Edson Fachin (no exercício da Presidência), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. REDE SUSTENTABILIDADE (REDE). DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 126.292,09, EQUIVALENTE A 2,91% DOS RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. VERBA PÚBLICA IRREGULARMENTE APLICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GASTOS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO DO REPASSE A DIRETÓRIOS ESTADUAIS. INSUFICIÊNCIA DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA (PESSOA JURÍDICA). IRREGULARIDADES GRAVES. CONTAS DESAPROVADAS.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de prestação de contas do diretório nacional do partido Rede Sustentabilidade (REDE) relativa ao exercício financeiro de 2017, com pareceres da Asepa, do TSE, e do MPE pela desaprovação e respectivas consequências.QUESTÃO DE ORDEM2. O MPE, embora ateste que o partido repassou à Fundação Rede Brasil Sustentável o mínimo legal previsto no art. 44, IV, da Lei dos Partidos Políticos, suscitou questão de ordem, pretendendo que as "[...] contas da agremiação sejam remetidas ao órgão de controle externo da União, Tribunal de Contas da União, para que se proceda a tomada de contas especial dos valores repassados à fundação [...]" (ID 136210038, fl. 6).2.1. É cediço que, no julgamento da QO–PC nº 192–65/DF, rel. designado Ministro Luis Felipe Salomão, ocorrido em 27.10.2020, esta Corte Superior decidiu que somente a partir do exercício financeiro de 2021 caberá à Justiça Eleitoral fiscalizar as contas das fundações partidárias.2.2. Também prevalece nesta Corte Superior o entendimento de que "[...] não prospera a tese de que a fiscalização das fundações vinculadas às legendas caberia ao Tribunal de Contas da União, nos termos do disposto no art. 71, II, da Constituição Federal [...]" (AgR–PC nº 261–34/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18.12.2019, DJe de 4.3.2020).2.3. O presente feito cuida de prestação de contas do exercício financeiro de 2017 de partido político, de modo que apenas cabe a esta Justiça especializada verificar o repasse mínimo legal, providência cumprida na espécie.Questão de ordem rejeitada.3. Documentação apta a comprovar a regularidade das despesas e seu vínculo com as atividades partidárias3.1. O parecer técnico, exarado por órgão especializado da Justiça Eleitoral, não possui caráter vinculante, razão pela qual as análises e conclusões nele apresentadas não vinculam o órgão julgador, a quem a lei atribui a exclusiva competência para, diante do exame do arcabouço probatório regularmente acostado ao feito, decidir sobre o mérito das contas sob análise.3.2. Nos termos do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015 e da jurisprudência desta Corte Superior, a comprovação do regular dispêndio de recursos do Fundo Partidário e da sua necessária vinculação ao rol de atividades do art. 44 da Lei nº 9.096/1995 requer, em regra, a juntada de documentação fiscal que contenha (a) elementos informativos referentes à data e ao valor da operação e à identificação das partes envolvidas e (b) descrição detalhada do objeto contratual, sendo facultada ao julgador a admissão de outros meios idôneos de prova.3.3. Conforme a pacífica jurisprudência do TSE, "consideram–se não comprovadas as despesas cujos documentos fiscais ou recibos, em razão dos termos genéricos em que redigidos, não permitem identificar a que se refere especificamente o pagamento realizado, bem como sua vinculação a atividades partidárias" PC nº 290–21/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgada em 23.4.2019, DJe de 21.6.2019).3.4. Ainda que facultada a apresentação de alegações finais ao prestador de contas, não é possível, nessa fase, juntar documentos destinados a, supostamente, sanear irregularidades já constantes do parecer conclusivo do órgão técnico, ressalvada a hipótese prevista no art. 435, parágrafo único, do CPC, em que, mesmo que configurada a situação excepcional, deve o interessado, efetivamente, demonstrar a relevância e a pertinência da nova prova (ED–PC–PP nº 182–21/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgados em 15.4.2021, DJe de 30.4.2021).4. Despesas com publicidade, consultoria e produção audiovisual4.1. Na linha dos arts. 18, § 7º, I, e 35, § 2º, da Res.–TSE nº 23.464/2015, para a regular comprovação dos serviços relacionados a produções audiovisuais de marketing e comunicação, é imprescindível a juntada de provas materiais. Nesse sentido: PC nº 0600405–51/DF, rel. Min. Carlos Horbach, julgada em 7.10.2021, DJe de 4.11.2021).4.2. Em relação aos serviços prestados por Frederico Rahal Mauro, o contrato foi assinado em 27.3.2017 e a declaração anexada aos autos digitais – na qual o prestador afirma que prestou serviços ao partido – foi elaborada em 16.3.2017, onze dias antes. Já as duas notas fiscais – cujas descrições genéricas informam os serviços de "[...] gerenciamento do cronograma e de demandas práticas de filmagem" e "[...] produção de direção e montagem de filme" (ID 47068038, fls. 15–16) – foram emitidas, ambas, em 10.4.2017. Ademais, não é possível atestar a vinculação do prestador aos vídeos disponíveis no link informado, a tempo e a modo, pela agremiação.4.3. Haja vista que nas provas documentais constam datas incompatíveis entre si e que as provas materiais não permitem atestar a prestação do serviço pelo contratado, é inviável chancelar a regularidade do gasto.Irregularidade mantida.5. Pagamento de juros e multas com recursos do Fundo Partidário5.1. Este Tribunal Superior firmou o entendimento de que é irregular o pagamento de juros e multas com recursos do Fundo Partidário. Precedente.Irregularidade mantida.6. Despesas com passagens aéreas6.1. Na espécie, o partido apresentou planilha que corrobora as afirmações de pagamento em duplicidade e de não utilização de passagens aéreas.Irregularidade mantida.7. Repasses a diretórios estaduais penalizados com suspensão7.1. Esta Corte Superior, no julgamento da PC nº 191–80/DF, de minha relatoria, ocorrido em 15.4.2021, publicada no DJe de 30.4.2021, sinalizou "[...] aos jurisdicionados – notadamente aos responsáveis pelas prestações de contas submetidas à Justiça Eleitoral – a compreensão de que (a) o descumprimento de decisão judicial que tenha determinado a suspensão do recebimento de recursos públicos por órgão partidário revela, a depender das circunstâncias do caso concreto, indícios da prática do crime de desobediência previsto no art. 347 do CE; e (b) a reiteração de irregularidades reputadas graves constituem motivo para, por si só, ensejar a desaprovação das contas".7.2. A jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de que é vedado às esferas superiores da unidade partidária o repasse de verbas do Fundo Partidário a diretório regional ou municipal a partir da publicação do decisum que rejeitou as contas destes e que lhes aplicou a penalidade de suspensão de repasse de recursos do fundo público. Precedente.Irregularidade mantida.8. Insuficiência na aplicação mínima de 5% das verbas do Fundo Partidário em programas de incentivo à participação feminina na política8.1. O propósito da ação afirmativa insculpida no art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995 é difundir o ideal da efetiva participação das mulheres no cenário político, mediante o uso de expedientes que alavanquem a representatividade feminina na política, a exemplo da difusão de informações por meio de expedientes que instruam o modo pelo qual tal desiderato pode e deve ser alcançado.8.2. Constatou–se que o partido político descumpriu a obrigação legal de repassar para a conta bancária específica da ação afirmativa o percentual mínimo de 5% das verbas do Fundo Partidário determinado pelo art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995.Irregularidade mantida.9. Recebimento de recursos de fonte vedada9.1. Na espécie, o partido contratou pessoa jurídica para intermediar o recebimento de valores supostamente doados por filiados ao partido, não tendo sido possível sequer identificar os alegados doadores desses recursos.9.2. Recentemente, esta Corte Superior, ao analisar o AgR–RO nº 0603721–23/GO, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 19.8.2021, DJe de 15.9.2021, manteve decisão da Corte regional que julgou procedente representação fundada na captação ilícita de recursos, devido ao uso de recursos mediante a "[...] intermediação de pagamento por empresa interposta, sem a comprovação do seu destinatário final [...]", tendo assentado que a irregularidade possui "[...] aptidão para ensejar a cassação do diploma, uma vez que que a gravidade da conduta ¿pode ser aferida tanto pela relevância jurídica da irregularidade quanto pela ilegalidade qualificada, marcada pela má–fé do candidato' (RO 180355/SC, Rel. Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, DJe 14/12/2018) [...]". No referido caso, "[...] tal falha ultrapassa a questão contábil, na medida em que utilizados recursos públicos, mediante a intermediação de pagamento por empresa interposta, sem a comprovação de seu destinatário final [...]", tratando–se "[...] de verdadeiro escamoteamento não só dos recursos públicos empregados, mas também dos propósitos que envolveram o artifício engenhoso montado pelo partido" [...]".9.3. Embora o caso analisado no AgR–RO nº 0603721–23/GO se refira às contas de campanha eleitoral e a recursos de natureza pública, a razão de decidir se aplica inteiramente à presente hipótese, na medida em que, também aqui, as receitas partidárias "[...] devem necessariamente transitar em conta própria, a fim de assegurar a transparência e lisura dos gastos aos propósitos estritamente eleitorais".9.4. Inexiste autorização – seja legal, seja regulamentar – para o uso de ferramentas de financiamento coletivo, por meio de sítios na internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares, no que tange à arrecadação de recursos para os fins previstos no art. 44 da Lei dos Partidos Políticos.9.5. Nos termos do caput do art. 7º da Res.–TSE nº 23.464/2015, "as contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos".9.6. Consoante o disposto no inciso II do art. 12 da Res.–TSE nº 23.464/2015, "é vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: [...] II – pessoa jurídica". Precedente.9.7. O contexto narrado revela, a um só tempo, o recebimento de recursos de origem não identificada e de fonte vedada.Irregularidade mantida.10. Conclusão: contas desaprovadas10.1. O valor total das irregularidades encontradas nas contas do Rede Sustentabilidade (REDE) relativas ao exercício financeiro de 2017 é de R$ 126.292,09, o que representa 2,31% da quantia total que a agremiação recebeu do referido fundo público em 2017 (R$ 4.334.523,09).10.2. Esta Corte Superior já consignou que "[...] o percentual das falhas não é o único critério para a aferição da regularidade das contas, somando–se a ele a transparência, a lisura e o comprometimento do Partido em cumprir a obrigação constitucional de prestar contas de maneira efetiva, de modo que a gravidade da irregularidade serve apenas como unidade de medida para balizar a conclusão do ajuste contábil" (PC–PP nº 159–75/DF, DJe de 18.5.2021). Essa compreensão foi ratificada pela maioria deste Plenário no julgamento da PC nº 0601850–41/DF, de minha relatoria, ocorrido em 23.9.2021, DJe de 7.10.2021.10.3. Acrescento que "inexiste fórmula fixa predeterminada que estabeleça a utilização de critério meramente percentual no julgamento das contas, de modo que tanto a aprovação quanto a rejeição delas dependem, necessariamente, da análise dos elementos do caso concreto, providência que compete, exclusivamente, ao julgador, que verificará se o conjunto das irregularidades implicou, na hipótese, malferimento – ou não – à transparência, à lisura e ao indispensável zelo no uso dos recursos públicos" (ED–PC nº 154–53/DF, de minha relatoria, julgados em 10.6.2021, DJe de 25.6.2021).10.4. No caso, entre outras irregularidades, identificou–se a insuficiência do repasse ao programa de fomento à participação política feminina e o recebimento de recursos por fonte vedada, falhas que, conforme reiteradamente assenta esta Corte Superior, são de natureza grave. Precedentes.10.5. Conforme consignado no julgamento da PC nº 191–80/DF, de minha relatoria, ocorrido em 15.4.2021, também se reputa grave o descumprimento da sanção relativa à suspensão do recebimento de recursos públicos por órgão partidário, por desnaturar a autoridade da decisão desta Justiça especializada.10.6. A presença de falhas de natureza grave impedem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para o fim de aprovar as contas com ressalvas (PC nº 979–65/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgada em 8.10.2019, DJe de 13.12.2019).10.7. As irregularidades identificadas nas presentes contas – três de natureza grave – denotam inequívoca violação à transparência, à lisura, ao indispensável zelo no uso das verbas públicas e às regras que regem as contas partidárias, circunstâncias que, no conjunto, ensejam a desaprovação das contas.11. Determinação11.1. Ressarcimento do valor de R$ 71.769,66 ao erário (uso irregular de verba pública), atualizado e com recursos próprios; recolhimento do montante de R$ 25.899,30 ao Tesouro Nacional (proveniente de fonte vedada), atualizado e com recursos próprios; aplicação do valor de R$ 28.623,13 no exercício seguinte ao trânsito em julgado desta decisão, sob pena de acréscimo de 12,5% da quantia recebida do Fundo Partidário, conforme preceitua o art. 44, § 5º, da Lei nº 9.096/1995; e incidência de multa de 8% sobre os valores a serem devolvidos ao erário, cujo pagamento deverá ser feito por meio de desconto nos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário, nos termos do art. 37, caput e § 3º, c/c o art. 49, § 3º, da Res.–TSE 23.464/2015.