Jurisprudência TSE 060041073 de 03 de fevereiro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
16/12/2021
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, aprovou, com ressalvas, a prestação de contas do Diretório Nacional do Podemos (PODE) referente ao exercício financeiro de 2017, determinando a restituição aos cofres públicos dos valores pagos indevidamente com recursos do Fundo Partidário, no montante de R$ 233.069,44, devidamente atualizado; o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 40,00, devidamente atualizada, devido ao recebimento de recursos de origem não identificada; a aplicação, dentro do exercício financeiro subsequente, do valor de R$ 364.193,85 não destinado à criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, corrigido monetariamente, sob pena de acréscimo de 12,5% incidente sobre o percentual de 5% do Fundo Partidários de 2017, a fim de garantir a efetiva aplicação da norma, sem prejuízo do valor a ser destinado a esse fim no ano respectivo, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Carlos Horbach, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Luís Roberto Barroso (Presidente).Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO NACIONAL. PODEMOS (PODE). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de prestação de contas do Diretório Nacional do Podemos (PODE) referente ao exercício financeiro de 2017, apresentada em 29.4.2018, com sugestões da Assessoria de Contas Eleitorais e Partidárias no sentido da desaprovação das contas.ANÁLISE DA PRESTAÇÃO DE CONTAS2. Não procede a alegação do Ministério Público Eleitoral quanto à necessidade de análise, por esta Corte, das contas da fundação vinculada ao partido, relativas ao exercício financeiro de 2017, tendo em vista que este Tribunal, no julgamento da Questão de Ordem na Prestação de Contas 192–65, assentou, por maioria, que valerá, a partir do exercício financeiro de 2021, a seguinte tese: "A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar as contas anuais das fundações vinculadas aos partidos políticos envolvendo a aplicação de verbas do Fundo Partidário", nos termos do voto do Ministro Luís Felipe Salomão.3. O Ministério Público Eleitoral afirmou que houve concentração de recursos oriundos do Fundo Partidário pelo diretório nacional, diante da ausência de distribuição de recursos mínimos para a manutenção das atividades desenvolvidas pelos diretórios regionais em, pelo menos, um terço dos estados da federação. Todavia, a unidade técnica não glosou essa irregularidade em seu parecer, além do que, o parquet deixou de demonstrar ou sequer indicar elementos para amparar a alegação de que houve tal concentração de recursos oriundos do fundo partidário pelo diretório nacional.4. O Tribunal, ao fixar o entendimento quanto à gravidade da concentração de recursos do fundo partidário no diretório nacional, não estabeleceu um parâmetro mínimo de estados que obrigatoriamente deveriam ser contemplados com esses recursos para atender à finalidade do art. 44, I e III, da Lei 9.096/95, glosando, usualmente, situações nas quais havia concentração extrema de recursos, sobretudo com o próprio diretório nacional. Contexto que não se averigua no caso dos autos, em que houve a distribuição de recursos do fundo partidário a cinco órgãos partidários estaduais e seis municipais, motivo pelo qual não há falar, a princípio, em concentração excessiva desses valores, a ensejar a conclusão pela não configuração da citada falha arguida pelo órgão ministerial.5. O órgão técnico registrou divergência entre os valores declarados pelo partido no Demonstrativo de Receitas e Despesas e o valor extraído das ordens bancárias no SIAFI, no montante de R$ 168.111,76, referente ao repasse realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 28.12.2017, informação que não foi retificada pelo Partido, mesmo após diligenciado.6. O cálculo dos repasses obrigatórios dos recursos oriundos do fundo partidário pela agremiação – 20% à fundação mantida pela legenda e 5% ao incentivo da participação da mulher na política – deve considerar os valores efetivamente distribuídos pelo Tribunal Superior Eleitoral ao partido político, e não aquele descrito pela agremiação erroneamente no Demonstrativo de Receitas e Despesas.7. A ausência de documentação fiscal e demais documentos previstos no art. 18 da Res.–TSE 23.464 impede a verificação da regularidade dos gastos, bem como a análise da vinculação dessas despesas com a atividade partidária.8. Depreende–se do art. 18, § 1º, I, II, III e IV, da Res.–TSE 23.464, que a comprovação da despesa é feita, em regra, por meio de documento fiscal com descrição detalhada, podendo ser admitidos outros meios de prova idôneos, tais como contrato, comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço, comprovante bancário de pagamento, Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social – GFIP.9. Consoante estabelece o art. 35, § 2º, da Res.–TSE 23.464, a regularidade na aplicação dos recursos oriundos do Fundo Partidário abrange a efetiva execução do serviço ou a aquisição de bens, bem como a sua vinculação às atividades partidárias.10. A Justiça Eleitoral, por meio do seu órgão técnico, pode solicitar documentos complementares, como contrato de prestação de serviços ou mesmo prova material da contratação, a fim de demonstrar a vinculação dos gastos com verbas do fundo partidário às atividades dos partidos políticos.11. A apresentação de nota fiscal regularmente preenchida, indicando a data, o valor, a identificação das partes e a descrição detalhada do serviço, é apta a comprovar a despesa, bem como a sua vinculação com a atividade partidária.12. O recebimento de recursos cuja origem não foi comprovada pelas agremiações partidárias implica o recolhimento do montante auferido indevidamente ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 13 e 14 da Res.–TSE 23.464.13. Ao julgar a PC 0000170–07, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 23.11.2020, atinente ao exercício de 2015, esta Corte assentou a necessidade de devolução ao erário dos valores não aplicados na fundação, por se tratar de irregularidade na aplicação dos recursos públicos, tendo em vista que a agremiação deixou de transferir à fundação o percentual legalmente previsto.14. Igualmente no julgamento da PC 0000171–89, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, julgada em 26.3.2021, este Tribunal considerou que, não obstante o entendimento firmado na PC 170–07 tenha se fundado em caso de ausência de repasse por falta de criação de fundação, não se pode afastar tal compreensão da hipótese em que a agremiação igualmente não repasse o percentual mínimo de 20% da verba recebida do Fundo Partidário, porquanto a legislação de regência determina a obrigatoriedade de sua destinação.15. Após o exame técnico e a análise dos documentos juntados pela agremiação, permaneceram as seguintes irregularidades:i) recebimento de recursos de origem não identificada: R$ 40,00;ii) despesas glosadas por ausência ou insuficiência de documentos para comprovação dos gastos, com descumprimento do art. 34, III da Lei 9.096/95, c.c. o art. 18, § 1º e 35, § 2º, da Res.–TSE 23.464: R$ 196.834,58;iii) insuficiência no repasse de 20% dos recursos do fundo partidário à fundação mantida pelo partido: R$ 36.234,86;iv) não aplicação de recursos ao incentivo da participação da mulher na política previsto no inciso V do art. 44 da Lei 9.096/95: R$ 364.193,85;v) divergência entre os valores declarados pelo partido no Demonstrativo de Receitas e Despesas e o valor extraído das ordens bancárias no SIAFI, no montante de R$ 168.111,76, referente ao repasse realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 28.12.2017.16. O total de irregularidades com recursos do Fundo Partidário (R$ 597.303,29 – itens i, ii, iii e iv), especificamente em face da integralidade dos recursos do Fundo Partidário (R$ 6.293.980,04), corresponde a 9,49% dessas receitas, o que justifica, reputada a ausência de gravidade qualificada das falhas, sem comprometimento do ajuste contábil e em observância aos princípios da proporcionalidasde e da razoabilidade, a aprovação das contas, com ressalvas, com fundamento no art. 37 da Lei 9.096/95, c.c. o art. 46, II, da Res.–TSE 23.464.17. A desaprovação das contas partidárias acarretava a sanção de suspensão de cotas futuras do Fundo Partidário e, com o advento da Lei 13.165/2015, a rejeição das contas passou a implicar "exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento)" (art. 37 da Lei 9.096/95, alterado pela Lei 13.165/2015).18. No julgamento das PCs 0601752–56 e 0601858–18, DJE de 3.8.2020, prevaleceu a compreensão externada no voto do Ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que a interpretação lógica e sistemática do atual teor do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos impõe que seja diferenciada a medida de recomposição do Erário, que não apresenta caráter sancionador; e da multa, essa sim, reprimenda aplicável em decorrência da rejeição das contas e apenas essa passível de desconto dos futuros repasses do fundo partidário. Precedentes: PC 0601849–56, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, j. em 6.5.2021; PC 0600237–15, rel. Min. Sérgio Banhos, j. em 18.3.2021.19. Na linha do voto condutor no indigitado leading case acerca dessa questão em específico, extrai–se que – sob nenhuma hipótese e com base em uma interpretação constitucional – poderia se admitir que o partido, ao não aplicar devidamente recursos públicos, pudesse recompor os valores irregulares ao erário mediante um simples decote nas futuras receitas oriundas do fundo partidário, independentemente do cumprimento da reprimenda pecuniária.20. A devolução de valores tidos por irregulares diz respeito à recomposição dos cofres, não se tratando de sanção, mas de obrigação resultante das glosas apuradas na prestação de contas e resultantes da não aplicação do dinheiro público nas finalidades previstas no art. 44 da Lei 9.096/95, o que deve ser providenciado pelo próprio partido, com recursos próprios, conforme sempre se norteou a jurisprudência desta Corte Superior, orientação que deve ser mantida mesmo com o advento da Lei 13.165/2015.CONCLUSÃOPrestação de contas aprovadas, com ressalvas, com determinações.