Jurisprudência TSE 060038560 de 24 de outubro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
06/10/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou desaprovadas as contas do Diretório Nacional do PSC, relativas ao exercício financeiro de 2017, e determinou: a) a restituição ao Tesouro Nacional, com recursos próprios, do valor de R$ 1.035.625,70, devidamente atualizados; b) a aplicação de multa de 13% sobre o montante tido por irregular (R$ 1.035.625,70), a ser paga mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário; c) a transferência de R$ 47.343,63 para a conta específica do programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, devendo ser atualizado e aplicado nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente). Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PARTIDO SOCIAL CRISTÃO. DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 1.035.625,70, EQUIVALENTE A 5,63% DOS RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRECLUSÃO PARA A APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. VERBA PÚBLICA IRREGULARMENTE APLICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GASTOS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. RECURSOS PÚBLICOS NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. INSUFICIÊNCIA. APLICAÇÃO DA EC Nº 117/2022. VALOR ABSOLUTO DAS IRREGULARIDADES EXPRESSIVO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS.Petição – apresentada antes de publicado o edital para impugnação das contas – noticiando irregularidades na contratação de escritório de advocacia e envolvimento do presidente da grei em supostos atos de corrupção.No caso, o peticionante – que se apresentou como fundador e presidente de honra do PSC – não é legitimado para impugnar as contas, nos termos do art. 31, § 3º, da Res.–TSE nº 23.464/2015.O envolvimento do então presidente do partido, e de pessoas que com ele viajaram, em supostos atos de corrupção não pode ser investigado em prestação de contas, pois foge do escopo desta classe processual.Conforme o entendimento do TSE, o julgamento das contas, por esta Justiça especializada, "[...] decorre de análise eminentemente contábil, ou seja, revela apenas se a movimentação financeira da grei observa os parâmetros estabelecidos pela legislação que rege o assunto" (PC nº 264–86/DF, rel. Min. Og Fernandes, julgado em 30.4.2020, julgada em 30.4.2020, DJe de 19.6.2020).Obviamente que, havendo notícias de ilícitos, porquanto não possam ser apurados no presente processo, este Tribunal não se omitiria em encaminhar as informações ao Ministério Público para as providências cabíveis. No entanto, no caso, não se faz necessário, pois, além de o peticionante fazer acusação genérica, sem apontar fato objetivo que pudesse ser investigado, o próprio peticionante informou que o presidente da agremiação está sendo investigado formalmente. A irregularidade na contratação de serviços advocatícios foi apontada pela unidade técnica deste Tribunal e será analisada.I. Irregularidades apresentadas pela Asepa (unidade técnica deste Tribunal)I.1. Insuficiência de documentação para comprovar os gastos efetuados com fundo de caixa (R$ 29.743,50). A agremiação, embora intimada, não apresentou documentação apta a comprovar a totalidade das despesas com fundo de caixa e a sua vinculação com as atividades partidárias, nos termos dos arts. 18 e 19, § 4º, da Res.–TSE 23.464/2015. Persiste a irregularidade, na quantia de R$ 29.743,50, a qual deverá ser devolvida ao Tesouro Nacional.I.2. a) Insuficiência de documentação para comprovar despesas com prestadores de serviços relacionados ao programa da mulher que ensejam devolução ao erário (R$ 258.625,57).b) Insuficiência na aplicação de recursos para programas de incentivo à participação feminina na política (R$ 47.343,63).Nos termos do art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995, os partidos políticos devem aplicar 5% dos recursos que recebem do Fundo Partidário na criação ou na manutenção de programas destinados a fomentar a participação das mulheres na política.No caso, no exercício financeiro de 2017, a agremiação recebeu do Fundo Partidário a quantia de R$ 18.372.246,62 e, portanto, deveria aplicar no referido programa o valor mínimo de R$ 918.612,33. A unidade técnica concluiu que o partido, no exercício financeiro de 2017, aplicou no programa previsto no art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995, a quantia de R$ 871.268,70, equivalente à 4,74% dos recursos recebidos do Fundo Partidário, tendo, portanto, deixado de aplicar o valor de R$ 47.343,63, montante necessário para alcançar o mínimo legal previsto na legislação. Assentou, no parecer conclusivo, que o partido não comprovou as despesas no valor de R$ 258.625,57 – que saiu da conta destinada ao referido programa –, pois não apresentou notas fiscais, contratos ou outros documentos hábeis.O partido apresentou documentação junto com as razões finais, com vista a, supostamente, comprovar as despesas no valor de R$ 258.625,57. No entanto, só é admitida a juntada de documento após o parecer conclusivo da unidade técnica quando se tratar de documento novo, nos termos do art. 435 do CPC, ou, sendo preexistente, o prestador de contas não teve a oportunidade de sobre ele se manifestar. Além disso, deve o prestador demonstrar justo motivo ou circunstância relevante que autorize a juntada após finda a fase de instrução.A apresentação posterior de documentação fora das aludidas hipóteses é inadmitida devido à preclusão, nos termos da legislação de regência e da jurisprudência deste Tribunal. Nesse sentido: PC nº 191–80/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 15.4.2021, DJe de 30.4.2021; AgR–AI nº 175–77/GO, rel. Min. Admar Gonzaga, julgado em 30.10.2018, DJe de 20.11.2018.No caso, o prestador de contas não apontou circunstância alguma que justificasse a apresentação tardia dessa documentação. Apenas afirmou que os documentos foram preparados, mas "[...] ao tempo do envio o arquivo correspondente [...] deixou de integrar os anexos" (ID 157888920, fl. 4), o que demonstra uma aparente desídia da parte, que deveria verificar se toda a documentação que pretendia enviar, foi, de fato, encaminhada.No exercício da função fiscalizadora dos recursos públicos relacionados ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, a Justiça Eleitoral, antes de atestar se as despesas atendem à finalidade do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/1995, verifica se o gasto se encontra comprovado à luz do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015. Somente após o reconhecimento da regularidade da despesa é que se verifica se houve o atendimento à específica finalidade do fomento à participação política feminina. Precedente.Assim, uma vez que as despesas que somam R$ 258.625,57 não foram sequer comprovadas – fato que não contestado pelo partido –, não podem, obviamente, ser consideradas para os fins do art. 44, V, da Lei dos Partidos Políticos, e a quantia deve ser devolvida ao erário.Dessa forma, o partido, no exercício financeiro de 2017, deixou de aplicar no programa previsto no art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995, o valor de R$ 47.343,63, montante necessário para alcançar o mínimo legal previsto na legislação.No ponto, registro que, em 5.4.2022 o Congresso Nacional promulgou a EC nº 117/2022, para vetar, em prestações de contas anteriores à promulgação, a imposição de sanções aos partidos políticos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa.I.3. Repasses de recursos para direções estaduais que estavam impedidos de receber cotas (R$ 5.000,00). A sanção de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário, imposta aos diretórios regionais que tiveram suas contas desaprovadas, deve ser cumprida pelo diretório nacional, que deve se abster de repassar a essas esferas recursos do fundo público enquanto perdurar a sanção. Havendo a agremiação descumprido a norma, deve–se manter a irregularidade no valor de R$ 5.000,00, e a agremiação deve devolver esse montante ao erário.I.4. Aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário, visto o gasto não se incluir dentre aqueles previstos no art. 44 da Lei nº 9.096/1995 (R$ 400.000,00).O partido pagou, com recursos do Fundo Partidário, ao escritório de advocacia Oliveira & Nonato Advogados, o montante de R$ 400.000,00, pela defesa de filiado, detentor de mandato eletivo, nos autos da Rp nº 12–39.2015.6.16.0000, ajuizada pelo MPE, com amparo no art. 30–A da Lei das Eleições (captação e gastos ilícitos na campanha eleitoral).O art. 44, VIII, da Lei dos Partidos Políticos – que preconiza que os recursos do Fundo Partidário podem ser despendidos na contratação de serviços advocatícios para atuação jurisdicional, também, em litígios que envolvam candidatos do partido, eleitos ou não, relacionados exclusivamente ao processo eleitoral –, só foi incluído na legislação em 2019, pela Lei nº 13.877, e, no presente caso, trata–se da análise das contas de 2017. Assim, em homenagem aos postulados do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica, a referida inclusão legislativa não pode ser aplicada na espécie, conforme já decidiu esse Tribunal. Precedente.Uma vez que a legislação aplicável ao caso é aquela vigente à época dos fatos, deve–se aplicar, também, o entendimento que este Tribunal a ela conferiu. E, no ponto, o TSE assentou que " [...] é possível à agremiação a contratação de serviços advocatícios para a defesa de terceiros, desde que demonstre ser o terceiro filiado ao partido e que a conduta judicialmente apurada tenha como objeto a atuação do agente como gestor ou responsável da agremiação [...] (PC nº 285–96/DF, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 14.3.2019, DJe de 30.4.2019, grifos acrescidos), o que não se verifica na espécie.Embora o partido alegue ter interesse na causa, a qual pode culminar na cassação do mandato do seu filiado, é importante ressaltar que, nos termos do art. 44 da Lei dos Partidos Políticos, vigente à época dos fatos, os recursos do Fundo Partidário devem ser despendidos com as atividades ordinárias da agremiação, o que difere de patrocinar causas que a agremiação tenha interesse, direto ou indireto. Mantida a irregularidade no valor de R$ 400.000,00, com determinação para a grei partidária devolva esse montante ao erário.I.5. Insuficiência de documentação para comprovar despesas com publicidade e propaganda (R$ 51.280,00).I.6. Insuficiência de documentação para comprovar despesas com palestras (R$ 7.500,00).A comprovação das despesas, nos termos do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015, ocorre, em regra, com a juntada do documento fiscal que contenha elementos informativos referentes à data e ao valor da operação, à identificação das partes envolvidas e à descrição detalhada do respectivo objeto contratual, sendo facultada ao julgador a admissão de outros meios de prova idôneos. No caso, o partido juntou nos autos a nota fiscal nº 527, emitida por Luni Produções Ltda., em 11.9.2017, tendo por tomador dos serviços o Diretório Nacional do Partido Social Cristão. Nela, consta no campo "discriminação dos serviços", o seguinte: "Referente a produçâo de VTs 6 videos para inserções partidarias do PSC, no primeiro e segundo semestre de 2017" (ID 144712738, fl. 1). Entendo que o documento fiscal apresentado mostra–se suficiente para comprovar o gasto, que tem pertinência com as atividades partidárias.Em relação ao gasto com palestra, também foi juntado documento fiscal apto a comprovar a despesa. Afastadas as falhas de R$ 51.280,00 e de R$ 7.500,00.I.7. Insuficiência de documentação para comprovar despesas com serviços de transporte (R$ 12.100,00). O partido efetuou pagamentos, no montante de R$ 12.100,00, referentes à prestação de serviços de transporte para o Diretório Estadual do PSC de Minas Gerais. Não apresentou documento que formalize a assunção de dívidas, tampouco prestou mais esclarecimentos, como os trajetos realizados, os passageiros beneficiados e outras informações que pudessem vincular as despesas às atividades partidárias. Em caso semelhante, este Tribunal já assentou que a ausência de regular assunção de dívida é uma falha grave que compromete a confiabilidade das contas. Precedente. Mantida a irregularidade no valor de R$ 12.100,00 e determinado que agremiação devolva esse montante ao erário.I.8. Despesas com IPTU (R$ 5.900,89). O pagamento de IPTU de imóvel próprio do partido, não encontra respaldo no art. 150, VI, c, da CF, que preconiza a vedação de se instituírem impostos sobre o patrimônio dos partidos políticos e suas fundações. Mantida a irregularidade da quantia de R$ 5.900,89 e determinada a devolução do valor ao erário.II. Irregularidades apresentadas pelo MPEII.1. Conta bancária não informada na prestação de contas. O MPE verificou movimentação em conta bancária não informada pelo partido. Intimado a esclarecer, a agremiação não se manifestou. Falha que permanece.II.2. Movimentação bancária sem documentação de aporte (R$ 244.455,74). O MPE não encontrou documentos que justificassem dois cheques emitidos da conta que movimenta recursos do Fundo Partidário. Intimado, o partido não apresentou a documentação ou esclareceu se a documentação se encontra nos autos. Permanece a irregularidade no valor de R$ 244.455,75, que deve ser ressarcido ao erário.II.3. a) Documentação insuficiente para comprovar a prestação de serviços administrativos (R$ 79.800,00). O MPE não encontrou documentação satisfatória que comprovasse duas despesas que somam R$ 79.800,00: uma contratada com filiado ao partido e outra com membro da diretoria. A agremiação, mesmo intimada, não se manifestou. O TSE entende que a documentação apta a comprovar gastos entre partes relacionadas (o partido adquirir bens e serviços de empresas pertencentes a seus filiados e membros da diretoria) deve afastar quaisquer indícios de conflito de interesses, de forma a serem refutadas as contratações que não sigam critérios objetivos e que traduzam a impossibilidade de comprovar a sua economicidade. Precedente. Permanece a falha no valor de R$ 79.800,00, que deve ser ressarcido ao erário.II.3. b) Documentação insuficiente para comprovar despesas com materiais gráficos (R$ 23.405,00). O MPE concluiu que as despesas sob esta rubrica não foram comprovadas, uma vez ausentes, nos autos, as amostras ou fotos dos materiais produzidos. A orientação deste Tribunal Superior é no sentido de que é desnecessária a juntada de documentação acessória quando o serviço contratado e a sua vinculação à atividade partidária forem comprovados por notas fiscais. Precedente. Irregularidade afastada.III. Conclusão: contas desaprovadasAs irregularidades encontradas nas contas somam R$ 1.035.625,70, excluída desse valor a quantia não aplicada em programas de promoção feminina na política, nos termos da EC nº 117/2022. Considerando que o PSC recebeu do Fundo Partidário, em 2017, R$ 18.372.246,62, as irregularidades representam 5,63% desse montante.O valor expressivo dos gastos irregulares com recursos do dinheiro público afasta a possibilidade de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprová–las com ressalvas. Em caso semelhante, julgado recentemente, no qual o percentual das irregularidades em relação ao Fundo Partidário recebido era módico, mas o valor absoluto das falhas ultrapassou a quantia de R$ 1.000.000,00, o TSE entendeu pela desaprovação das contas. Precedente.O PSC recebeu, em 2017, R$ 18.372.246,62 de recursos oriundos do Fundo Partidário, o que equivale a uma média mensal de R$ 1.531.020,55. Assim, considerando que a sanção pela desaprovação (art. 37, caput, da Lei nº 9.096/1995) das contas prevê, além da devolução da quantia aplicada irregularmente, a aplicação de multa máxima de 20% sobre o valor das irregularidades, que, no caso, alcançou R$ 1.035.625,70, a aplicação de multa de 13% sobre esse valor mostra–se proporcional.DeterminaçãoA restituição ao Tesouro Nacional, com recursos próprios, do valor de R$ 1.035.625,70, devidamente atualizados.A aplicação de multa de 13% sobre o montante tido por irregular (R$ 1.035.625,70), a ser paga mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário.A transferência de R$ 47.343,63 para a conta específica do programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, devendo ser atualizado e aplicado nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado deste decisum, nos termos do art. 2º da EC nº 117/2022.