Jurisprudência TSE 060035943 de 22 de maio de 2025
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Antonio Carlos Ferreira
Data de Julgamento
13/02/2025
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, determinando que se oficie à Ordem dos Advogados do Brasil e ao Ministério Público Eleitoral sobre a conduta de Francisleidi de Fátima Moura Nigra (que atua em causa própria) em fundamentar peça processual com base em julgados inexistentes no mundo jurídico por meio do uso de inteligência artificial, com o fim de induzir o Juízo a erro, para que procedam como entender de direito, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Nunes Marques, André Mendonça e as Ministras Isabel Gallotti e Cármen Lúcia (Presidente). Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2024. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO DE REGISTRO DE CANDIDATURA DE PREFEITO ELEITO JULGADA IMPROCEDENTE COM IMPOSIÇÃO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ–FÉ. UTILIZAÇÃO DE JULGADOS INEXISTENTES CRIADOS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso eleitoral interposto por candidata, atuando em causa própria, do acórdão regional que manteve a sentença por meio da qual, ao julgar inepta a ação de impugnação por ela apresentada ao requerimento de registro do candidato ao cargo de prefeito – que se sagrou eleito –, impôs–lhe multa por litigância de má–fé, em razão da criação e citação de julgados inexistentes no repositório jurisprudencial da Justiça Eleitoral. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (a) definir se há prejudicialidade do recurso especial interposto da decisão que analisou o pedido de registro de candidato eleito ao cargo de prefeito; (b) estabelecer se a reprodução, na peça processual, de julgados inexistentes no repositório de jurisprudência dos tribunais (criados mediante o uso de inteligência artificial) possibilita a aplicação de multa por litigância de má–fé; (c) definir o alcance da responsabilidade pela prática da conduta. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência reconhece a perda superveniente do objeto recursal que versa sobre pedido de registro de candidatura relativo à eleição regida pelo sistema majoritário, tendo em vista que, caso anulados os votos do candidato eleito, a consequência será a realização de nova eleição, independentemente do número de votos anulados, conforme dispõe o art. 224, § 3º, do Código Eleitoral. No caso, contudo, não há falar em perda do objeto recursal, visto que a multa por litigância de má–fé pode ser aplicada independentemente da realização ou do resultado das eleições. 4. O acórdão regional, diante da incontroversa utilização, na impugnação apresentada pela ora recorrente, de precedentes judiciais inexistentes, manteve a conclusão da sentença acerca do falseamento da verdade dos fatos com a intenção de induzir a erro o Juízo (art. 80, II, do CPC). Não é possível alterar as premissas que embasaram a condenação por litigância de má–fé, ante o óbice do Enunciado nº 24 da Súmula do TSE. Precedentes. 5. A recorrente defende, com fulcro no art. 77, § 6º, do CPC, que a responsabilidade por condutas processuais deve ser atribuída exclusivamente ao advogado perante a OAB, não podendo a parte processual ser responsabilizada. Não há nenhuma correlação da conduta objeto do § 6º do art. 77 do CPC (ato atentatório à dignidade da justiça mediante violação aos deveres dos sujeitos processuais) com as hipóteses caracterizadoras de litigância de má–fé, que encontra regulação nos arts. 80, I a VII, e 81, §§ 1º a 3º, do diploma processual, os quais estão inseridos na seção que trata especificamente da responsabilidade das partes por dano processual, diversa, portanto, da qual inserido aquele dispositivo. Embora igualmente resguardem a boa–fé processual dos sujeitos que participam do processo (art. 5º do CPC), são dispositivos autônomos que tutelam bens jurídicos próprios e, por conseguinte, possuem consequências jurídicas específicas. 6. A conduta de utilizar, no processo judicial, expediente fraudulento ou ardiloso, com o fim de ludibriar o órgão julgador, induzindo–o a erro, pode configurar, a depender do caso, infração de natureza civil, disciplinar e/ou criminal. Precedentes do STJ. 7. O reconhecimento de litigância de má–fé praticada por parte processual – e a consequente imposição da multa prevista no art. 81 do CPC – constitui medida de praxe no âmbito da Justiça Eleitoral, o que não obsta o envio dos autos ao respectivo órgão de classe e ao Ministério Público Eleitoral, para fins de apuração de eventuais infrações de cunho administrativo disciplinar e/ou criminal. Precedentes. 8. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, "a Inteligência Artificial (IA) é uma das novas tecnologias utilizadas pelos tribunais brasileiros para promover celeridade e eficiência na rotina de profissionais do Poder Judiciário". Nesse norte, o órgão de controle do Poder Judiciário tem promovido, por meio do Programa Justiça 4.0, soluções digitais colaborativas que automatizam as atividades dos tribunais, otimizam o trabalho dos magistrados, servidores e advogados e garantem mais produtividade, celeridade, governança e transparência dos processos[RC1] . Como exemplo, o programa institucional "[...] desenvolveu o curso Introdução à Inteligência Artificial para o Poder Judiciário", cuja capacitação possibilitará aos profissionais "[...] identificar e propor oportunidades de uso de IA em seus tribunais [...]", bem como "[...] estarão aptos a criar e incentivar iniciativas de emprego da Inteligência Artificial no judiciário, visando o aprimoramento do funcionamento do seu tribunal" (CNJ.jus.br). O referido programa do CNJ é de suma importância e deve ser incentivado, pois, devidamente capacitados, os profissionais do Direito farão uso da inteligência artificial generativa sem descuidar da necessária prudência na utilização dessa salutar ferramenta de apoio ao labor profissional. IV. DISPOSITIVO E TESES Recurso desprovido. Mantida a multa por litigância de má–fé com determinação de ciência dos fatos à Ordem dos Advogados do Brasil e ao Ministério Público Eleitoral sobre a conduta da recorrente em fundamentar peça processual com base em julgados inexistentes no mundo jurídico, com o fim de induzir o Juízo a erro, para que procedam como entender de direito. Teses de julgamento: 1. A realização de eleições regidas pelo sistema majoritário não acarreta a perda do objeto recursal que visa a discutir sanção que não influencia a realização ou o resultado do pleito. 2. O uso, o emprego ou a citação, em expediente processual, de julgados inexistentes no repositório de jurisprudência dos tribunais (criados mediante o uso de inteligência artificial generativa ou não) possibilita a aplicação de multa por litigância de má–fé. 3. Somente as partes processuais (autor, réu ou interveniente, em sentido amplo) podem – e devem – responder por litigância de má–fé, sujeitando–se à condenação ao pagamento da multa e à indenização de que trata o art. 81 do CPC, devendo os eventuais danos oriundos da atuação do advogado ser apurados em ação própria e/ou pelo respectivo órgão de classe, a quem a autoridade judicial oficiará, consoante os arts. 77, § 6º, do CPC e 32, parágrafo único, da Lei nº 8.906/1994.