Jurisprudência TSE 060031477 de 27 de agosto de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Floriano De Azevedo Marques
Data de Julgamento
15/08/2024
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento aos recursos especiais eleitorais, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros André Ramos Tavares, Nunes Marques (por fundamentação diversa), André Mendonça, Raul Araújo (por fundamentação diversa) e as Ministras Isabel Gallotti e Cármen Lúcia (Presidente). Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. CONDUTAS VEDADAS A AGENTES PÚBLICOS. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DISTRIBUIÇÃO DE BENS EM ANO ELEITORAL. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. CALAMIDADE PÚBLICA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL 107/2020. NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ERROR IN JUDICANDO. NULIDADE DO ARESTO REGIONAL. NÃO DECLARAÇÃO. APROVEITAMENTO DA PARTE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 24, 27 E 72 DO TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO1. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso do órgão ministerial para, mantida a multa imposta a Ronaldo Gasparelo no valor de R$ 10.000,00, impor a cassação do seu registro e de Juverci Correa Quaglio, candidatos aos cargos de prefeito e vice–prefeito nas Eleições de 2020, em virtude da prática de conduta vedada, nos termos do art. 73, § 5º, da Lei 9.504/97.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL DE RONALDO GASPARELO E JUVERCI CORREA QUAGLIODeficiência na fundamentação recursal. Incidência da Súmula 27 do TSE2. Os recorrentes interpuseram o recurso especial com base no art. 276, I, a, do Código Eleitoral, no entanto, deixaram de indicar qual dispositivo legal teria sido violado pelo Tribunal de origem, ou a eventual ocorrência de dissídio jurisprudencial, pressupostos de cabimento do apelo nobre, o que atrai a incidência da Súmula 27 do TSE, tendo em vista a deficiência na fundamentação recursal.Inaplicabilidade da exceção prevista no art. 73, § 10, da Lei 9.504/97. Estado de calamidade pública. Incidência da Súmula 72 do TSE3. A tese de que a distribuição gratuita das máscaras em ano eleitoral estaria permitida em virtude da vigência do estado de calamidade pública no município, nos termos da exceção prevista no art. 73, § 10, da Lei 9.504/97, não foi objeto de debate e decisão pela Corte de origem, o que atrai a incidência da Súmula 72 do TSE, em razão da ausência de prequestionamento.Distribuição de máscaras. Caracterização da conduta vedada. Configuração objetiva. Incidência das Súmulas 24 e 30 do TSE4. Ficou caracterizada a conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei 9.504/97, pois, de acordo com as premissas fáticas delineadas pela Corte de origem, é incontroverso nos autos que o recorrente Ronaldo Gasparelo, enquanto prefeito do município de Torrinha/SP, realizou a compra e a distribuição gratuita de máscaras de proteção confeccionadas de papel sulfite com o brasão da prefeitura, no mês de junho do ano eleitoral, para a quase totalidade da população do município de Torrinha/SP. A autopromoção do então candidato se verifica na participação pessoal do recorrente na distribuição das máscaras, pois evidencia a tentativa de vinculação do benefício à sua pessoa, reforçada pela dúvida acerca da real efetividade da proteção das máscaras.5. Embora o questionamento sobre a efetividade das máscaras não seja decisivo para caracterização da conduta vedada, pode ser utilizado como reforço para demonstrar o intuito de autopromoção do candidato recorrente com a ação, tendo em vista que na mesma ocasião foram adquiridas máscaras de material diverso para os profissionais da saúde, sendo questionável a aquisição de máscaras de papel para a população, sobretudo pela pequena diferença de valor entre elas (TNT R$ 1,00 e papel Sulfite R$ 0,39), bem como a elevada quantidade adquirida (190.000 máscaras) para a distribuição entre a população do município de aproximadamente 10.000 pessoas.6. Acolher a tese dos recorrentes de que a efetividade das máscaras ficou comprovada esbarra no óbice da Súmula 24 do TSE.7. O entendimento do Tribunal de origem está de acordo com a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que "as condutas vedadas do art. 73 da Lei das Eleições se configuram de modo objetivo, ou seja, é suficiente que os fatos se adequem ao conceito legal descrito na norma, não se exigindo prova de intuito eleitoreiro nem de gravidade para desequilibrar a disputa" (AgR–REspEl 0601440–40, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 5.12.2023). Incide, portanto, a Súmula 30 do TSE.Distribuição de jornal impresso. Publicidade institucional em período vedado. Não incidência da Emenda Constitucional 107/2020.8. A publicidade institucional em período vedado ficou caracterizada em virtude da distribuição de jornais impressos para quase toda a população, nos quais algumas notícias veiculadas evidenciam a publicidade de ações realizadas pela prefeitura municipal não vinculadas diretamente ao enfrentamento da pandemia da Covid–19, sobretudo quando se referem à aquisição de equipamentos de ultrassonografia e de novos veículos, conduta que, ao contrário do que defendem os recorrentes, não se enquadra na prática permitida pelo art. 1º, § 3º, VIII, Emenda Constitucional 107/2020.9. O reconhecimento da publicidade institucional em período vedado independe de menção ao pleito eleitoral, elogios ao candidato ou propostas de ações para o próximo mandato, tendo em vista que as condutas vedadas são de configuração objetiva e os elementos invocados pelos recorrentes não constituem o núcleo fático necessário para a sua configuração.Gravidade das condutas e potencialidade de interferir no pleito. Incidência da Súmula 24 do TSE10. Na linha do entendimento do Tribunal de origem, as condutas vedadas são graves e tiveram potencialidade de interferir no pleito, tendo em vista as circunstâncias fáticas do caso, notadamente a abrangência das ações promovidas em relação à dimensão populacional do município (foram adquiridas e distribuídas 190.000 máscaras de proteção e 4.000 jornais impressos para quase a totalidade da população municipal, correspondente a aproximadamente 10.000 pessoas e 3.800 residências), a pequena diferença de votos entre o candidato vencedor e os recorrentes, e a proximidade do pleito eleitoral (a distribuição de máscaras de proteção no mês de junho e de jornais no mês de outubro do ano eleitoral).11. Alterar a conclusão da Corte de origem quanto à gravidade das condutas e a potencialidade de interferir no pleito, como pretendem os recorrentes, não prescindiria do reexame fático–probatório dos autos, providência vedada pela Súmula 24 do TSE.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORALDa violação ao art. 73, IV, da Lei 9.504/97. Ilegitimidade passiva de Nilson Marquezi. Incidência da Súmula 24 do TSE12. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo reconheceu a ilegitimidade passiva de Nilson Marchezi, então Diretor Municipal de Saúde do Município de Torrinha/SP, ao fundamento de que a petição inicial não atribui qualquer conduta ilegal com relação a ele, pois não descreve minimamente a conduta do agente público e o nexo de causalidade com os ilícitos eleitorais. Ademais, consignou que a sua mera participação em eventual compra irregular com dispensa de licitação deve ser apurada, se for o caso, na seara adequada.13. Na linha do parecer ministerial, acolher a tese de legitimidade passiva de Nilson Marchezi não prescinde do reexame fático–probatório dos autos, providência vedada pela Súmula 24 do TSE, pois o Ministério Público Eleitoral argumenta que o caráter eleitoral da compra de máscaras é inegável, tendo em vista que a alegada completa ausência de ineficácia do material utilizado para a sua confecção não é circunstância reconhecida no acórdão regional.Da divergência jurisprudencial. Possibilidade de fatos enquadrados como conduta vedada caracterizarem abuso de poder14. Razão assiste ao Ministério Público quando afirma que houve divergência jurisprudencial com relação ao entendimento desta Corte, no sentido de que a prática de conduta vedada, nas hipóteses em que se verifica gravidade e potencialidade de influir no pleito eleitoral, também pode ensejar o reconhecimento do abuso de poder.15. Ao contrário do que constou no aresto regional, verifica–se que a petição inicial, com relação aos fatos apurados na presente ação, também requereu a condenação dos representados pela prática de abuso de poder, permitindo de forma satisfatória o exercício do contraditório e da ampla defesa com relação à matéria.16. Os fundamentos do acórdão regional para não analisar as condutas vedadas também sob a ótica do abuso de poder constitui error in judicando, o que poderia ensejar, em tese, a declaração da nulidade do aresto regional, a fim de determinar o retorno dos autos à origem para a devida manifestação acerca do tema.17. Uma vez mantido o entendimento do Tribunal de origem no sentido da condenação dos candidatos recorrentes pela prática de conduta vedada à sanção de cassação do registro, a invalidade do aresto regional quanto ao ponto não deve ser pronunciada, tendo em vista o disposto no art. 282, § 2º, do Código de Processo Civil, segundo o qual "quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir–lhe a falta" e o art. 219 do Código Eleitoral, que preceitua "na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo–se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo".18. Seria despiciendo o retorno dos autos para o Tribunal Regional Eleitoral analisar os fatos também sob a ótica do abuso de poder, para fins da aplicação da sanção de inelegibilidade. No caso, a referida sanção estará assentada com fundamento no art. 1º, I, j, da LC 64/90, o qual estabelece a inelegibilidade pelo prazo de oito anos daqueles que forem condenados por conduta vedada a agentes públicos em campanhas eleitorais, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral e que implique cassação do registro ou do diploma.CONCLUSÃORecursos especiais aos quais se nega provimento.