Jurisprudência TSE 060027526 de 19 de dezembro de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Antonio Carlos Ferreira
Data de Julgamento
20/12/2024
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, mantendo indeferido o registro de candidatura de Jefferson Ferreira Martini ao cargo de vereador pelo Município de Cabo Frio/RJ nas Eleições 2024, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Nunes Marques, André Mendonça e as Ministras Isabel Gallotti e Cármen Lúcia (art. 7º, § 2º, da Resolução-TSE nº 23.598/2019). Acórdão publicado em sessão. Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2024. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. RRC. INDEFERIMENTO. MILÍCIA PRIVADA, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA OU CONGÊNERE. CANDIDATO DENUNCIADO POR CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PARTICIPAÇÃO EM MILÍCIA. COAÇÃO DE TESTEMUNHA. VIDA PREGRESSA FLAGRANTEMENTE DESABONADORA. PROTEÇÃO À MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE DO ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE FORMA AUTOMÁTICA. ENUNCIADO Nº 13 DA SÚMULA DO TSE. VEDAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO PARAMILITAR OU DE MESMA NATUREZA NO PROCESSO ELEITORAL. ART. 17, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA DE EFICÁCIA PLENA. APLICABILIDADE IMEDIATA, INTEGRAL E DIRETA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso especial eleitoral interposto por candidato ao cargo de vereador pelo Município de Cabo Frio/RJ, nas eleições de 2024, que teve o registro indeferido com base no art. 14, § 9º, da CF. A decisão de indeferimento lastreou–se na necessidade de proteger a probidade e moralidade eleitoral, em razão de elementos consistentes de participação do candidato em milícia armada e da prática de homicídio qualificado por motivação torpe e dificuldade na defesa da vítima, para manter o domínio de atividades econômicas locais, considerando ainda a notícia de coação de testemunha e sua condição de distribuidor de botijões de gás na região. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões centrais em discussão, que consistem em verificar (a) a autoaplicação do art. 14, § 9º, da Constituição Federal; e (b) a possibilidade de integrante de organização paramilitar ou de qualquer outra organização congênere lançar–se à disputa de cargo eletivo. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Constituição Federal, no art. 14, § 9º, consagra a exigência de probidade e moralidade eleitoral, não sendo o dispositivo autoaplicável, conforme interpretação embasada no Enunciado nº 13 da Súmula do TSE e na compreensão adotada na ADPF nº 144/DF, rel. Min. Celso de Mello, julgada em 6.8.2008, DJe de 26.2.2010. 4. O candidato se defendeu dos fatos elencados pelo Tribunal local como razão de decidir com vistas à manutenção do indeferimento do seu registro de candidatura, consubstanciados na existência de elementos de sua participação em milícia armada e na denúncia derivada da prática de homicídio qualificado por motivação torpe e dificuldade na defesa da vítima, considerando ainda a notícia de coação de testemunha e sua condição de distribuidor de botijões de gás na região em que se lançou candidato, tudo isso para manter seu poderio e domínio das atividades econômicas locais. 5. O texto constitucional impõe ao Juízo eleitoral a absoluta preservação dos valores inerentes ao Estado Democrático de Direito, notadamente a liberdade do voto e a moralidade para o exercício de cargo público, bens jurídicos insuscetíveis de flexibilização. Doutrina e jurisprudência. 6. A Carta da República é peremptória ao proscrever a utilização de organização armada por partidos políticos (art. 17, § 4º). Nesse sentido, os partidos políticos não podem utilizar–se de organização paramilitar ou de mesma natureza (art. 6º da Lei nº 9.096/1995) sob nenhuma forma ou sob nenhum pretexto, ainda que pela via oblíqua, que se dá com a candidatura de agentes por ela designados, apoiados, ou dela integrantes, considerando que o partido político é a entidade detentora do monopólio das candidaturas aos cargos eletivos. 7. A liberdade de voto pressupõe o direito à informação do eleitor, a quem caberá, como juiz final, a opção definitiva de seu representante. Por outro lado, presume–se ainda ser a vontade do eleitor, a partir de suas convicções ideológicas, livre e desimpedida de influência. 8. O processo eleitoral viciado pela atuação de organizações criminosas ou congêneres, a exemplo das milícias, põe em xeque a liberdade de escolha do eleitorado, por meio do apoio concedido a determinados candidatos ligados a tais grupos, mas também mediante a redução da competitividade eleitoral. Não há espaço para liberdade sob o domínio do crime organizado, tampouco margem ao exercício do voto consciente e desimpedido, lastreado no livre consentimento. 9. A robustez dos elementos coligidos e indicados na moldura fática delineada pelo Tribunal local perfaz quadro suficiente para obstar a candidatura de integrante de organização paramilitar ou congênere, mormente porque o impedimento deriva diretamente de norma constitucional de eficácia plena e, por isso, de aplicabilidade imediata, integral e direta. 10. A conclusão acerca de controvérsia jurídica que ainda não foi objeto de debate pelo TSE não se amolda ao conceito de viragem jurisprudencial, de modo que não há malferimento ao princípio da anualidade previsto no art. 16 da CF na hipótese de aplicação imediata do entendimento firmado originalmente no pleito em curso. Precedentes. 11. No caso, a partir da moldura fática fixada pelo Tribunal local, constata–se que o candidato ostenta contra si diversos elementos denotativos de sua participação em milícia armada, da prática de homicídio qualificado, da coação de testemunha e de sua condição de distribuidor de gás na região, tudo isso para manter seu poderio e domínio de atividades econômicas locais, quadro indubitavelmente atrativo da vedação prevista no art. 17, § 4º, da CF. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: A vedação de candidatura de integrante de organização paramilitar ou congênere deriva diretamente do art. 17, § 4º, da CF, norma de eficácia plena, que impede a interferência, direta ou indireta, no processo eleitoral, de todo e qualquer grupo criminoso organizado.