Jurisprudência TSE 060025366 de 08 de novembro de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
26/10/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou desaprovadas as contas do Diretório Nacional do AVANTE, relativas ao exercício financeiro de 2018, e determinou: a) a restituição ao Tesouro Nacional, com recursos próprios, do valor de R$ 1.420.240,66, devidamente atualizado, por uso irregular de verba pública; b) a aplicação de multa de 6% sobre o montante tido por irregular (R$ 1.420.240,66), a ser paga mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário; e c) a aplicação, nas eleições subsequentes, do valor de R$ 344.677,48 no programa de incentivo à participação da mulher na política, nos termos do voto do relator.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares. Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2018. IRREGULARIDADES, SUJEITAS A PENALIDADE E A RESSARCIMENTO AO ERÁRIO, QUE TOTALIZAM R$ 1.420.240,66, VALOR EQUIVALENTE A 15,52% DOS RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. VERBA PÚBLICA IRREGULARMENTE APLICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GASTOS. INSUFICIÊNCIA DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NA FUNDAÇÃO VINCULADA AO PARTIDO E NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. CONTAS DESAPROVADAS, COM DETERMINAÇÕES.1. Prestação de contas do Diretório Nacional do AVANTE relativa ao exercício financeiro de 2018, cujo mérito se submete às disposições da Res.-TSE nº 23.546/2017.1.1. A fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral tem por escopo identificar a origem das receitas e a destinação das despesas com as atividades partidárias, mediante avaliação formal dos documentos contábeis e fiscais apresentados pelo partido político.2. Falhas identificadas pelo órgão técnico e pelo MPE.2.1. Não comprovação de despesa com seminários, congressos e convenções, relativa à finalidade do art. 44, V, da Lei nº 9.096/19952.1.1. o órgão técnico, antes de atestar se as despesas atendem à finalidade do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/1995, verifica se o gasto se encontra comprovado à luz do art. 18 da Res.-TSE nº 23.464/2015. Somente após o reconhecimento da regularidade da despesa é que se verifica se houve o atendimento à específica finalidade do fomento à participação política feminina. No caso, a Asepa concluiu que as despesas com seminários, congressos e convenções, no valor de R$ 8.200,00, não foram comprovadas nos termos do art. 18 da citada resolução - por ausência de apresentação de contrato de prestação de serviço e vídeos com claquetes (id. 158896724, fl. 11) - e, por isso, além de não poder ser incluída como gasto nas ações para incentivo da participação feminina na política, sugeriu que o valor fosse ressarcido ao erário.2.1.2. A nota fiscal em questão (nº 2018/2, emitida por People Comércio e Serviços Ltda., id. 10443138, fl. 135), discrimina os serviços da seguinte forma: "cobertura audiovisual, edição e finalização da participação das mulheres na convenção estadual do partido avante". A descrição permite aferir quais os serviços prestados e, ainda, que foram destinados ao fim do art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995.2.1.3. A jurisprudência do TSE se firmou na linha que, "[...] se a grei apresenta nota fiscal formalmente regular, contendo todos os detalhes da contratação - com destaque para o serviço prestado ou o material fornecido -, não cabe em regra exigir provas adicionais, exceto no caso de dúvida sobre a idoneidade do documento ou a execução do objeto [...]" (PC nº 0600398-59/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 20.4.2023, DJe de 11.5.2023).2.1.4. Irregularidade afastada e valor computado como gasto no programa de incentivo à participação feminina na política.2.2. Despesas com abastecimento de veículos2.2.1. A unidade técnica concluiu pela irregularidade de gastos com abastecimento de veículos, pelo fato de não ter localizado nos autos dados como placas dos veículos abastecidos, nome do motorista e dos passageiros e a finalidade dos gastos, ou mesmo documentação legível.2.2.2. Os documentos apresentados (ids. 10182538, fls. 1-11; 10442388, fls. 19-28; 10443688, fls. 102-107, e 10443938, fls. 208-212), consistem em notas fiscais - que descrevem o combustível adquirido e a quantidade, em litros -, transferências bancárias e esclarecimentos sobre a finalidade dos gastos, dados dos veículos, como placa, modelo e proprietário. O partido também apresentou esclarecimentos de que essas despesas com combustíveis referem-se a um dos gastos com reembolsos em viagens para dirigentes do partido, realizadas para reuniões partidárias, que, inclusive, foram reconhecidas pela Asepa, pois apresentadas fotografias dos encontros, troca de e-mails, etc.2.2.3. Ainda que haja algumas incongruências e lacunas, como apontaram a unidade técnica e o MPE, houve deslocamentos para atividades partidárias, que demandam despesas com combustíveis, as quais estão comprovadas por documento fiscal.2.2.4. Dentro desse contexto, afastam-se as irregularidades que somam R$ 9.185,86.2.3. Despesas com adiantamento e reembolso de viagens2.3.1. A Asepa apontou praticamente as mesmas irregularidades em relação às despesas reembolsadas a diferentes beneficiários, quais sejam: notas fiscais com descrição genérica, relativas à alimentação; notas fiscais de abastecimento sem a indicação da placa do veículo e despesas com hospedagem não comprovadas por ausência de localização dos nomes dos beneficiários.2.3.2. As viagens em questão foram justificadas pelo partido, que esclareceu a importância delas para as atividades da agremiação. As notas fiscais de despesas com alimentação foram emitidas por estabelecimentos afins (restaurantes, pizzarias, etc) e com valores razoáveis. As despesas com combustíveis e hospedagem são inerentes aos deslocamentos, já justificados, e também não apresentam valores desproporcionais. Dentro desse contexto, é possível assentar a regularidade das despesas. Além disso, infere-se que os beneficiários são dirigentes, funcionários ou pessoas que prestam serviços à agremiação. No ponto, o TSE "[...] no recente julgamento da PC nº 0600441-93/DF, realizado em 20.4.2023, [...] adotou a compreensão de que devem ser consideradas regulares as despesas custeadas com recursos públicos quando os documentos e as justificativas apresentados pela agremiação denotarem que se trata de viagem destinada a atender aos propósitos do partido, notadamente se evidenciado o vínculo dele com o beneficiário" (ED-PC nº 0600423-72/DF, de minha relatoria, julgado em 15.6.2023, ainda sem publicação).2.3.3. Irregularidades, que somam R$ 14.024,70, afastadas.2.4. Despesas com pagamento de autônomos2.4.1. A unidade técnica concluiu que vários pagamentos a autônomos não foram comprovados, pois ausentes relatórios detalhados ou meios de prova que possam atestar a efetiva prestação do serviço.2.4.2. No caso, aos recibos de autônomos foram juntados os respectivos contratos que descrevem satisfatoriamente os serviços contratados, o que se faz suficiente para comprovar as despesas em questão, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior. Precedente.2.4.3. Afastam-se as irregularidades que totalizam R$ 21.657,23.2.5. Despesas com serviços gráficos2.5.1. A regra para a comprovação de despesas em prestação de contas é a apresentação de documento fiscal que descreva satisfatoriamente os serviços prestados ou produtos adquiridos. Existindo esse documento, dispensa-se demais elementos de provas, exceto nos casos em que haja dúvidas sobre a idoneidade do documento ou a execução do objeto. Precedente.2.5.2. Em relação à capacidade operacional de uma das empresas, posta em dúvida pela unidade técnica, o TSE já se pronunciou a respeito, asseverando que "[...] a apuração da existência de capacidade operacional de uma empresa extrapola a competência do processo de prestação de contas, que deve se ater à análise do balanço contábil da agremiação partidária. Quanto à ausência de empregados na RAIS, esta Corte Superior fixou o entendimento de que tal circunstância não caracteriza irregularidade contábil que deva ser analisada no processo de prestação de contas, de modo que supostos ilícitos de natureza diversa devem ser apurados em âmbito próprio" (PC nº 139-84/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 8.4.2021, DJe de 27.4.2021).2.5.3. Analisadas as notas fiscais das várias despesas glosadas pela unidade técnica, que somam R$ 119.788,00, verifica-se que apenas duas delas não apresentam descrição satisfatória dos serviços prestados, de forma a impossibilitar sua vinculação com a atividade partidária.2.5.4. Irregularidades que somam R$ 633,00, confirmadas com determinação de devolução ao erário.2.6. Despesas com publicidade e marketing digital2.6.1. Apresentação de documentos fiscais e contratos que descrevem os serviços prestados, os quais vinculam-se à atividade partidária. Comprovação das despesas, de acordo com a jurisprudência do TSE.2.6.2. Afastam-se as irregularidades que somam R$ 117.230,00.2.7. Despesas com audiovisuais2.7.1. No julgamento da PC nº 0600421-05/DF, rel. min. RAUL ARAÚJO, julgada em 20.4.2023, firmou-se o entendimento de que despesas com audiovisual se comprovam com documentos fiscais idôneos, que contenham a descrição dos trabalhos realizados.2.7.2. Documentação apresentada que comprova as despesas. Irregularidades que totalizam R$ 30.000,00, afastadas.2.8. Despesas com eventos2.8.1. A unidade técnica entendeu pela falha na comprovação das despesas, ao argumento de que as notas fiscais têm descrição genérica dos trabalhos prestados e não foram apresentados o contrato de prestação de serviço e a lista de presença dos convidados.2.8.2. No caso, os documentos fiscais são suficientes para a comprovação das referidas despesas. Isso porque, conforme bem assinalou o MPE, "[...] as notas fiscais juntadas aos autos têm por objeto a locação ao partido de salas no centro de eventos, com indicação da data dos eventos e/ou emissão em datas compatíveis com aquelas informadas pela agremiação. Por sua vez, a vinculação das despesas com a atividade partidária é demonstrada pelas fotos juntadas aos autos, que revelam a realização de eventos de pré-campanha do partido" (id. 159096368, fl. 20).2.8.3. Afastadas as irregularidades nas despesas que somam R$ 2.690,86.2.9. Despesas com juros e multas2.9.1. Nos termos do art. 17, § 2º, da Res.-TSE nº 23.546/2017, os recursos do Fundo Partidário não podem ser despendidos para quitar multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para quitar encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros.2.9.2. Reconhecida pelo próprio partido a incorreta utilização dos recursos públicos, é de rigor confirmar a irregularidade de R$ 49.769,00, com determinação de devolução ao erário.2.10. Insuficiência na aplicação de recursos do Fundo Partidário na fundação/instituto2.10.1. A Asepa constatou - e o partido admitiu - que, no exercício financeiro de 2018, não foi observado o disposto no art. 44, IV, da Lei nº 9.096/1995, que determina aos partidos políticos o repasse de 20% dos recursos recebidos do Fundo Partidário à fundação/instituto a ele vinculado, pois, no período, o AVANTE efetuou repasses à Fundação Barão e Visconde de Mauá que somam R$ 461.000,00, equivalente a apenas 5,03% dos recursos públicos que lhe foram destinados.2.10.2. Ao julgar a prestação de contas do exercício financeiro de 2016, da mesma agremiação, o TSE assentou que a falta de repasse do percentual mínimo do Fundo Partidário à fundação configura irregularidade passível de ressarcimento ao erário, bem como que não é possível afastar a falha mediante alegação de eventual complementação do repasse em exercícios posteriores.2.10.3. Confirma-se a irregularidade no valor de R$ 1.368.827,51, com determinação de devolução ao erário.2.11. Insuficiência na aplicação recursos Fundo Partidário no programa de incentivo à participação da mulher na política2.11.1. Os partidos políticos, por força do disposto no art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995, devem destinar o mínimo de 5% dos recursos que recebem do Fundo Partidário em ações que visem à participação feminina na política.2.11.2. A Asepa apurou que o partido destinou, para o mencionado fim, apenas 1,14% dos recursos do Fundo Partidário. Considerou que a despesa com R$ 8.200,00, com seminários, congressos e convenções não foi comprovada.2.11.3. Afastada a irregularidade com a despesa de R$ 8.200,00 (tópico 2.1 desta ementa), tem-se que o partido aplicou o equivalente a 1,23% dos recursos que recebeu do Fundo Partidário em 2018. Faltou, portanto, utilizar a quantia de R$ 344.677,48, ou 3,77% dos recursos recebidos do Fundo Partidário, na destinação prevista no art. 44, V, da Lei dos Partidos Políticos, que deverá ser aplicado nas eleições subsequentes, consoante dispõe o art. 2º, da EC nº 117/2022.2.12. Despesas com serviços de publicidade2.12.1. Pagamento de despesa com publicidade em valor acima do contratado. Justificativa de que a diferença consiste no reembolso dos gastos com alimentação e deslocamentos do prestador de serviços. Ausência de documentação comprobatória.2.12.2. Confirma-se a irregularidade de R$ 1.011,15, com determinação de devolução ao erário.3. Conclusão: contas desaprovadas3.1. O total de irregularidades encontrado nas contas da agremiação relativas ao exercício financeiro de 2018 e sujeitas a ressarcimento ao erário é de R$ 1.420.240,66, (valor que se refere aos recursos do Fundo Partidário irregularmente utilizados ou que não foram devidamente comprovados), o que representa 15,52% do total que o partido recebeu do aludido fundo público em 2018 (R$ 9.149.137,59).3.2.A natureza das irregularidades, o expressivo valor e o percentual envolvidos são circunstâncias que comprometem a lisura das contas e ensejam sua desaprovação. Precedentes.4. DeterminaçõesRessarcimento ao erário do valor de 1.420.240,66 (uso irregular de verba pública); aplicação de multa de 6% sobre o montante tido por irregular, a ser paga mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário e aplicação nas eleições subsequentes do montante de R$ 344.677,48 no programa de incentivo à participação da mulher na política, consoante dispõe o art. 2º da EC nº 117/2022.