Jurisprudência TSE 060018853 de 18 de dezembro de 2020
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto
Data de Julgamento
18/12/2020
Decisão
O Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso especial eleitoral para afastar a multa imposta ao recorrente, com base no art. 275, § 6º, do Código Eleitoral, e, no mérito, deferir o registro de Domingos Sávio da Costa Torres para o cargo de prefeito do Município de Tuparetama/PE nas eleições de 2020, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e, em parte, o Ministro Luis Felipe Salomão. Votaram com o Relator os Ministros Sérgio Banhos, Alexandre de Moraes, Mauro Campbell Marques e Luís Roberto Barroso (Presidente).Acórdão publicado em sessão. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.
Ementa
EMENTA ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. INDEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, G E L, DA LC Nº 64/90. DOCUMENTAÇÃO JUNTADA AOS AUTOS. DECRETO DE JULGAMENTO DAS CONTAS ANUAIS. IRRELEVÂNCIA. IMPUGNAÇÃO FUNDADA EM DECRETO RELATIVO A AUDITORIA ESPECIAL. FUNDO MUNICIPAL DE SAÚDE. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA Nº 27/TSE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. INTUITO DE REJULGAMENTO DO CASO. CARATÉR PROTELATÓRIO. AUSÊNCIA. AFASTAMENTO DA MULTA. MÉRITO. I) INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/90. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO DOLOSO. DANO AO ERÁRIO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. CONCOMITÂNCIA. INOCORRÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. REFORMA DO ACÓRDÃO REGIONAL. INTERPRETAÇÃO ESTRITA. DIREITO FUNDAMENTAL À ELEGIBILIDADE. IN DUBIO PRO SUFRAGIO. II) ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS POR DECRETO LEGISLATIVO MUNICIPAL. ATO DE GESTÃO. FUNDO MUNICIPAL DE SAÚDE. SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO PARECER PRÉVIO EXARADO PELO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. ART. 31, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INELEGIBILIDADE AFASTADA. PROVIMENTO. I. INDEFERIMENTO DE JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTO PERANTE A INSTÂNCIA REGIONAL 1. A Corte Regional consignou a irrelevância, para o deslinde do feito, do decreto legislativo que aprovava as contas anuais do exercício financeiro de 2008, juntado a destempo, por considerar suficiente decreto de desaprovação das contas relativas a ato de gestão, baseado em decisão proferida pelo TCE/PE em sede de auditoria especial. 2. Nesse ponto, o recorrente limitou–se a reiterar o cabimento da juntada extemporânea do documento, sem afastar, de forma objetiva, a sua irrelevância para alterar as conclusões do aresto regional, o que revela deficiência de fundamentação apta a atrair a incidência da Súmula nº 27/TSE, bem como não denota ofensa a dispositivo legal ou constitucional.II. INOCORRÊNCIA DO CARÁTER PROTELATÓRIO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PERANTE O TRIBUNAL A QUO – AFASTAMENTO DA MULTA IMPOSTA COM BASE NO ART. 275, § 6º, DO CÓDIGO ELEITORAL 3. A decisão contraditória e/ou obscura é que desafia o manejo dos aclaratórios, e não aquela reputada injusta ou merecedora de aplicação diversa do direito, segundo a leitura da parte interessada, a qual provoca recurso próprio. Na esteira de precedente desta Corte, "não se prestam os embargos de declaração, não obstante sua vocação democrática e a finalidade precípua de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, para o reexame das premissas fáticas e jurídicas já apreciadas no acórdão embargado" (ED–AgR–REspe nº 2572–80/GO, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 21.10.2016). 4. Conquanto não demonstrados nos embargos os suscitados vícios de omissão e contradição, deles não se extrai o propósito nitidamente protelatório, uma vez que se almejava o pronunciamento da Corte Regional acerca de questões pertinentes à conformação das hipóteses de inelegibilidade previstas nas alíneas g e l do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, as quais demandam a conjugação pormenorizada de elementos extraídos da fundamentação das decisões proferidas pelas Cortes de Contas e pela Justiça Comum. Almejava–se, ainda, em petição subsequente aos embargos – mas antes do seu julgamento –, a análise de decreto legislativo mediante o qual, segundo o embargante, teriam sido aprovadas contas anuais do município relativas ao exercício de 2008, documento que, no seu entender, teria o condão de alterar as conclusões perfilhadas no acórdão embargado. 5. A má–fé processual, bem como a ofensa ao dever de cooperação entre as partes, resultaria de alegações vazias, temerárias e totalmente despidas de relevância jurídica, circunstâncias que não ficaram evidenciadas na espécie, razão pela qual se afastam o caráter protelatório dos embargos e, por conseguinte, a multa imposta, com base no art. 275, § 6º, do Código Eleitoral.III. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ESSENCIAIS À CARACTERIZAÇÃO DA CLÁUSULA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, L, DA LC No 64/90 – DESACERTO DO ACÓRDÃO REGIONAL 6. A incidência da cláusula de inelegibilidade disposta no art. 1º, I, l, da LC no 64/90 exige a presença dos seguintes requisitos: (i) condenação à suspensão dos direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; e (iv) que o ato tenha causado, concomitantemente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. 7. Compete à Justiça Eleitoral, independentemente da qualificação jurídica realizada na ação civil pública, o exame da questão de fundo relativo à condenação por ato ímprobo para aferir os requisitos necessários à configuração da inelegibilidade, exame restrito aos contornos fáticos delineados pelo acórdão condenatório proferido pela Justiça Comum. 8. Nos termos da jurisprudência desta Corte, reafirmada para as Eleições 2020 a partir do julgamento do REspe nº 0600181–98/AL, de minha relatoria, publicado em sessão em 1º.12.2020, a inelegibilidade da alínea l exige presença cumulativa dos requisitos de lesão ao Erário e enriquecimento ilícito. 9. Conforme voto que proferi no recentíssimo julgado da relatoria do e. Ministro Luis Felipe Salomão – REspe nº 0601087–35.2020/RJ –, a ideologia subjacente à Lei da Ficha Limpa não é apanhar todas as pessoas que pratiquem ilegalidades, mas apenas aquelas que cometam atos de improbidades qualificadas, atentatórias ao exercício legítimo de um cargo público, com malferimento aos valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da CF/88. 10. O cenário fático descortinado no acórdão regional revela que o recorrente tem contra si 4 (quatro) condenações, por decisões colegiadas, por atos de improbidade administrativa, a saber: (i) quanto aos processos nº 468–06.2010.8.17.1540 e nº 492–34.2010.8.17.1540 (ambos do TJPE), não foram apontadas as sanções aplicadas ao recorrente, tampouco os fatos ou seu respectivo enquadramento jurídico, estando ausentes os elementos para aferição da improbidade qualificada que enseja a inelegibilidade da alínea l; (ii) quanto ao processo nº 0800348–67.2016.4.05.8303, a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região deu parcial provimento à apelação em virtude do pagamento excessivo de cachês artísticos, consignando expressamente: "ainda que se aceite a inexistência do elemento anímico doloso, nos termos do art. 10, da LIA, tratando–se de prejuízo ao erário, para a sua caracterização, admite–se também o elemento subjetivo culposo", e condenando o recorrente à suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos, multa civil no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) e ressarcimento ao Erário, em regime de solidariedade; e (iii) quanto ao processo nº 0800273–75.2014.4.05.8310, a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região deu parcial provimento à apelação, por dispensa indevida de licitação na contratação de show artístico por meio de empresa intermediária (conduta enquadrada no art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/92), afastando a ocorrência de dano concreto ao Erário, como se verifica no seguinte fragmento do decisum: "Mesmo não havendo comprovação de lesão financeira ao Erário, a dispensa de Licitação, por si só, faz presumir a ocorrência de prejuízo, atingindo, por exemplo, a livre concorrência e impossibilitando o alcance do menor preço para a Administração Pública, conforme Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e do Superior Tribunal de Justiça em situações análogas", estando ausente, portanto, um dos elementos essenciais à configuração da inelegibilidade sub examine. 11. Em que pese o conjunto das condenações, bem como a referência a superfaturamento no pagamento de cachês artísticos no processo nº 0800348–67.2016.4.05.8303, não é possível extrair dos autos da referida ação, com juízo de certeza, o elemento subjetivo doloso, tendo sido expressamente consignado o "descaso" do agente público na contramão do postulado da eficiência, bem como a responsabilização solidária do ora recorrente com outros agentes públicos e particulares. Quanto às demais decisões da Justiça Comum, à míngua de elementos que denotem a presença concomitante de enriquecimento ilícito e dano ao Erário, não subsiste a declaração de inelegibilidade fundada no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90. 12. Em situação análoga, em que houve condenação solidária de agentes públicos e outros partícipes do ato ímprobo, este Tribunal conferiu prevalência do jus honorum, assentando que, "em caso de dúvida razoável sobre a configuração do dolo na conduta do agente público, deve prevalecer o direito fundamental à elegibilidade. Precedentes" (RO nº 0600184–89/MA, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 29.11.2018).IV. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, G, DA LC No 64/90. 13. À luz da jurisprudência dessa Corte Superior, "o art. 1º, inciso I, alínea g, do Estatuto das Inelegibilidades reclama, para a sua caracterização, o preenchimento, cumulativo, dos seguintes pressupostos fático–jurídicos: (i) o exercício de cargos ou funções públicas; (ii) a rejeição das contas pelo órgão competente; (iii) a insanabilidade da irregularidade apurada, (iv) o ato doloso de improbidade administrativa; (v) a irrecorribilidade do pronunciamento que desaprovara; e (vi) a inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto que rejeitara as contas" (AgR–REspe nº 130–08/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 22.5.2018). 14. Consta da moldura fática do acórdão vergastado que as contas referentes aos atos de gestão do Fundo Municipal de Saúde de Tuparetama, sob a responsabilidade do ora recorrente, referentes ao exercício 2008, foram desaprovadas pela Câmara Municipal mediante o Decreto Legislativo nº 017/2017, editado em 14.8.2017, na linha do parecer prévio do TCE/PE, cujos efeitos encontravam–se suspensos por decisão judicial. 15. Nos termos do quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 848.826/CE e nº 729.744/MG, sessão de 17.8.2016, sob regime de repercussão geral, o exame das contas de gestão e de governo de chefe do Poder Executivo é da competência exclusiva da Câmara Municipal, hipóteses em que a atribuição da Corte de Contas cinge–se à emissão de parecer prévio. 16. Em que pese o seu caráter opinativo, a higidez do parecer prévio afigura–se indispensável para o controle político das contas ante a sua condição de procedibilidade para o julgamento das contas pela Câmara Municipal, em consonância com o art. 31, § 2º, da Constituição Federal. Precedentes. 17. A despeito de a eficácia do parecer do TCE encontrar–se suspensa por decisão judicial proferida pela Justiça Comum, a Câmara Municipal apreciou as contas para julgá–las desaprovadas, em completa inobservância da condição de procedibilidade estatuída na Constituição Federal, situação que caracteriza o Decreto Legislativo nº 017/2017 da lavra da Câmara dos Vereadores de Tuparetama/PE inidôneo para fins eleitorais, razão pela qual não incide a causa de inelegibilidade prevista no art. 1, I, g, da LC nº 64/90. 18. Recurso especial provido para afastar a multa imposta ao recorrente, com base no art. 275, § 6º, do Código Eleitoral, e, no mérito, deferir o registro de Domingos Sávio da Costa Torres para o cargo de prefeito do Município de Tuparetama/PE nas eleições de 2020.