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Jurisprudência TSE 060017233 de 12 de junho de 2024

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Floriano De Azevedo Marques

Data de Julgamento

12/03/2024

Decisão

Julgamento conjunto: REspe nº 060017233 e ED no REspe nº 060017233Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, homologou o pedido de desistência formulado pelo recorrente Edmar Martins Cabral da Cruz, deferindo, na presente hipótese, a assunção do polo ativo do recurso especial pelo Ministério Público Eleitoral, e afastou as preliminares de litispendência ou coisa julgada, e de suposta ofensa aos arts. 275 do Código Eleitoral e 1.022 do Código de Processo Civil, nos termos do voto do Relator. No mérito, também por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração opostos por Luciano Antônio Maria e deu provimento ao recurso especial eleitoral para reformar o acórdão regional e julgar procedentes os pedidos formulados na ação de investigação judicial eleitoral por fraude à cota de gênero, determinando: a) a nulidade dos votos recebidos por todos os candidatos ao cargo de vereador pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS), do Município de Belo Horizonte/MG, no pleito de 2020, e a desconstituição dos diplomas dos candidatos da legenda para o referido cargo; b) a desconstituição do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Partido Republicano da Ordem Social (PROS) do Município de Belo Horizonte/MG; c) o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, com a redistribuição dos lugares aos demais partidos, de acordo com o quociente partidário alcançado; d) a declaração de inelegibilidade de Bianca Angel Amaral, Cíntia Juliana Ferreira de Abreu, Elaine Jaine de Assis Branco, Karine Souza dos Santos, Kathleen Iasmin Rocha da Silva, Natália Gomes Pereira, Nayssa Lyere Cândido Barbosa e Viviane Cristina da Fonseca; e o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti e Alexandre de Moraes (Presidente). Falaram: (i) o Dr. Rafael Soares Magalhães, pelo recorrente Edmar Martins Cabral; (ii) a Dra. Carla Márcia Botelho Ruas, pelos recorridos Partido Republicano da Ordem Social (PROS) ¿ Nacional e outros; e (iii) o Dr. Rodrigo Rocha da Silva, pelo recorrido César Augusto Cunha Dias.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Ementa

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO PROPORCIONAL. VEREADOR. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. CARACTERIZAÇÃO.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais que, por unanimidade, manteve a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação de investigação judicial eleitoral ajuizada para apurar a prática de fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 no lançamento de candidaturas ao cargo de vereador pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS), nas Eleições de 2020, no Município de Belo Horizonte/MG.2. Cuida–se também de embargos de declaração opostos pelo assistente simples dos recorridos, em face da decisão monocrática do relator que admitiu o seu ingresso no feito, já no âmbito deste Tribunal Superior, por meio do qual pretende que se esclareça o alcance da afirmação de que ele recebe o processo no estado em que se encontrar, se no momento do pedido de intervenção ou do seu deferimento.ANÁLISE DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃODa inexistência de vícios na decisão monocrática embargada3. Não há omissão ou obscuridade na decisão embargada, por meio da qual foi admitido o ingresso de assistente simples dos recorridos. Como se infere dos arts. 119, parágrafo único, e 120, parágrafo único, do Código de Processo Civil, o assistente recebe o processo no estado em que se encontrar, de modo que não é possível eventual retrocesso no procedimento, nem a repetição de atos processuais. Nesse sentido: ED–REspe 140–57, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 2.2.2018.4. Ultrapassada a fase destinada ao oferecimento de contrarrazões ao recurso especial e recebidos os autos neste Tribunal Superior, onde foi deferido o pedido de ingresso de assistente simples dos recorridos, não é possível retroceder na marcha processual para devolver os autos à Corte de origem, tampouco para facultar, ao assistente recém admitido, a prática de ato processual cujo momento adequado se exauriu antes da sua admissão no feito, inclusive quanto aos fatos processuais sucedidos nesta instância, tais como a oportunidade dada às partes para manifestação a respeito do sigilo de documentos e dos pedidos de desistência recursal e de assunção do polo ativo da demanda formulado pelo Ministério Público Eleitoral.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIALQUESTÕES PRÉVIASDa homologação do pedido de desistência do recurso especial e do deferimento de assunção do polo ativo pelo Ministério Público Eleitoral5. O papel público de que se reveste a ação de investigação judicial eleitoral não se compatibiliza com eventual compreensão de que a parte autora possa desistir livremente da demanda, inclusive na fase recursal, sob o risco de se propiciar a realização de acordos de vontades ou conluio entre os litigantes ou entre esses e terceiros, estranhos ao processo, visando a inibir a aplicação da legislação eleitoral que coíbe práticas nocivas à lisura dos pleitos eleitorais.6. Com base no princípio institucional da independência funcional, deve ser rejeitada a alegação de suposta conduta contraditória do Ministério Público Eleitoral na espécie, pois a ausência de iniciativa da ação pelo membro do órgão ministerial atuante na primeira instância e a manifestação do Procurador Regional Eleitoral pelo não provimento do recurso manejado contra a sentença de improcedência da ação de investigação judicial eleitoral não impedem que a Procuradoria–Geral Eleitoral adote, como ocorre na espécie, posicionamento em sentido diverso ao pugnar pela assunção da titularidade do feito e pelo provimento do recurso especial manejado originalmente pela parte desistente.7. É uniforme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que, nas hipóteses em que haja desistência da parte autora nas ações eleitorais, é cabível a assunção da titularidade da demanda pelo Ministério Público Eleitoral, em razão do interesse público do qual se revestem as lides eleitorais e do papel institucional do Parquet de salvaguardar interesses transindividuais como a higidez, a normalidade e legitimidade das eleições. Precedentes.Da rejeição da preliminar de litispendência ou coisa julgada suscitada em contrarrazões.8. Agiu bem a Corte de origem ao não afirmar a suposta litispendência ou coisa julgada e prosseguir no julgamento do recurso eleitoral, pois:a) não obstante o acórdão recorrido afirme que os mesmos fatos que embasam a AIJE foram apreciados em duas AIMEs cujos pedidos iniciais foram julgados improcedentes, com trânsito em julgado, não há a apontada igualdade de relação jurídica–base entre as demandas, pois a imputação aos recorridos neste feito é a fraude à cota de gênero como modalidade de abuso de poder, ao passo que, nas ações de impugnação de mandato eletivo em referência, os fatos foram examinados considerando a imputação de fraude em sentido aberto de que trata o art. 14, § 10, da Constituição Federal;b) o próprio Tribunal de origem reconheceu que a AIJE: i) tem polo passivo mais amplo do que as AIMEs cujas decisões transitaram em julgado, por figurarem como demandados não apenas o candidato eleito ao cargo de vereador pelo PROS, mas também suplentes, inclusive as candidatas supostamente fictícias, que não são partes nas ações constitucionais; e ii) veicula pedido implícito de imposição da sanção de inelegibilidade às pessoas responsáveis pelas condutas ilícitas, o qual não tem cabimento no âmbito da ação de impugnação de mandato eletivo.Da improcedência da alegação de ofensa aos arts. 275 do CE e 1.022 do CPC.9. Tendo o Tribunal de origem apreciado as questões suscitadas nos embargos de declaração, ainda que em sentido diverso da pretensão da parte embargante, deve ser rejeitada a alegação de ofensa aos arts. 275 do Código Eleitoral e 1.022 do Código de Processo Civil.MÉRITOJurisprudência do TSE e do STF10. A partir do leading case de Jacobina/BA (AgR–AREspE 0600651–94, red. para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30.6.2022), a jurisprudência deste Tribunal tem reiteradamente assentado que a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição (REspEl 0600001–24, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 13.9.2022). Precedentes.11. A jurisprudência desta Corte está alinhada ao entendimento do STF, firmado no julgamento recente da ADI 6.338/DF, rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, sessão virtual, DJE de 4.4.2023.Dos elementos indiciários caracterizadores da fraude à cota de gênero12. Segundo as premissas registradas pela Corte de origem, afiguram–se patenteadas as circunstâncias evidenciadoras da fraude à cota de gênero na espécie, quais sejam:a) as candidatas tidas como fictícias obtiveram votação zerada ou irrisória: Natália Gomes Pereira não recebeu nenhum voto; Bianca Angel Amaral, Viviane Cristina da Fonseca e Nayssa Lyere Cândido Barbosa obtiveram 2 votos; Cíntia Juliana Ferreira de Abreu recebeu 3 votos; Kathleen Iasmin Rocha da Silva auferiu 4 votos; Karine Souza dos Santos obteve 5 votos; e Elaine Jaine de Assis Branco recebeu 8 votos;b) as candidatas não se empenharam em atos efetivos de campanha;c) as candidatas Bianca Angel Amaral e Nayssa Lyere Cândido Barbosa efetuaram uma postagem, em seus perfis em rede social, de propaganda eleitoral de candidato do gênero masculino ao cargo de vereador pelo mesmo partido, qual seja, Wesley Moreira de Pinho.13. Ao contrário do que concluiu o Tribunal de origem, depreende–se que as provas oral e documental analisadas no acórdão recorrido não confirmam as teses de que teria havido interesse inicial das candidatas em disputar as eleições e de que teria ocorrido desistência tácita das candidaturas, pois:a) as declarações de próprio punho apresentadas pelas candidatas antes do registro de candidatura, nas quais supostamente demonstrariam vontade livre e espontânea de participarem do pleito, não são aptas para, por si só, comprovar a real intenção inicial de disputar as eleições, pois: i) não se confundem atos de campanha eleitoral, fase que ainda não havia se iniciado à época da apresentação da documentação em apreço; ii) documentos particulares provam as declarações neles contidas, mas não comprovam os fatos declarados; e iii) de acordo com a orientação do TSE, admite–se que a má–fé na formação da chapa proporcional seja revelada com base em comportamentos posteriores, das candidatas e do partido, que em conjunto evidenciem nunca ter havido interesse real na viabilidade das candidaturas femininas. Nesse sentido: REspEl 0601646–91, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 3.3.2023;b) não há prova da distribuição do material gráfico produzido, visando a evidenciar a efetiva prática de ato de campanha, como exigido pela jurisprudência deste Tribunal Superior. Nessa linha: REspEl 0600002–66, rel. Min. Isabel Gallotti, DJE de 2.2.2024; REspEl 0600914–12, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 5.9.2023; e REspEl 0600001–24, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 13.9.2022;c) a referência meramente genérica adotada pelo acórdão regional ao afirmar a existência de prova documental de suposta divulgação das candidaturas por meios digitais, aliada à manifesta contradição dessa afirmação do aresto em relação a uma das candidatas – a respeito da qual o julgado regional afirma expressamente o completo desinteresse pela candidatura e a falta de tempo para postar conteúdo nas redes sociais – e associada à ausência de comprovação fidedigna de atos específicos de divulgação de candidatura supostamente realizados pelas outras candidatas enfraquecem tais elementos de prova para aferição da efetiva prática de atos de campanha eleitoral;d) a análise das justificativas apresentadas pelas candidatas, as quais estão registradas no acórdão regional, induz à conclusão de que inexiste plausibilidade na tese de que teria havido desistências tácitas das candidaturas, pois não há evidências de que houvesse interesse inicial na campanha e as justificativas não foram corroboradas por prova documental.14. Na espécie, constam do acórdão recorrido elementos que, de acordo com os precedentes deste Tribunal Superior, demonstram a prática de fraude à cota de gênero estampada no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, em razão de prova robusta da conduta fraudulenta e, por outro lado, da inexistência de elementos probatórios fidedignos que indiquem se tratar de eventuais desistências tácitas da competição eleitoral.CONCLUSÃOEmbargos de declaração de Luciano Antônio Maria rejeitados.Pedido de desistência do recorrente Edmar Martins Cabral da Cruz homologado e requerimento de assunção do polo ativo do recurso especial eleitoral pelo Ministério Público Eleitoral deferido.Recurso especial eleitoral a que se dá provimento, a fim de reformar o acórdão regional e julgar procedentes os pedidos na ação de investigação judicial eleitoral, determinando o seguinte:a) a nulidade dos votos recebidos por todos os candidatos ao cargo de vereador pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS) do Município de Belo Horizonte/MG, no pleito de 2020, e a desconstituição dos diplomas dos candidatos da legenda para o referido cargo;b) a desconstituição do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Partido Republicano da Ordem Social (PROS) do Município de Belo Horizonte/MG;c) o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, com a redistribuição dos lugares aos demais partidos, de acordo com o quociente partidário alcançado;d) a declaração da inelegibilidade de Bianca Angel Amaral, Cíntia Juliana Ferreira de Abreu, Elaine Jaine de Assis Branco, Karine Souza dos Santos, Kathleen Iasmin Rocha da Silva, Natália Gomes Pereira, Nayssa Lyere Cândido Barbosa e Viviane Cristina da Fonseca.Determina–se, ainda, o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão.