Jurisprudência TSE 060011983 de 21 de novembro de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Antonio Carlos Ferreira
Data de Julgamento
21/11/2024
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Nunes Marques, André Mendonça e as Ministras Isabel Gallotti e Cármen Lúcia (Presidente). Acórdão publicado em sessão. Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO ELEITO. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS DE GOVERNO. ABERTURA DE CRÉDITO SUPLR SEM AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA. LEI MUNICIPAL POSTERIOR COM EFEITOS RETROATIVOS. PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS PELA ANOTAÇÃO DE RESSALVA. PECULIARIDADES DO CASO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/1990. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso especial eleitoral interposto do acórdão que deferiu o registro de candidato à reeleição ao cargo de prefeito de Barro Alto/GO nas eleições de 2024, sob a alegação de que as contas da municipalidade relativas ao exercício financeiro de 2022 foram rejeitadas pela Câmara Municipal ante a abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (a) verificar se a abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa configura, no caso, ato doloso de improbidade administrativa; (b) analisar a existência do dolo específico necessário para a incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Para que a rejeição das contas de governo do chefe do Executivo atraia a inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, exige–se o preenchimento concomitante de: (a) parecer prévio do Tribunal de Contas; (b) deliberação da maioria dos membros do Poder Legislativo, se acolhido o parecer do órgão de contas, ou de mais de 2/3, se afastado; (c) existência de irregularidade de natureza insanável configuradora de ato doloso de improbidade administrativa praticado com o especial fim de, em manifesto desvio de finalidade, lesar o erário, violar a legislação e/ou obter benefícios espúrios; (d) irrecorribilidade da decisão; e (e) ausência de suspensão ou anulação judicial do pronunciamento de desaprovação das contas. Precedentes. 4. Compete à Justiça Eleitoral extrair do parecer do Tribunal de Contas e/ou da decisão da Casa Legislativa a presença dos requisitos constantes da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. Contudo, em âmbito extraordinário, o juízo de valor acerca da subsunção dos elementos constantes dos pronunciamentos daqueles órgãos aos requisitos caracterizadores da inelegibilidade limita–se ao cenário fático registrado no acórdão prolatado pela Corte regional. Precedentes. 5. O STF ratificou, em âmbito de repercussão geral, o entendimento de que a exceção disposta no § 4º–A do art. 1º da LC nº 64/1990 tem aplicabilidade restrita aos julgamentos de contas de gestores públicos pelos Tribunais de Contas (RE nº 1.459.224/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16.9.2024, DJe de 20.9.2024, Tema 1304). 6. Premissas fáticas registradas no acórdão regional: 6.1. A Câmara Municipal de Barro Alto/GO, por meio do Decreto Legislativo nº 26 de 29.7.2024 e em contrariedade ao parecer do TCM/GO, desaprovou as contas relativas ao exercício financeiro de 2022 da municipalidade, sob a chefia do candidato impugnado.6.2. A abertura do crédito suplementar sem autorização legislativa ocorreu no mês de setembro de 2022 com a indicação da fonte "excesso de arrecadação". 6.3. No imediato mês subsequente à abertura do crédito suplementar, a Câmara Municipal aprovou a Lei nº 1.390, de 19.10.2022, que autorizou – com efeitos retroativos a 1º.1.2022 – o "Chefe do Poder Executivo Municipal a abrir, no corrente exercício financeiro, crédito adicional suplementar ao orçamento municipal de 2022, por excesso provado de arrecadação, no percentual de 60% (sessenta por cento) do valor do excesso de arrecadação, para atender a insuficiência orçamentária advinda da receita pelo aumento de arrecadação em relação à estimativa de receita orçamentária". 6.4. O parecer do TCM/GO – que recomendou apenas a aplicação de multa no valor de R$ 370,15 – lastreou–se no Enunciado de Súmula nº 02/2019, que assim fixa: "Na ocorrência de abertura de créditos adicionais suplementares cujos valores excedam o autorizado na Lei Orçamentária Anual – LOA, havendo edição de Lei Municipal posterior, com efeito retroativo, aprovada no mesmo exercício financeiro, admite–se a ressalva dessa irregularidade em Parecer Prévio, independentemente da aplicação de penalidades cabíveis no caso". 7. No caso concreto: 7.1. A abertura do crédito suplementar não ocasionou nenhum prejuízo para a execução dos programas governamentais previstos na lei orçamentária, tendo em vista que advieram da indicada fonte "excesso de arrecadação", de modo que os recursos a eles consignados não sofreram nenhuma redução. 7.2. Sem adentrar o mérito da Lei Municipal nº 1.390/2022 – ante o óbice do Enunciado nº 41 da Súmula do TSE –, a pronta atuação da Câmara Municipal em chancelar o crédito suplementar aberto revelou a anuência do Poder Legislativo à conduta do prefeito, o que mitiga sobremaneira a suposta intenção deste em burlar o controle financeiro e orçamentário exercido por aquele órgão, sobretudo porque – em simetria com o decreto municipal que abriu o crédito adicional – a lei local posterior também apontou o "excesso comprovado de arrecadação" como fonte de custeio. 7.3. Conquanto o parecer do órgão de contas não vincule o julgamento pela Câmara Municipal – que poderá rejeitá–lo (art. 31, § 2º, da CF) – nem a atuação da Justiça Eleitoral na análise, in concreto, dos requisitos configuradores da inelegibilidade, não se pode desconsiderar que o enunciado da Súmula do Tribunal de Contas possui inegável poder orientativo sobre o gestor da verba pública, consoante estabelece o art. 30, caput e parágrafo único, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o qual apregoa que "as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas", os quais "[...] terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão". 8. Embora tenha havido violação formal aos arts. 167, V, da CF e 42, caput, da Lei nº 4.320/1964, os elementos informativos constantes do aresto regional não permitem inferir que o recorrido, enquanto chefe da municipalidade, agiu imbuído do dolo específico de lesionar o erário, violar a legislação e/ou obter vantagem indevida para si ou para outrem, o que afasta, na presente hipótese, a configuração do ato doloso de improbidade administrativa, requisito para a incidência da causa de inelegibilidade contida no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. IV. DISPOSITIVO E TESES 9. Agravo interno desprovido. Teses de julgamento: 1. A existência de irregularidades na gestão dos recursos públicos não implica automática caracterização de ato doloso de improbidade administrativa, notadamente quando são engendradas medidas concretas de saneamento da falha durante o mandato do gestor público. 2. Para fins de incidência da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, a abertura de crédito suplementar sem autorização legislativa e regularizada por lei editada no mesmo exercício financeiro não caracteriza ato doloso de improbidade administrativa quando ausentes elementos concretos e seguros que denotem ter o agente público praticado o ato com o especial fim de lesionar o erário, violar a legislação e/ou obter vantagem indevida. 3. Embora a exceção disposta no § 4º–A do art. 1º da LC nº 64/1990 seja restrita aos julgamentos de contas de gestores públicos pelos Tribunais de Contas, a natureza da falha e o tipo de sanção imposta/recomendada pelo órgão técnico podem ser utilizados pelo Juízo eleitoral como aspecto secundário para aferir a configuração, no caso concreto, de ato doloso de improbidade administrativa.