Jurisprudência TSE 060011815 de 02 de fevereiro de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. André Ramos Tavares
Data de Julgamento
07/11/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de ingresso do Partido Socialista Brasileiro (PSB) ¿ Nacional no feito, na condição de assistente simples do réu e, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na ação para decretar a perda do cargo de deputado federal de Marcelo de Lima Fernandes em razão da sua desfiliação partidária sem justa causa, determinando a comunicação do teor desta decisão à Câmara dos Deputados, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Nunes Marques e Raul Araújo. Acompanharam o Relator, a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Benedito Gonçalves, Floriano de Azevedo Marques e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2022. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. DEPUTADO FEDERAL. DESFILIAÇÃO. CARTA DE ANUÊNCIA. INVALIDADE. COMISSÃO PROVISÓRIA MUNICIPAL. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO PRESIDENTE DO DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO QUE NÃO PREENCHEU OS REQUISITOS DO § 3º DO ART. 17 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. JUSTA CAUSA. ART. 17, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INCORPORAÇÃO PARTIDÁRIA. RELEVÂNCIA. DESFILIAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. PERDA DO MANDATO.1. Não é possível conferir validade jurídica a carta de anuência expedida por comissão provisória municipal de partido político com o desiderato de permitir a desfiliação de deputado federal, que era, conforme registros do Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias, o próprio presidente do referido órgão, sobretudo diante da existência de regra partidária que atribuía exclusivamente ao presidente do diretório nacional da agremiação a competência para conceder e subscrever a concordância quanto à desfiliação de parlamentares federais.2. Ao eleito por partido político que não preencher os requisitos necessários para ter direito a recursos do Fundo Partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, o art. 17, § 5º, da Constituição do Brasil passou a assegurar a possibilidade de se filiar, sem perda do mandato, a outro partido que tenha atingido os requisitos necessários.3. A Constituição utiliza–se da expressão "que não preencher", no modo verbal infinitivo, com o que indica a necessidade de aferição das condições partidárias legitimadoras da migração a todo momento, ou seja, a cada pedido manifestado pelos eventuais interessados. A redação constitucional, em outras palavras, acaba por estipular uma condição resolutiva para o exercício dessa faculdade, que é o eventual preenchimento da cláusula de barreira a partir de reorganizações partidárias.4. Não se trata, aqui, de pretender retroceder a uma interpretação gramatical ou mesmo literal da Constituição, mas, sim de reconhecer o significado linguístico mínimo dos vocábulos, de tomar a letra da Constituição como ponto de partida, o "primeiro estágio da interpretação", e, ainda, de tomá–la como limite para toda e qualquer interpretação legítima. Doutrina.5. Por estarmos diante de exceção constitucional, a interpretação do dispositivo há de ser restritiva, não ampliativa e, muito menos, integrativa ou construtiva de novos conteúdos excepcionais por parte do aplicador da Constituição.6. A permissão do § 5º ao art. 17 da Constituição do Brasil deu–se com o propósito de reservar "espaço para os parlamentares eleitos pelos partidos pequenos". O intento da norma, portanto, ao permitir a migração partidária sem perda do mandato, é atuar em sentido oposto à fragmentação partidária, que é, em boa medida, verificada na existência dos "partidos pequenos", o que se faz sem desprestigiar a representatividade do parlamentar assim eleito.7. É certo que, a partir da incorporação ocorrida no caso, o partido passou a ter direito a recursos do Fundo Partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, com o que não se pode permitir, a partir desse momento, a migração de qualquer parlamentar pela regra do § 5º do art. 17 da Constituição do Brasil, sob pena de se estender indevidamente o comando da norma permissiva e fomentar a indesejável livre circulação dos candidatos, que reduz significativamente a importância das agremiações políticas, de seus programas e dos ideais partidários, atingindo a estabilidade das agendas políticas.8. A regra permissiva da desfiliação sem perda de mandato no caso de não atingimento da cláusula de barreira pelo partido político ao qual se filiou o parlamentar eleito tem incidência tão somente enquanto a agremiação for detentora dessa característica. O marco final dessa aferição é a data de finalização do processo de incorporação. De outra parte, o momento em que se pode efetivar esse pedido excepcional de desfiliação deve ocorrer dentro desse período temporal.9. A Res.–TSE nº 23.596/2019, em seu art. 24, dispõe que, para desligar–se do partido, o filiado fará comunicação escrita ao órgão de direção municipal ou zonal e ao juiz eleitoral da zona em que for inscrito. Trata–se de medidas que devem necessariamente ser tomadas para que a desfiliação se perfectibilize, tanto que o § 3º do referido dispositivo estabelece que, não comunicada, nesse formato, a desfiliação à Justiça Eleitoral, não há mudança de filiação, inclusive para fins de verificação da coexistência de filiações.10. No caso específico dos autos, a incorporação do PROS pelo Solidariedade foi levada a efeito na sessão administrativa de 14.2.2023, no julgamento da PetCiv nº 0601967–56/DF. O requerido comunicou sua desfiliação à agremiação no mesmo dia, 14.2.2023, mas procedeu à imprescindível comunicação ao juízo eleitoral tardiamente, apenas no dia seguinte, 15.2.2023 (ID nº 158780169), ou seja, após a incorporação ter operado juridicamente de maneira plena.11. Não bastasse a necessidade de dupla comunicação, o § 2º do art. 24 da Res.–TSE nº 23.596/2019 ainda acrescenta que apenas após decorridos 2 (dois) dias da data da entrega da comunicação no cartório eleitoral é que o vínculo torna–se extinto para todos os efeitos.12. Com a finalização do julgamento em que foi deferida a incorporação partidária, já não mais poderia o parlamentar valer–se da regra da permissão excepcional do § 5º do art. 17 da Constituição do Brasil, no dia 15.02.2023, pois, a partir de 14.03.2023, figurava ele em partido que já preenchia os requisitos necessários para ter acesso a recursos do Fundo Partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão.13. Entendimento diverso flexibiliza a exigência da fidelidade partidária, ampliando indevidamente as hipóteses constitucionais e legais de excepcional migração político–partidária sem perda do mandato.14. Pedido julgado procedente.