Jurisprudência TSE 060010891 de 27 de maio de 2021
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto
Data de Julgamento
06/05/2021
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso ordinário para, reconhecida a prática das condutas vedadas, condenar Mauro Carlesse e Wanderlei Barbosa Castro à pena de multa no valor total de R$ 65.320,50 (sessenta e cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) e de R$ 15.961,50 (quinze mil, novecentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos), respectivamente, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Sérgio Banhos, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques e Luís Roberto Barroso (Presidente). Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.
Ementa
ELEIÇÕES SUPLEMENTARES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. GOVERNADOR E VICE–GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA E ABUSO DO PODER POLÍTICO. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. APURAÇÃO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. EXTINÇÃO DE CONTRATOS TEMPORÁRIOS. PERÍODO PROIBIDO. CONDUTAS VEDADAS CARACTERIZADAS. MULTA. APLICAÇÃO. RAZOABILIDADE. ABUSO DE PODER. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. BENEFÍCIO ELEITORAL NÃO PROVADO. PROVIMENTO PARCIAL.1. In casu, o Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, por maioria, julgou improcedentes os pedidos veiculados na ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pela Coligação A Vez dos Tocantinenses (PR/PPL/PROS/SD/PMB) em face de Mauro Carlesse e Wanderlei Barbosa Castro, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de governador e vice–governador do Estado do Tocantins, nas eleições suplementares realizadas em junho de 2018, ante a ausência de provas lícitas, robustas e incontestes da efetiva prática de abuso de poder.2. Na inicial, a investigante, após relatar que Mauro Carlesse, quando governador interino do Estado do Tocantins, teria praticado diversas condutas vedadas, com evidente intuito eleitoreiro, requereu a condenação dos investigados pela prática de abuso de poder político e econômico, em conformidade com o art. 22, XIV e XVI, da LC 64/90, bem como a aplicação das sanções previstas nos §§ 4º e 5º do art. 73 da Lei nº 9.504/97.3. No presente recurso, o Ministério Público Eleitoral, irresignado com o julgamento de improcedência da ação, alega que o primeiro recorrido teria (i) realizado publicidade institucional, em período vedado, com nítido caráter de promoção de sua candidatura, (ii) exonerado e nomeado diversos servidores ocupantes de cargos de assessoramento especial, com evidente intuito eleitoreiro; e (iii) rescindido contratos temporários, sem justa causa, no período eleitoral.4. O recorrente requer o provimento do recurso ordinário a fim de reformar o acórdão regional para, reconhecendo–se a prática de abuso dos poderes político e econômico, aplicar aos recorridos as sanções previstas no art. 22, XIV, da LC nº 64/90 e, cumulativamente, reconhecendo–se a prática de conduta vedada, aplicar as penalidades do art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei nº 9.504/97.5. Há muito é assente nesta Corte Superior o entendimento de que "não há óbice a que haja cumulação de pedidos na AIJE, apurando–se concomitantemente a prática de abuso de poder e a infração ao art. 73 da Lei nº 9.504/97, seguindo–se o rito do art. 22 da LC nº 64/90" (AgR–AI nº 11.359/SC, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 15.6.2011).6. Da realização de publicidade institucional em período vedado6.1. A Corte de origem assentou que, nas eleições suplementares, as vedações constantes do art. 73 da Lei nº 9.504/97 devem ser aplicáveis apenas a partir da divulgação dos atos normativos que as designam, uma vez que somente nesse momento é que a data de realização do pleito torna–se de conhecimento público.6.2. Na espécie, a data de realização do pleito suplementar foi conhecida a partir da publicação da Resolução TRE/TO nº 405/2018, 20.4.2018, que marcou "para o dia 3 de junho de 2018 a realização de Eleições Suplementares para os cargos de Governador e Vice–Governador do Estado do Tocantins" (art. 1º).6.3. Consoante assinalou o Tribunal a quo, "a incerteza e a imprevisibilidade quanto à efetivação de novo pleito recomendam a extraordinária mitigação de prazos que norteiam o processo eleitoral, adaptando–os à realidade, na perspectiva da prevalência do critério da razoabilidade" (RO nº 0600086–33/TO, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 29.5.2018).6.4. A data fixada pelo acórdão regional para início da incidência das vedações constantes do art. 73, V e VI, da Lei nº 9.504/97 – 20.4.2018 – mostra–se a melhor solução jurídica a ser considerada no presente caso, já que corresponde ao dia posterior à publicação do acórdão dos embargos de declaração opostos no RO nº 1220–86/TO, data em que se tornou definitiva a cassação dos mandatos do governador e da vice–governadora eleitos em 2014 e a determinação de realização de novo pleito.6.5. Na linha da jurisprudência desta Corte Superior, salvo as hipóteses autorizadas em lei, a permanência de propaganda institucional durante o período vedado é suficiente para que se aplique a multa do art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/97, sendo irrelevante que a peça publicitária tenha sido autorizada e afixada em momento anterior.6.6. A manutenção de publicidade institucional no sítio eletrônico do governo estadual no período vedado, por si só, configura o ilícito eleitoral previsto no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97, razão pela qual, observado o princípio da proporcionalidade, deve ser aplicada a cada um dos recorridos a sanção pecuniária prevista no art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/97, no valor mínimo de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos).6.7. Na linha da jurisprudência desta Corte, o regime de responsabilidade delineado no microssistema jurídico das condutas vedadas atinge tanto os responsáveis quanto os beneficiários (art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei nº 9.504/97).6.8. Conquanto caracterizada a conduta vedada estabelecida no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97, a conclusão do TRE/TO quanto à ausência de gravidade deve ser mantida. As referidas publicidades, por terem ficado disponíveis por exíguo prazo – entre os dias 20 e 24 de abril de 2018 –, não têm gravidade necessária para que, de acordo com os precedentes desta Casa, seja reconhecido o abuso do poder político/autoridade, ou melhor, não tiveram o condão de abalar a normalidade e a legitimidade do pleito suplementar.7. Da exoneração e nomeação de servidores públicos (assessores especiais) em período vedado7.1. Cinge–se a controvérsia em saber se os cargos de denominação "assessor especial", previstos no art. 10 da Lei Estadual nº 2.986/2015, vigente à época das eleições suplementares, nos seus diversos níveis, exercem tão somente atribuições de direção, chefia e assessoramento, nos estritos parâmetros estabelecidos pela Magna Carta, e, a partir disso, investigar a ocorrência da conduta vedada prevista no art. 73, VI, da Lei nº 9.504/97, bem como se, com essa prática, houve abuso de poder apto a macular o pleito suplementar de 2018.7.2. O dispositivo que regulamenta os referidos cargos, a pretexto de utilizar a terminologia "cargos de provimento em comissão", possibilita que o Estado do Tocantins, por meio de seus gestores, realize contratações de pessoas, sem a necessidade de concurso público, para exercerem tarefas indefinidas, ou seja, o art. 10 da citada lei, de forma bastante clara, não trata dos cargos em comissão previstos no art. 37, V, da Constituição Federal, os quais, diferentemente, se destinam somente às atribuições de direção, chefia e assessoramento.7.3. Como se observa do documento inserido no ID nº 22311838, encaminhado com o ofício da Procuradoria–Geral do Estado nº 3529/2018, entre os dias 19 e 27 de abril de 2018, foram exonerados 771 (setecentos e setenta e um) assessores especiais e nomeados 44 (quarenta e quatro) assessores especiais – atos publicados entre os dias 20 e 27 de abril de 2018 no Diário Oficial do Estado do Tocantins (DOETO).7.4. Além disso, entre os dias 3 e 18 de maio de 2018, de acordo com o documento anexado no ID nº 22315288 (abrange nomeações do dia 27.4.2018, as quais já foram contabilizadas), foram nomeadas aproximadamente 190 (cento e noventa) pessoas para ocupar cargos de assessoria especial.7.5. Delineado esse quadro, não há dúvida de que o governador interino praticou a conduta vedada prevista no art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, razão pela qual, observado o princípio da proporcionalidade, deve ser aplicada ao primeiro recorrido, responsável pela conduta, e ao segundo recorrido, mero beneficiário, multa de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos), respectivamente, nos termos do art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei nº 9.504/97.7.6. Conquanto configurada a conduta vedada em questão – nomeações e exonerações dos servidores públicos ocupantes do cargo de assessor especial, nos seus diversos níveis –, não há como reconhecer o alegado abuso de poder, porquanto não está devidamente comprovado que o gestor interino, valendo–se de sua condição funcional, atuou em benefício eleitoral próprio, de modo a comprometer o pleito suplementar.8. Da extinção de contratos temporários em período vedado8.1. No que concerne à alegação de que servidores temporários foram "demitidos" sem justa causa em período vedado, pertinente apenas o Ato Declaratório nº 139, inserido no Diário Oficial do Estado do Tocantins (DOETO) nº 5.098, de 24.4.2018, que, com fundamento no art. 6º da Lei Estadual nº 1.978/2008, a partir de 25.5.2018, extinguiu "Termos de Compromisso de Serviço Público de Caráter Temporário firmado" (ID nº 22309238, fl. 14) com 1.929 (mil novecentos e vinte e nove) profissionais.8.2. A terminologia "justa causa" prevista no art. 73, V, da Lei das Eleições foi empregada pelo legislador eleitoral de forma equivalente à prevista na legislação trabalhista, ou seja, só estará caracterizada se o "empregador" comprovar que o servidor público, em sentido amplo, praticou ato grave ou gravíssimo incompatível com o serviço público.8.3. Ainda que o conceito de justa causa fosse amplo, o argumento de que as demissões dos servidores temporários objetivaram a readequação das contas aos limites estatuídos na Lei de Responsabilidade Fiscal para as despesas com pessoal é insuficiente para comprovar o justo motivo, pois inexistem provas irrefutáveis de que as referidas demissões eram imprescindíveis para adequar as despesas de pessoal, ou melhor, devido à proximidade com a eleição excepcional, cabia aos recorridos exibir todo o plano de readequação das despesas aos limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, de forma a comprovar que não havia alternativa que não desrespeitasse a legislação eleitoral.8.4. Tendo em vista que os recorridos não fizeram prova de nenhuma das hipóteses previstas no art. 157 da Lei Estadual nº 1.818/2007, nem de que as demissões eram imprescindíveis para a readequação das despesas com pessoal aos limites mencionados na Lei de Responsabilidade Fiscal, está caracterizado novamente o ilícito eleitoral previsto no art. 73, V, da Lei das Eleições, razão pela qual, observado o princípio da proporcionalidade, deve ser aplicada aos recorridos a sanção pecuniária prevista no art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei nº 9.504/97, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos), respectivamente.8.5. Não obstante a caracterização da conduta vedada em tela, inviável certificar o abuso de poder, pois, também aqui, não se comprovou que Mauro Carlesse, utilizando–se de sua condição funcional, agiu em benefício eleitoral próprio, de modo a embaraçar a eleição suplementar.8.6. Conforme assentou a Corte de origem, a configuração do abuso do poder político depende da demonstração de gravidade das circunstâncias para afetar o pleito, bem como da violação do princípio da isonomia entre os concorrentes, o que não ocorreu no caso sub judice.9. Recurso ordinário parcialmente provido para, reconhecida a prática das condutas vedadas previstas no art. 73, V e VI, b, da Lei das Eleições, condenar Mauro Carlesse e Wanderlei Barbosa Castro à pena de multa no valor total de R$ 65.320,50 (sessenta e cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) e de R$ 15.961,50 (quinze mil, novecentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos), respectivamente.