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Jurisprudência TSE 060005731 de 06 de novembro de 2020

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto

Data de Julgamento

24/09/2020

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial eleitoral, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Luis Felipe Salomão, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Sérgio Banhos, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (Presidente). Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.

Ementa

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL EM RECLAMAÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL. COAÇÃO ELEITORAL. ART. 301 DO CÓDIGO ELEITORAL. OUTROS CRIMES COMUNS CONEXOS. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PREFEITO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. TESE DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. INVESTIGAÇÃO OCULTA. INDÍCIOS CONCRETOS DE PARTICIPAÇÃO NOS FATOS EM APURAÇÃO. INEXISTÊNCIA. COMPARTILHAMENTO DE PROVAS. PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL. REQUISIÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO AUTÔNOMO. INOCORRÊNCIA. CONSTATAÇÃO DE EVENTUAIS DELITOS DIVERSOS DOS APURADOS. SISTEMA PENAL ACUSATÓRIO. OBSERVÂNCIA. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS CÍVEL–ELEITORAL, ADMINISTRATIVA E PENAL ELEITORAL. SUPERVISÃO DO INQUÉRITO POLICIAL PELO TRIBUNAL COMPETENTE. DESNECESSIDADE. ATO SUJEITO A RESERVA DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA. NEGATIVA DE PROVIMENTO AO RECURSO. I. A competência criminal por prerrogativa de função 1. A partir da decisão do STF na Questão de Ordem na Ação Penal nº 937/RJ, relator o Ministro Luís Roberto Barroso (DJe de 10.12.2018), adota–se, à guisa de premissas para o deslinde da presente causa, que: (i) o foro por prerrogativa de função aplica–se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) a prerrogativa de foro relaciona–se às funções desempenhadas na atualidade. 2. Compete, originariamente, ao Tribunal Regional Eleitoral o julgamento das condutas penalmente repreensíveis imputadas a prefeito. Inteligência da Súmula nº 702/STF. 3. Tendo em vista que o recorrente exerce mandato de prefeito do Município de Juazeiro do Norte/CE e as condutas em apuração foram praticadas, em tese, em decorrência do exercício do cargo, ao menos em princípio, as premissas fixadas pelo STF para a determinação da competência por prerrogativa de foro estariam atendidas na espécie. II. O quadro fático delineado no acórdão recorrido 4. Os fatos tratados no presente recurso estão em apuração no Inquérito Policial nº 267/2018 DPF/JNE/CE – instaurado mediante requisição do promotor eleitoral a partir dos elementos coletados no Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE) nº 550145/2018 –, no qual se investiga notícia de que o candidato a deputado federal no pleito de 2018 e filho do recorrente, aliado a chefes, diretores e coordenadores da gestão municipal de Juazeiro do Norte/CE, teriam pressionado servidores municipais a participar de atos de sua campanha, sob ameaça de perda do emprego caso não votassem no referido candidato. 5. Apura–se também eventual utilização da máquina pública daquela municipalidade em benefício de campanhas eleitorais, mediante coação de empregados da empresa MXM Serviços e Locações Ltda., contratada pelo Município de Juazeiro do Norte/CE para executar serviços de coleta e transporte de resíduos sólidos domiciliares e comerciais, varrição, capinação, entre outros. 6. Em duas ocasiões, o juízo da 119ª Zona Eleitoral, em atendimento a representações da autoridade policial, deferiu medidas de busca e apreensão pessoais e domiciliares contra pessoas físicas, jurídicas e órgãos públicos.7. Duas pessoas encontram–se formalmente indiciadas como incursas nos tipos penais descritos nos arts. 301 (coação eleitoral) e 346 c.c. o art. 377 (uso de serviço ou bem público em favor de partido ou organização política) do Código Eleitoral, bem como nos arts. 286 (incitação ao crime) e 332 (tráfico de influência) do Código Penal. III. O precedente firmado pelo STF na Reclamação no Inquérito nº 4335 8. No julgamento da Reclamação no Inquérito nº 4435, o STF, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a usurpação de sua competência por violação a prerrogativa de foro e invalidar as provas produzidas em inquérito policial, nos quais praticados atos de investigação velada contra parlamentares do Senado Federal. Na mesma assentada, declarou lícitas as provas cuja produção dispensava prévia autorização judicial e, quanto às autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, declarou a ilicitude daquelas derivadas de medidas cautelares determinadas pelo juízo de primeira instância. 9. A aplicação do emblemático e recente julgado da Suprema Corte neste feito reclama a verificação da presença de duas premissas elementares: a previsibilidade da atuação, desde o início das investigações, do titular da prerrogativa de foro nas condutas em apuração e a existência de indícios relevantes de sua participação efetiva nos fatos objeto do inquérito policial. 10. Embora fosse possível deduzir logicamente a participação do recorrente nos fatos investigados – uma vez que o contexto fático delimitado demonstra seu engajamento na campanha do indiciado, seu filho, e a condição de chefe do Poder Executivo de Juazeiro do Norte/CE lhe conferiria, em tese, posição privilegiada na coordenação das ações de campanha eventualmente impostas aos servidores temporários e comissionados sob pena de exoneração e nas supostas condutas relativas à utilização da máquina pública nas campanhas eleitorais –, a primeira das premissas assentadas pelo STF não se visualiza no caso dos autos. IV.1. Ausência de indícios que revelem a investigação oculta do recorrente no limiar do apuratório (primeira fase do inquérito) 11. A circunstância de ter sido instado a prestar esclarecimentos no PPE, formalizado pelo promotor eleitoral, é inapta a demonstrar indícios de participação do recorrente nos fatos em apuração, haja vista que o PPE se apoiou nos fatos descritos na notitia criminis formulada pontualmente contra o candidato e contra chefes, diretores e coordenadores da gestão municipal de Juazeiro do Norte/CE, nada tendo sido concretamente imputado contra o prefeito. 12. As comunicações policiais que subsidiaram a subsequente instauração do inquérito policial e a decretação das medidas cautelares de busca e apreensão (Ação Cautelar nº 55–78.2018.6.06.0119) na primeira fase das investigações não apresentaram relatos concretos e pormenorizados da eventual participação do prefeito nos fatos em apuração. 13. A mera circunstância de ser o recorrente administrador de um grupo de WhatsApp, sem que nenhuma outra evidência tenha sido associada a tal fato, não se presta a comprovar a alegação de que também ele é investigado desde o início do inquérito policial. Os diálogos que subsidiaram a decretação das medidas cautelares de busca e apreensão foram extraídos de outro grupo de diálogos, do qual o recorrente não é integrante. 14. A jurisprudência do STF tem se firmado no sentido de que "a simples menção ao nome de autoridades detentoras de prerrogativa de foro, seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja na captação de diálogos travados por alvos de censura telefônica judicialmente autorizada, assim como a existência de informações, até então, fluidas e dispersas a seu respeito, são insuficientes para o deslocamento da competência para o juízo hierarquicamente superior. Para que haja a atração da competência da causa para o foro competente é imprescindível a constatação da existência de indícios da participação ativa e concreta do titular da prerrogativa em ilícitos penais" (AP nº 933 QO/PB, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 3.2.2016). No mesmo sentido: AgR–AP nº 1029/SP, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 23.5.2019; RHC nº 135683/GO, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 3.4.2017. 15. Nesse contexto, se advierem da investigação novos elementos que indiquem a concreta participação do recorrente nos fatos apurados no inquérito policial, o que não se constata até o presente momento, aplicável à espécie a teoria do juízo aparente, segundo a qual, na linha da jurisprudência do STF, "as provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou produção podem ser ratificadas, mesmo que seja posteriormente reconhecida a sua incompetência" (Inq nº 4506/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. para acórdão Min. Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 4.9.2018[1]). IV.2. Ausência de indícios que revelem a investigação oculta do recorrente após o compartilhamento de provas com a Procuradoria Regional Eleitoral (segunda fase do inquérito) 16. A mera circunstância de ter havido compartilhamento de provas com o representante do Parquet que oficia perante a segunda instância da Justiça Eleitoral no Ceará, aliada à propositura de uma AIJE e de uma ação por improbidade administrativa perante a Justiça Comum, fundadas nas referidas evidências, não é suficiente para caracterizar a suposta violação ao foro por prerrogativa de função. 17. A jurisprudência do TSE já consagrou que o eixo da atuação desta Justiça especializada nos feitos cíveis–eleitorais, natureza jurídico–processual da aventada AIJE, "é a garantia da regularidade do processo democrático, e não o reconhecimento e a sanção dos agentes de eventuais ilícitos administrativos e/ou criminais" (AIJE nº 194358/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 12.9.2018). Nesse contexto, dada a independência entre as instâncias cível–eleitoral, administrativa e penal, se persistirem o interesse e a viabilidade na investigação dos fatos que instruem a causa de pedir da AIJE, esta pode perfeitamente se desenvolver em momento posterior, na seara punitiva própria. V. Ausência de ato sujeito à reserva de jurisdição proferido em desfavor do recorrente 18. A partir do exame do AgR–REspe nº 133–88/RN, redatora para o acórdão a Ministra Rosa Weber, DJe de 17.5.2019, o TSE passou a adotar, com ressalva do meu ponto de vista, o entendimento de que "a instauração do inquérito policial sem a supervisão do tribunal regional, em razão da prerrogativa de foro do investigado, não acarreta, por si só, nulidade". 19. No caso dos autos, o inquérito policial foi efetivamente instaurado por requisição do promotor eleitoral, sem que nenhum ato reservado especificamente ao órgão jurisdicional competente tenha sido diretamente dirigido contra o prefeito até o presente momento. Por conseguinte, não há falar em nulidade das provas coligidas aos autos, uma vez que os atos judiciais de primeira instância que autorizaram a sua produção não atingiram a esfera jurídica do titular de foro por prerrogativa de função. 20. A jurisprudência do STF tem se solidificado no sentido de que a "eventual nulidade decorrente da inobservância da prerrogativa de foro não se estende aos agentes que não se enquadrem nessa condição" (Rcl–Inq nº 4335/DF, Rel. Min. Edson Fachin, acórdão pendente de publicação). 21. À vista da hodierna orientação da Corte Suprema, a eventual declaração de nulidade das provas produzidas no inquérito policial referido, assim como das evidências coligidas a eventuais procedimentos investigativos dele decorrentes, não aproveitaria aos demais investigados, visto não serem titulares de foro por prerrogativa de função. 22. Por fim, a teor da jurisprudência do STF, o inquérito policial constitui peça meramente informativa, cuja irregularidade, em regra, revela–se inapta a contaminar de nulidade eventual ação penal (AgR–ARE nº 1102028/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 12.6.2018; RHC nº 131450/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 17.5.2016). 23. Não se constatam, no caso dos autos, usurpação da competência do TRE/CE e violações ao foro por prerrogativa de função, ao devido processo legal e ao juiz natural. VI. Conclusão 24. Diante da identidade do contexto fático–jurídico da presente demanda com o RHC nº 0600058–16/CE, deve–se entregar a mesma tutela jurisdicional. 25. Recurso especial eleitoral na reclamação desprovido.  _______________________________________________________________________________ [1] No mesmo sentido, os seguintes precedentes: HC nº 120.027, Primeira Turma, Rel. p/ Acórdão, Min. Edson Fachin, DJe de 18.2.2016; HC nº 121.719, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 27.6.2016 e, AgR–HC nº 137438/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 20.6.2017.


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