Jurisprudência TSE 060000281 de 08 de maio de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
20/04/2023
Decisão
Julgamento conjunto: AREspe's nº 060078340 e nº 060000281O Tribunal, por unanimidade, negou provimento aos agravos em recurso especial, mantendo, portanto, o acórdão regional que, de forma conjunta, julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral 0600783¿40.2020.6.19.0054 e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo 0600002¿81.2021.6.19.0054, a fim de reconhecer a fraude à cota de gênero e assim: i) declarar nulos todos os votos atribuídos, na Eleição legislativa municipal de 2020, ao Partido Avante; e ii) cassar todos os registros da chapa apresentada no DRAP 0600301¿92.6.19.0054 e os diplomas do agravante, vereador eleito, e de Rogério da Silva Jordes, Renato Delmiro Cabral e Eduardo Valentim Portela, suplentes, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros Carlos Horbach, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques (substituto), Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO. PROVIMENTO. EXAME, DESDE LOGO, DO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. AIME. ABUSO DE PODER MEDIANTE FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. LANÇAMENTO. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. ELEIÇÃO PROPORCIONAL. VEREADOR. ACÓRDÃO REGIONAL. CASSAÇÃO. CHAPA PROPORCIONAL. DIPLOMA. REGISTRO. DECLARAÇÃO. INELEGIBILIDADE. CANDIDATAS. CONJUNTO FÁTICO–PROBATÓRIO. CARÁTER ROBUSTO. RECONHECIMENTO. VERBETES SUMULARES 24 E 30 DO TSE.SÍNTESE DO CASO1. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por unanimidade, negou provimento a recursos e manteve a sentença do Juízo da 54ª Zona Eleitoral daquele Estado que, de forma conjunta, julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral 0600783–40.2020.6.19.0054 e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo 0600002–81.2021.6.19.0054 para, reconhecendo a fraude perpetrada à cota de gênero, declarar nulos todos os votos atribuídos, na Eleição legislativa municipal de 2020, ao Partido Avante, cassando–se todos os registros da chapa apresentada no DRAP 0600301–92.6.19.0054, bem como os diplomas do agravante, vereador eleito, e dos respectivos suplentes.2. Foram interpostos agravos em recurso especial em face de decisão do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro que negou seguimento a recursos especiais eleitorais.ANÁLISE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL3. O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral negou seguimento aos recursos especiais interpostos pelo primeiro agravante pelos seguintes fundamentos:i) não procede a tese de violação aos arts. 275 do Código Eleitoral e 489, § 1º, IV, do Código de Processo Civil, ao argumento de suposta divergência na transcrição do depoimento prestado pelas candidatas, pois os arestos impugnados estão devidamente fundamentados, com a adequada valoração das provas dos autos à luz da legislação vigente, tendo explicitado as razões que motivaram as suas conclusões, ainda que deixe de apreciar argumentos trazidos pelas partes;ii) os precedentes invocados para comprovar o dissídio jurisprudencial, a fim de acolher a tese de que os motivos apresentados pelas candidatas para justificar a desistência à disputa eleitoral seriam suficientes para a descaracterização da fraude à cota de gênero, demanda o reexame fático–probatório dos autos. Óbice do verbete sumular 24 do TSE;iii) a simples transcrição das ementas dos precedentes apontados como paradigmas é insuficiente para a comprovação do dissídio jurisprudencial, nos termos do verbete sumular 28 do TSE;iv) a tese de que a igualdade na distribuição de material gráfico e recursos financeiros a todos os candidatos da legenda teria o condão de descaracterizar a fraude à cota de gênero atrai o óbice do verbete sumular 24 do TSE.4. O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral negou seguimento ao recurso especial interposto pelo segundo agravante pelos seguintes fundamentos:i) o requisito da relevância jurídica estabelecido pelo art. 105, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal, acrescidos pela EC 125/2022, não se aplica ao caso;ii) incidência do verbete sumular 24 deste Tribunal Superior, pois a pretensão recursal demanda o reexame de matéria probatória;iii) o entendimento do acórdão regional está de acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, a incidir o verbete sumular 30 do TSE;iv) a respeito da tese de violação ao art. 17, § 1º, da Constituição Federal, ficou evidenciada falha na fundamentação recursal, nos termos dos verbetes sumulares 284 do STF e 27 do TSE.5. Os agravantes impugnaram os fundamentos da decisão agravada, razão pela qual se dá provimento aos agravos, passando ao exame dos recursos especiais.ANÁLISE DOS RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS6. Todos os pontos relevantes à solução da controvérsia foram devidamente analisados pelo Tribunal de origem, de forma motivada, coerente e objetiva, o que evidencia a inexistência de omissão, obscuridade e falta de fundamentação do acórdão regional, de sorte que merece ser rejeitada a alegada ofensa aos arts. 11 e 489, § 1º, IV, do Código de Processo Civil e 275 do Código Eleitoral.7. As razões apresentadas nos recursos especiais indicam, na realidade, que o primeiro recorrente, a pretexto de indicar a existência de vícios nos arestos recorridos, se limita a apontar diversas circunstâncias fáticas para defender que não ficou caracterizada a fraude à cota de gênero, as quais já foram objeto de análise pela Corte de origem, ainda que de forma contrária ao seu interesse, evidenciando apenas o seu inconformismo com o que foi decidido e a pretensão de revolvimento fático–probatório, providência vedada pelo verbete sumular 24 do TSE.8. Conforme se depreende do trecho do voto condutor do acórdão regional, a conclusão a que chegou o Tribunal de origem pela caracterização da fraude à cota de gênero teve como lastro os seguintes elementos:a) a candidata Marlene de Lima Brito Moraes: i) não recebeu votos; ii) na declaração prestada perante o órgão ministerial, afirmou que decidiu ser candidata apenas para ajudar o partido e não se lembrava do número pelo qual concorreu às Eleições; iii) declarou em sede judicial que não realizou gastos de campanha, constando no processo de prestação de contas apenas uma doação estimável em dinheiro efetuada pelo candidato ao cargo de prefeito para custear o material de campanha em conjunto com o próprio doador no valor de R$ 124,25; e iv) o fato de a candidata adoecer por conta de Covid, 10 dias antes da eleição, não a impediu de ir votar nem influenciou negativamente sua campanha, pois nunca existiu nenhum movimento pró–candidatura por parte da filiada;b) a candidata Andrea Coriolano de Freitas Marinho: i) recebeu apenas 3 votos; ii) confirmou que a sua filha auxiliou a campanha de outro candidato; iii) apesar de ter afirmado que a sua filha só apoiou o concorrente após a desistência da disputa, ficou comprovado que o apoio ocorreu desde o início do pleito eleitoral; iv) há várias contradições em seu depoimento quanto à data em que a sua mãe ficou doente, à contratação de material publicitário e à sua participação na convenção partidária; v) declarou que não fez campanha, constando no processo de prestação de contas apenas uma doação estimável em dinheiro efetuada pelo candidato ao cargo majoritário para custear o material de campanha em conjunto com o próprio doador no valor de R$ 92,75; e vi) não ficou comprovado nos autos que a doença da mãe da candidata a impediu do prosseguimento da campanha eleitoral, pois não houve campanha prévia e, se a mãe já estava doente, não seria razoável participar da corrida eleitoral;c) em relação a ambas as candidatas: i) ausência de atos de campanha eleitoral; ii) não compareceram à convenção partidária de escolha dos candidatos; iii) tiveram seus nomes incluídos na ata da convenção partidária de escolha de candidatos de forma ardilosa, por meio de retificação da ata, posteriormente ao processo de escolha dos candidatos do qual nem sequer participaram; e iv) total desinteresse na disputa eleitoral;d) a representante do partido admite, em postagem na rede social, que, somente após constatarem a inobservância da cota mínima de candidaturas femininas, resolveu convidar duas filiadas para serem candidatas.9. Na espécie, tendo sido revelado que as candidatas Marlene de Lima Brito Moraes e Andrea Coriolano de Freitas Marinho não obtiveram votos ou tiveram votação ínfima, não realizaram atos de campanha, não tiveram movimentação financeira na campanha – exceto o recebimento de doação estimável em dinheiro relativa à campanha conjunta do candidato ao pleito majoritário –, não fizeram a divulgação de sua candidatura, além de outras circunstâncias específicas destacadas pela Corte de origem, evidencia–se a configuração da prática de fraude à cota de gênero. Precedentes.10. Para alterar as conclusões às quais chegou o Tribunal Regional Eleitoral, a fim de acolher as alegações recursais de que não haveria prova robusta da ocorrência de fraude à cota de gênero, seria necessário o reexame do acervo fático–probatório dos autos, providência que não se admite em recurso especial eleitoral, nos termos do verbete sumular 24 do TSE.11. Consideradas as premissas fáticas registradas no acórdão recorrido, a decisão regional está em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral quanto aos elementos suficientes para a caracterização de fraude no preenchimento dos percentuais de gênero, entre os quais não se inclui a necessidade de comprovação do dolo e da má–fé, que, segundo alegam os recorrentes, estariam consubstanciados no conluio entre as candidatas e o partido em fraudar o sistema de cota de gênero, o que atrai a incidência do verbete sumular 30 do TSE, o qual "pode ser fundamento utilizado para afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial – por afronta à lei e dissídio jurisprudencial".12. Quanto ao argumento de que ficou comprovada a desistência tácita das candidatas à disputa eleitoral, tal circunstância não foi reconhecida pela Corte de origem, a qual entendeu que os motivos apresentados não foram suficientes para comprovar o abandono das candidaturas durante o curso da campanha, conclusão cuja alteração encontra óbice no já mencionado verbete sumular 24 do TSE.13. Considerando que o Tribunal de origem concluiu que o acervo probatório dos autos é suficiente para caracterizar a fraude à cota de gênero – na linha da atual jurisprudência desta Corte – e, por outro lado, que os motivos apresentados pelas candidatas são insuficientes para justificar a desistência das candidaturas, o acolhimento da tese de dissídio jurisprudencial está diretamente vinculado ao reexame fático–probatório dos autos, providência vedada nesta via recursal.CONCLUSÃOAgravos em recurso especial eleitoral interpostos por Leandro de Paula Silva, nos autos do Agravo em Recurso Especial Eleitoral 0600002–81 e do Agravo em Recurso Especial Eleitoral 0600783–40, e pelo Partido Avante (Avante) – Municipal, nos autos do Agravo em Recurso Especial Eleitoral 0600783–40 a que se nega provimento, mantendo–se, portanto, o acórdão regional que, de forma conjunta, julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral 0600783–40.2020.6.19.0054 e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo 0600002–81.2021.6.19.0054, a fim de reconhecer a fraude perpretada à cota de gênero e assim:i) declarar nulos todos os votos atribuídos, na Eleição legislativa municipal de 2020, ao Partido Avante;ii) cassar todos os registros da chapa apresentada no DRAP 0600301–92.6.19.0054 e os diplomas do agravante, vereador eleito, e de Rogério da Silva Jordes, Renato Delmiro Cabral e Eduardo Valentim Portela, suplentes.